quinta-feira, 23 de julho de 2020

A radicalização da ignorância


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by visual science
July 2020

 A radicalização da ignorância

Prof. Dr. Filipi Amorim

FURG 

            O texto de hoje, escrevi com a triste e trágica notícia que dá conta da morte de mais de 82 mil pessoas vítimas da COVID-19, no Brasil. Em nosso país, somamos mais de 2 milhões de infectados. Aliás, não esqueçamos a subnotificação que, corrigida, elevaria significativamente para mais esses números. Em resumo, estamos perdidos: não temos testes; não temos índice de isolamento seguro; não temos auxílio emergencial facilitado a quem realmente necessita; não temos leitos suficientes nos hospitais. O que temos para o momento é a radicalização da ignorância: pessoas que se recusam a usar máscara; aglomerações desnecessárias; falsas promessas de uma cura milagrosa; populismo politiqueiro e irresponsável.

            Com um paraquedista como ministro interino no Ministério da Saúde, o Brasil caminha em direção à liderança mundial no número de vítimas e infectados pela COVID-19. Substituímos a empatia e a sensibilidade, a comoção e a solidariedade, pela frieza dos números e a ignorância em sua forma mais perversa. No Brasil de Bolsonaro, fomos tragados pela desgraça: a pandemia desnudou o fracasso do neoliberalismo. A natureza fria e sem vida dos números fez-se parâmetro e métrica da condição humana determinada pela iminência da morte.

            Resta saber até quando aceitaremos saídas milagrosas, remédios sem eficácia comprovada que prometem a cura, narrativas e ações que ignoram a realidade dos fatos. Influenciados pelas pessoas que tomam as decisões políticas capazes de mudar os rumos das nossas vidas, caímos no abismo da ignorância. Na conjuntura atual, instala-se a naturalização da morte de mais de 82 mil pessoas (e quantas mais estão por vir até que tudo isso acabe?) ao mesmo tempo em que a hidroxicloroquina e a ivermectina (ambas comprovadamente sem eficácia) mantêm-se como as salvadoras dos brasileiros infectados. Como nos rendemos às narrativas que negam o conhecimento científico e propagam mentiras que colocam nossas vidas em risco?

            É necessário entendermos que, a depender unicamente do senso de voluntarismo da população, a pandemia fará outras tantas milhares de vítimas: é urgente assegurar políticas públicas, embasadas tanto técnica quanto cientificamente, que priorizem a promoção da saúde e a vida da população. O que acontece hoje é o exato oposto. Aqueles que têm poderes de decisão política e influência propagam desinformação e fazem pouco caso da pandemia – assustadoramente, isso inclui jornalistas, médicos, prefeitos, governadores e o presidente da república. Em que momento foi decidido por bem que a opinião isolada do indivíduo que crê em algo poderia converter-se em decisão política? Quando foi que passamos a admitir a anomalia como novo normal? A história individual aproxima-se de um destino coletivo: a radicalização da ignorância banalizou a tragédia.


Texto original:
https://pt.calameo.com/read/006230966e2cf01f2ee5f



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