Pena que os terraplanistas não são terraplanistas por causa de explicações científicas, mas sim porque são soldados de um projeto político pedagógico
No fundo eles não estão nem aí pra discussão. O convencimento deles é inabalável e sustentado do dinheiro que ganham no YouTube, no instagram e por aí vai...
Estamos diante de uma guerra híbrida
De uma disputa de narrativas com cruzados medievais
Na era da pós-verdade, não há argumentos, há algoritmos
A.disputa não é racional
É político-emocional
O Jesus da Goiabeira é a favor das armas e contra o aborto , mas a favor da tortura
Enfim... Uma merda tudo isso
Uma merda com gosto de chocolate e laranja...
É uma milícia de Jesus que está no poder
É fundamental estarmos organizados
Poderíamos começar a pensar num relatório do retrocesso com nosso observatório pra lançar em janeiro
Na manhã desta quarta-feira, realizamos um protesto pacífico em frente ao Palácio do Planalto, em Brasília. Para mostrar que não aceitamos a política antiambiental do governo Bolsonaro, levamos de maneira simbólica o derramamento de óleo do Nordeste e a Amazônia destruída para o local de trabalho do Presidente da República.
Confira nossa cobertura:
O governo Bolsonaro comprova, a cada dia, que é inimigo do meio ambiente. A lentidão em resolver problemas, das manchas de petróleo nas praias do Nordeste às queimadas na Amazônia, é reflexo do desmonte ambiental promovido pelo governo e mantém o Brasil no centro das atenções de descasos com o meio ambiente.
Desde o fim de agosto, as manchas de petróleo afetam a natureza, os animais marinhos, as pessoas, a pesca, o turismo e a economia de centenas de locais em todos os estados da Região Nordeste. A demora em combater e mitigar o maior desastre de petróleo do país em extensão prova que o governo federal não está preparado para responder a derramamentos como esse, deixando nossos oceanos ainda mais ameaçados.
Em vez de focar na resolução do problema com eficiência, o presidente Jair Bolsonaro viajou para o exterior enquanto o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tenta mascarar a sua inação desviando a atenção do problema e jogando a responsabilidade para a população e para as organizações não governamentais.
O governo deveria ter implementado rapidamente todas as ações previstas no Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Água (PNC), com a devida comunicação pública e atribuição de tarefas, recursos humanos e financeiros nos comitês designados.
Mas ao mesmo tempo em que o óleo se alastrava rapidamente, o governo estava preocupado em vender mais espaços no mar e na Amazônia para que empresas perfurem e busquem por petróleo.
“Enquanto o óleo se espalha, o governo Bolsonaro segue realizando leilões e oferecendo mais de dois mil blocos de petróleo em diversas áreas sensíveis social e ambientalmente, da costa brasileira à floresta amazônica”, diz Thiago Almeida, da campanha de Clima e Energia do Greenpeace Brasil. “Vivemos uma emergência climática, precisamos abandonar os combustíveis fósseis e acelerar a transição para uma matriz energética 100% limpa e renovável”.
A atuação do Greenpeace contra a exploração e queima de petróleo acontece há mais de duas décadas. Em 2011, fizemos campanha contra a exploração de petróleo na região de Abrolhos e estamos há três anos lutando, com sucesso, contra a exploração de petróleo na bacia da Foz do Amazonas, onde estão os Corais da Amazônia.
Pátria queimada, Brasil
Ativistas do Greenpeace realizam um protesto pacífico em frente ao Palácio do Planalto, em Brasília, levando a Amazônia destruída para o local de trabalho do Presidente da República.
A conduta inadequada do governo Bolsonaro não se limita ao óleo nas praias. Até hoje, pouco se fez para conter a destruição da Amazônia, pelo contrário, dados recentes sinalizam as consequências da falta de ação do governo: a área com alertas de desmatamento emitidos em agosto e setembro de 2019 foi 142% maior em comparação ao mesmo período em 2018, conforme indicado pelo sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
“Desde que tomou posse, o governo Bolsonaro tem esvaziado e enfraquecido órgãos de proteção e fiscalização ambiental, ameaçado rever Unidades de Conservação e abrir Terras Indígenas para interesses econômicos. O presidente fez inúmeros discursos que encorajam o crime ambiental. Agora, estamos vendo o resultado desta política”, afirma Cristiane Mazzetti, da campanha de Florestas do Greenpeace Brasil.
A postura antiambiental do governo Bolsonaro prejudica o Brasil de muitas formas, inclusive economicamente, e traz prejuízos para a reputação do país. O recorde no número de alertas de fogo este ano acarretou, por exemplo, em suspensão de compra de produtos brasileiros e resistência de lideranças internacionais em ratificar o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul.
A imagem do país está queimada lá fora. O governo precisa deixar de ser omisso com os problemas ambientais e climáticos e cessar imediatamente o ataque à Amazônia e seus povos.
Defendemos as florestas e os oceanos no Brasil há 27 anos e continuaremos exigindo que nossos governantes atuem com responsabilidade. Assine nosso abaixo-assinado contra o desmonte ambiental do governo Bolsonaro, acesse aqui.
**ATUALIZAÇÃO**
Ativistas que protestavam em Brasília foram detidos pela Polícia Militar e levados à delegacia. Os 19 ativistas detidos foram liberados depois de três horas. Veja o vídeo aqui.
Nova espécie de anfíbio do Acre é nomeada em homenagem a Chico Mendes
Carolina Lisboa domingo, 13 outubro 2019 17:17
Uma nova espécie de rã amazônica foi descoberta no Acre. O anfíbio foi nomeado Adenomera chicomendesi, ou “rã de espuma de Chico Mendes”, em homenagem ao ambientalista Francisco Alves Mendes Filho por sua luta pelos direitos humanos dos povos indígenas, comunidades de seringueiros e pela própria Floresta Amazônica. Como consequência de seu ativismo, Chico Mendes foi assassinado em 22 de dezembro de 1988 em sua cidade natal, Xapuri, no Acre.
De acordo com Thiago Ribeiro de Carvalho, pesquisador de pós-doutorado na Universidade Estadual Paulista de Rio Claro (UNESP – Rio Claro) e primeiro autor da publicação, a descoberta e o artigo resultante dessa pesquisa “já somam 20 anos de esforços para o melhor entendimento da biodiversidade dos anfíbios desse gênero, que ocorrem em grande parte da América do Sul ao leste dos Andes”, explica.
“Muitas outras espécies ainda precisam de avaliações detalhadas para sua identificação precisa. Uma parcela destas certamente correspondem a espécies novas, mas ainda não descritas formalmente. Essas novas espécies ocorrem não só na Amazônia, mas também no Cerrado e Mata Atlântica”.
Carvalho conta que tudo começou com o canto peculiar da espécie. “O canto de A. chicomendesi, relativo às outras espécies do gênero, é bem longo e pulsado, e nos lembra um apito dentro da floresta”. Assim, os pesquisadores conseguiram diferenciá-la das outras espécies do gênero. Para Carvalho, o canto das rãzinhas é tão alto que, possivelmente, até o próprio Chico Mendes pode tê-las ouvido. “Se prestar atenção enquanto está numa trilha na mata, é possível ouvi-las facilmente, só tem que ter o ouvido treinado para identificar Adenomera”.
O pesquisador explica que A. chicomendesi ocorre em algumas localidades com uma outra espécie do gênero, A. andreae, da qual não pode ser diferenciada por características morfológicas. “As espécies do gênero têm características externas (morfologia, coloração, tamanho), que muitas vezes ajudam na identificação de anfíbios, conservadas entre espécies próximas, o que dificulta a identificação das espécies. E é aí que entra a bioacústica (estudo das vocalizações das espécies). No gênero Adenomera, os estudos mais recentes, que são frutos da minha tese de doutorado e do meu projeto atual de pós-doutorado, têm reforçado cada vez mais a relevância dos dados acústicos como uma ferramenta eficaz na identificação das espécies ainda em campo. Os cantos de espécies que coocorrem são diferentes a ponto de conseguirmos discriminá-las com o nosso ouvido”.
Segundo o artigo, a espécie aparentemente não está ameaçada de extinção, então os autores sugeriram enquadrá-la na categoria “Pouco Preocupante” (Least Concern – LC) da Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas de Extinção da IUCN. “Com base na estimativa de área de ocorrência e abundâncias relativamente altas onde ocorre, não encontramos evidência para considerá-la em risco de extinção”, afirmou Carvalho. O pesquisador explicou ainda que a nova espécie é típica de florestas primárias e urbanas. “Encontramos a espécie em florestas primárias (Peru), mas também em fragmentos florestais em área urbana. O Parque Zoobotânico da UFAC em Rio Branco é a localidade tipo da espécie (local de onde os espécimes utilizados na descrição são provenientes), que é uma área que se mantém preservada dentro da cidade, dentro do campus. A população que ocorre lá nos pareceu estável, pois sempre que visitamos o fragmento, havia indivíduos vocalizando”.
Sobre a biologia da espécie, Carvalho explica que os indivíduos estão ativos no verão, quando está úmido e chovendo. “Os machos são encontrados vocalizando no folhiço da floresta. Podem ficar debaixo da serapilheira ou expostos quando estão animados. Costumam iniciar a atividade vocal no fim do dia e vocalizam pelo menos durante a primeira metade da noite”. Ele afirma que as espécies do gênero são terrestres, com poucas exceções no Cerrado e Mata Atlântica. “Isso significa que sua desova fica no solo e girinos se desenvolvem em câmaras subterrâneas (construídas pelos machos), de onde os juvenis saem quando já se metamorfosearam”.
A nova espécie foi amostrada em campo no fim da década de 1990, na Amazônia peruana, e só agora foi descrita pela ciência. “No início dos anos 2000, uma publicação com as espécies dessa região lhe atribuiu um status de espécie potencialmente nova devido ao seu canto peculiar. Nessa mesma época, pesquisadores a encontraram em Rio Branco (AC). A espécie permaneceu sem uma revisão mais detalhada. Em 2017, fizemos uma nova expedição à Amazônia, quando obtivemos mais informações para a população de Rio Branco. No ano seguinte, eu visitei a localidade peruana onde o primeiro registro tinha sido feito (Reserva Nacional de Tambopata). Com as informações reunidas, conseguimos fazer as comparações necessárias com as outras espécies amazônicas e confirmar que se tratava de uma espécie nova”, explicou Carvalho. A pesquisa foi desenvolvida em ampla colaboração entre pesquisadores de diversas instituições nacionais como a Universidade Estadual Paulista de Rio Claro (UNESP – Rio Claro), a Universidade Federal de Uberlândia (UFU – campus Pontal em Ituiutaba), a Universidade Federal do Acre (UFAC – Rio Branco) e a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG – Patos); e internacionais, como a Universidad Nacional Mayor de San Marcos (UNMSM) em Lima, Peru, e a International Union for Conservation of Nature (IUCN) em Toronto, Canadá.
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Vamos parar de chamar o fenômeno de sexta grande extinção. Comecemos a chamar do que é: o "primeiro grande extermínio". Em ensaio recente, o historiador ambiental Justin McBrien defende que descrever a atual erradicação de sistemas vivos (inclusive de sociedades humanas) como um evento de extinção faz com que essa catástrofe pareça um acidente passivo.
Embora todos tenhamos participação no primeiro grande extermínio, nossa responsabilidade não é compartilhada igualmente. Os impactos da maioria das pessoas são mínimos. Mesmo as pessoas de classe média nos países mais ricos, que causam efeitos significativos, são guiadas por um sistema de pensamento e ação moldado, em grande parte, pelas grandes corporações.
A série do Guardian sobre os poluidores mostra que 20 empresas de combustíveis fósseis, sendo algumas estatais e outras controladas por acionistas privados, produziram sozinhas 35% do dióxido de carbono e do metano liberados pelas atividades humanas desde 1965. Neste mesmo ano, o presidente da American Petroleum Institute disse a seus membros que o dióxido de carbono produzido por eles poderia causar "mudanças acentuadas no clima" até o ano 2000. Eles sabiam o que estavam fazendo.
Mesmo quando seus próprios cientistas alertaram que a extração contínua de combustíveis fósseis poderia causar consequências "catastróficas", as empresas de petróleo injetaram bilhões de dólares para frear ações governamentais. Elas financiaram thinktanks e pagaram cientistas aposentados e organizações locais fajutas para semear dúvidas e desdém sobre as ciências climáticas. Patrocinaram políticos, particularmente no Congresso dos EUA, para bloquear tentativas internacionais de redução das emissões de gases do efeito estufa. Investiram pesadamente no greenwashing, em campanhas para criar a imagem pública de empresas ambientalmente responsáveis.
Esses esforços continuam ainda hoje, com anúncios da Shell e da Exxon que dão a impressão enganosa de que as companhias estão trocando os combustíveis fósseis pela energia renovável. Na realidade, o relatório anual da Shell mostra que a empresa investiu 25 bilhões de dólares em petróleo e gás no ano passado. Mas não apresenta números sobre seus tão apregoados investimentos em tecnologias de baixo carbono. A empresa também não conseguiu me responder quando solicitei estes valores.
Um artigo publicado na Nature mostra que temos poucas chances de evitar mais de 1,5° C de aquecimento global, a menos que a infraestrutura existente de combustíveis fósseis seja aposentada. Em vez disso, o setor pretende acelerar a produção, gastando quase 5 bilhões de dólares nos próximos dez anos no desenvolvimento de novas reservas. Seu comprometimento é com o ecocídio.
Mas a maior e mais bem espalhada mentira que se conta é a seguinte: que o primeiro grande extermínio é uma questão de escolha do consumidor. Em resposta às perguntas do Guardian, algumas empresas de petróleo argumentam que não são responsáveis por nossa decisão de usar seus produtos. Mas estamos inseridos em um sistema criado por eles – uma infraestrutura política, econômica e física que cria uma ilusão de escolha enquanto, na realidade, impede escolhas.
Somos guiados por uma ideologia tão familiar e onipresente que nem a reconhecemos como uma ideologia. Chama-se consumismo. Foi criada com a ajuda de anunciantes e profissionais de marketing hábeis, pela cultura corporativa de celebridades e por uma mídia que nos formata como destinatários de bens e serviços, em vez de nos informar para sermos criadores da realidade política. Está engessada pelos transportes, pelo planejamento urbano e por sistemas de energia que tornam as boas escolhas quase impossíveis. Ela se espalha como uma mancha pelos sistemas políticos, sistematicamente capturados pelo lobby e pelo financiamento de campanhas, até que os líderes políticos já não nos representem e, em vez disso, trabalhem para os polutocratas que os financiam.
Nesse sistema, as escolhas individuais são dissolvidas no ruído. Tentativas de organizar boicotes são notoriamente difíceis e tendem a funcionar apenas quando há um objetivo pontual e imediato. A ideologia do consumismo é altamente eficaz em jogar a culpa para longe: basta ver as atuais diatribes da imprensa bilionária sobre uma suposta hipocrisia dos ativistas ambientais. Em todos os lugares, vejo ocidentais ricos jogando a culpa pela destruição planetária nas taxas de natalidade de pessoas muito mais pobres ou nos "chineses". Essa individualização da responsabilidade, intrínseca ao consumismo, não nos deixa enxergar os verdadeiros agentes da destruição.
O poder do consumismo é que ele nos torna impotentes. Ele nos prende a um círculo estreito de decisões, em que confundimos escolhas insignificantes entre diferentes tipos de destruição com mudanças efetivas. Devemos admitir: é um golpe brilhante.
É o sistema que precisamos mudar, e não os produtos do sistema. É como cidadãos que devemos agir, não como consumidores. Mas como? Parte da resposta é dada em um pequeno livro publicado por um dos fundadores do Extinction Rebellion, Roger Hallam, chamado Common Sense for the 21st Century (Senso Comum para o Século 21, sem tradução em português). Não concordo com tudo o que diz, mas considero que o rigor e a abrangência de sua análise farão dele um clássico da teoria política.
O livro parte da premissa de que campanhas gradualistas, que fazem pequenas demandas, não poderão impedir as catástrofes do clima e o colapso ecológico. Somente rupturas políticas em massa, a partir das quais poderão ser construídas estruturas democráticas novas e mais adaptáveis, poderão proporcionar a transformação necessária.
Ao estudar mobilizações bem-sucedidas, como a Marcha das Crianças, em Birmingham, Alabama, em 1963 (que desempenhou um papel fundamental para acabar com a segregação racial nos EUA), as Manifestações de Segunda-feira, em Leipzig, em 1989 (que, como uma bola de neve, ajudou a derrubar o regime da Alemanha Oriental) e o movimento Jana Andolan, no Nepal, em 2006 (que derrubou a monarquia absolutista e ajudou a acabar com a insurgência armada), Hallam desenvolveu uma fórmula para "ações de dilema" eficazes. Uma ação de dilema é aquela que coloca as autoridades em uma posição desconfortável. Ou a polícia permite a continuação da desobediência civil, encorajando mais pessoas a se juntar à ação, ou ela ataca os manifestantes, criando um poderoso "simbolismo de sacrifício destemido", e incentivando também mais pessoas a se juntarem. Se a ação for bem concebida e executada, as autoridades nunca ganham.
Entre os elementos comuns cruciais, Hallam descobriu, estão a capacidade de reunir milhares de pessoas no centro da capital, uma disciplina estritamente não-violenta, o foco no governo e a permanência por dias ou semanas seguidas. Uma mudança radical, como revela sua pesquisa, “é principalmente uma questão de números. Historicamente, dez mil pessoas que infringiram a lei têm mais impacto do que o ativismo de pequena escala e alto risco”. O principal desafio é organizar ações que atraiam o maior número possível de participantes. Isso significa que devem ser planejados de forma aberta, inclusivos, divertidos, pacíficos e ativamente respeitosos. Você pode participar de ações assim, como a que foi convocada pela Extinction Rebellion no centro de Londres (no dia 9 de outubro).
A pesquisa de Hallam sugere que essa abordagem oferece, pelo menos, a possibilidade de romper a infraestrutura de mentiras criadas pelas empresas de combustíveis fósseis e de desenvolver uma política compatível com a escala dos desafios que enfrentamos. O seu sucesso é difícil e incerto. Mas, como ele ressalta, as chances de que as políticas hoje adotadas apresentem uma ação capaz de reverter nossa situação altamente preocupante são igual a zero. Ações de dilema em massa podem ser nossa última – e melhor – chance de impedir o grande extermínio.
*Publicado originalmente no The Guardian | Tradução Clarisse Meireles
São 72% do povo. Chegaram à capital a pé ou em caminhão. Sua rebeldia sacudiu um país que muitos diziam conformado. Aliado ao FMI, o governo tentou impor a lógica dos brancos, em sua forma mais radical. Eles estão perto de derrubá-lo
Capilar, e acima de tudo determinado, o movimento indígena equatoriano tornou-se a coluna vertebral das mobilizações em repúdio ao plano econômico neoliberal do governo de Lenin Moreno. Os protestos começaram no dia 3 de outubro, puxados pela Associação dos Trabalhadores de Transportes, que rapidamente abriu espaço para o protagonismo da Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), dos sindicatos e dos coletivos de estudantes, mulheres, artistas, profissionais e trabalhadores.
A Conaie foi, desde meados dos anos 1980, e principalmente durante os 1990, a base do movimento antineoliberal no Equador. Durante a década passada, teve uma relação complicada com o governo de Rafael Correa. É a confederação mais importante do Equador e uma das mais poderosas da América Latina.
Reúne uma dezena de nacionalidades indígenas das principais regiões do país (dos Andes, do litoral e da Amazônia). Foi criada em 1986 para “firmar a luta dos povos indígenas pela terra e pelos recursos naturais, por igualdade e justiça social, contra o colonialismo e o neocolonialismo representados nas empresas transnacionais no território indígena, para construir uma sociedade intercultural que promova a participação de todos no exercício da democracia representativa, com o objetivo de descentralizar o poder e os recursos econômicos…”
Em cumprimento à responsabilidade deste mandato, em 26 de setembro a Conaie declarou a “Jornada Progressiva de Luta” contra o plano econômico neoliberal imposto pelo FMI, numa aliança com diversos coletivos populares. Isso ocorreu alguns dias antes de o governo nacional anunciar oficialmente o novo pacote econômico.
A agenda de luta propõe “acabar com a passividade” e superar a fragmentação de reações país adentro. Também declara o fim do diálogo com o governo, porque para o poder executivo e seus funcionários o diálogo foi somente uma máscara para ocultar a montagem de um plano econômico extrativista, de flexibilização das leis trabalhistas e de “ajustes” contra a população, em benefício dos setores empresariais neoliberais associados ao Partido Social Cristão e outras elites.
A subserviência do governo à elite econômica, assinala a Conaie, ficou evidente com o perdão das dívidas tributárias às grandes empresas, num montante de 2,35 bilhões de dólares – e a isso deve-se somar a devolução do imposto de renda. Foram devolvidos 30 milhões de dólares para um único grupo comercial – o El Jury –, enquanto vendedores ambulantes que ganham um punhado de moedas devem pagar cada centavo do imposto.
As nacionalidades indígenas denunciam a precarização e flexibilização do trabalho: as demissões, a exploração juvenil por meio de estágios1, o enfraquecimento dos sindicatos, a completa falta de garantia dos direitos trabalhistas na agroindústria – onde há inclusive uma atitude permissiva para o trabalho escravo.
Repudiam a intensificação do modelo econômico extrativista, prejudicial à vida nos territórios e comunidades indígenas, como ocorre com o bloco petroleiro 28, na província de Pastaza: as comunidades indígenas da região se opõem a ele.
Aponta-se a guinada conservadora incentivada pelo Estado para um “senso comum reacionário”. De suas expressões, uma das mais desprezíveis é a demonização da luta pelos direitos das mulheres. O “neofascismo” criminaliza direitos fundamentais como o aborto em caso de estupro, a denúncia do feminicídio e, de modo geral, a luta contra o patriarcado capitalista, descreve a Conaie. A isso, somam-se a xenofobia – especialmente contra imigrantes pobres venezuelanos –, o fanatismo religioso, a violência institucional, a repressão e as campanhas que procuram desprestigiar as ideias de esquerda e o comunismo.
Confronto à agenda neoliberal A Conaie exige revogar o acordo com o FMI, reverter as privatizações e acabar com o extrativismo de petróleo nos territórios em conflito. Também, apresenta um plano plurinacional em defesa da soberania das nacionalidades indígenas, pela justiça, pela educação em geral e pela educação bilíngüe de modo particular, pela economia camponesa, pelos direitos trabalhistas e sindicais, em defesa da saúde pública, dos direitos das mulheres e dos meios de comunicação comunitários.
O motor da agenda de luta indígena é a ação. O slogan anuncia com clareza: “Como lutam os povos do Equador? Dizendo-fazendo, dizendo-fazendo, dizendo-fazendo, carajo!”.
Relativamente perto do palácio presidencial de Carondelet, as famílias e comunidades indígenas, que começaram a chegar em Quito desde segunda-feira, recuperavam o fôlego no parque El Arbolito, durante a tarde da quarta-feira 9/10. Com os pés cansados e cheios de bolhas, Juan tira seus sapatos em busca de alívio. Mas não reclama. Muito pelo contrário, sorri e brinca: “sua máquina vai quebrar se tirar uma foto minha”.
Um pouco mais longe, uma família de agricultores de Zumbahua, província de Cotopaxi, com seus três filhos, afirma que continuará ali até que seja revogado o pacote econômico. Saíram de sua comunidade a pé na terça-feira. Um pouco adiante, arranjaram um carro que os transportou pelo resto do caminho. Já o mestre de obras Ignacio Pilamanga, de 42 anos, pai de dois filhos, conta que saiu com seus companheiros de viagem na segunda-feira, desde Pilaguín, província de Tungurahua e que, por causa dos bloqueios policiais, só chegaram em Quito na quarta-feira por volta do meio-dia.
Eles se opõem ao aumento da gasolina e a todas as medidas. Dizem que as coisas “estão muito ruins, já não dá para continuar assim. Por isso, greve indefinida até que o governo comece a reverter tudo”. Os ponchos curtos e vermelhos dos homens de Tungurahua fazem contraste com o céu cinza da tarde de Quito. E acendem uma chama de esperança para os povos indígenas.
Consequências do menosprezo e do racismo Odesprezo constante aos povos e ao movimento indígena, exercido pelos centros de poder, pelo Estado, pela imprensa e por parte dos cidadãos, teve algumas consequências imediatas:
1. O governo e seus sócios do Partido Social Cristão acreditaram na própria propaganda e subestimaram o poder de organização e nível de consciência dos povos indígenas na tentativa de aprofundar o plano neoliberal.
2. Diante da mobilização maciça das comunidades indígenas, o governo respondeu com um nível de repressão brutal. À declaração do estado de exceção, somou-se o toque de recolher noturno, medidas que permitem o deslocamento das forças militares junto com a polícia para reprimir manifestações e dispersar qualquer reunião de oposição nas vias públicas. De acordo com as normas do estado de exceção, não existe a obrigação de informar sobre as vítimas da repressão (feridos e mortos), o que gera ainda mais ansiedade na população.
Pelos cálculos, acredita-se que existem por volta de cem pessoas presas, centenas de feridos e seis mortos até agora. No dia 9 de outubro, foi confirmada a morte de um estudante que, tentando fugir da polícia, caiu da Ponte San Roque, em Quito. Em 10 de outubro, a Defensoria do Povo confirmou a morte de mais seis pessoas (três líderes comunitários indígenas e um recém nascido junto deles). A polícia vem lançando gás lacrimogêneo em locais que são refúgios para crianças, mulheres e idosos, no chamado “Corredor Humanitário”, instalado nos edifícios da Universidade Católica (PUCE) e da Universidade Salesiana, em Quito.
A Cruz Vermelha Internacional anunciou ontem que suspenderá as atividades em todo o território equatoriano por falta de garantias. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos e outros organismos internacionais denunciaram a violência descabida que as forças repressoras tem exercido.
3. O governo nacional debilitou-se e não tem saída política. Por um lado, ele reafirma que não vai revogar o pacote econômico. Por outro, pede negociar com a Conaie, oferecendo um mini pacote de fomento aos pequenos agricultores. A Conaie respondeu que não comparecerá à mesa de negociações enquanto não for anulado o Decreto 883 (pacote de medidas econômicas), não forem liberados todos os presos detidos durante as jornadas de luta e não for suspensa a repressão.
Na quarta-feira 9 de outubro, o presidente e seu gabinete se viram na obrigação de retornar a Quito – depois da fuga para Guayaquil, onde procuraram a proteção do dirigente do Partido Social Cristão, Jaime Nebot, que é também representante da oligarquia costeira equatoriana. Porém, Nebot, o manhoso político, fez sua própria manifestação em Guayaquil, com sua base, onde seu deu ao luxo de criticar o pacote de medidas econômicas. Nesse momento, Lenín Moreno pegou o avião de volta para Quito, em mais uma representação tragicômica de seus desatinos.
Assemmbleia popular: Justiça indígena
A Conaie declarou há vários dias o estado de exceção em suas comunidades — ao contrário do estado de exceção do governo, nos territórios e comunidades indígenas é proibida a repressão policial e quem violar as normas será detido e submetido à justiça indígena. Em 10 de outubro, na Ágora da Casa de Cultura de Quito, foi realizada uma assembleia popular como prelúdio do funeral dos três indígenas assassinados na véspera pelas forças repressoras.
Enquanto a multidão esperava pela chegada dos corpos, o líder indígena Leônidas Iza, apresentou os policiais “detidos” em virtude do estado de exceção declarado pela Conaie. Um a um, os policiais declararam que haviam sido tratados com respeito. Inclusive, um militar fez um apaixonado discurso em apoio à greve indefinida.
Também foram capturados alguns jornalistas da imprensa para dar respostas pela desinformação e mentiras difundidas pelos meios de comunicação oficiais. Um de cada vez, sobem os jornalistas do rádio, da TV, dos jornais. Diferentemente dos policiais, que subiram ao palanque de cabeça baixa e com tom humilde, alguns dos membros da imprensa adotam uma atitude soberba e pretendem calar os participantes da assembleia quando são vaiados. Outros tentam justificar o seu trabalho. A assembleia continua.
1No Equador, estagiários recebem apenas um terço do salário mínimo como remuneração [Nota da Tradutora].
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