quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Não existe ano novo: O Ecogenocídio como projeto da necropolítica

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Não existe ano novo: O Ecogenocídio como projeto da necropolítica


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Começar 2021 de olhos abertos é uma questão de vida. Estar atento aos sinais, aos subtextos, intertextos, ao não dito e ao dito em entrelinhas é mais importante que nunca. A frase do ano que começa é: “Não posso fazer nada”. Em menos de uma semana o capitão em sua costumeira verborragia lança seus perdigotos em sua reincidente violência, agressividade e virulência e reafirma seu projeto, e é preciso levá-lo a sério. Não é uma frase que fala sobre inércia, inépcia, incompetência ou boçalidade apenas. Trata-se da externalização explícita de um projeto político de morte programada, de genocídio em massa, trata-se de cumprir a agenda e de cumprir promessas de campanha, portanto coerente com seu viés autoritário, arrogante, prepotente e profundamente violento. Na verdade, trata-se de uma expressão esperada do projeto de necropolitica, conforme nos trouxe o conceito, o filósofo camaronês Achille Mbembe que definiu a ideia como a expressão máxima de controle do Estado autoritário que passa a definir Ada vez mais sofisticadamente, quem pode viver e quem deve morrer nas suas palavras: “… matar ou deixar viver constituem os limites da soberania, seus atributos fundamentais. Exercitar a soberania é exercer controle sobre a mortalidade e definir a vida como a implantação e manifestação de poder” (Mbembe, 2017, p. 123) .

Nada disso é novo no reincidente e angustioso repertório do falastrão autoproclamado “chefe supremo”. Em abril, quando o país tinha 5017 mortos já havia dito “E daí?” e um mês antes, com 4256 mortos já havia sentenciado: “ Todos nós iremos morrer um dia”. Trata-se da insistência de uma violência pensada, disciplinada, que se retro-alimenta de ódio e que agora com quase 200 mil mortos, sem contar as subnotificações, ainda não se satisfez em seu projeto genocida e nefasto em curso. Para o necropolítico é preciso ir além, não basta negar a ciência, a vacina, é preciso impedí-la, dificultar sua compra, seu registro e se possível inviabilizar as seringas. O Necropolitico, assim como qualquer necrófilo, se alimenta de nossas angústias, de nossa indignação, de nossos medos, se alimenta de cartas de repúdio e cresce com nosso desespero. É nesse ponto que precisamos abrir os olhos e impedir esse projeto agora mesmo, antes que seja tarde demais.

Mas não há como frear esse projeto sem outro. É urgente um projeto de vida, um projeto que aponte para a possibilidade de respirar, de ter acesso ao ar, a água, a terra, a alimentação livre de venenos, a moradia, de viver sem medo, de que todes os corpos possam viver, mais que sobreviver, um projeto de existência plena e digna que possibilite o entrar em contato com o que mais nos potencializa e nesse sentido, aponto para a nossa riquíssima diversidade social que se soma à nossa exuberante diversidade biológica e ambiental. Aí reside, nesse encontro com esse Brasil potente, uma esperança reluzente. Ele está nas biomemórias do povo, nos erveiros dos mercados populares, nas tias de favelas, nas benzedeiras do Vale do Jequitinhonha, nas rezas fortes da medicina popular. É esse Brasil profundo que precisa despertar como projeto de vida, como projeto de Brasil com S que derrote o Brazil com Z, como diria o poeta Aldir Blanc, quem aliás, é um entre os milhares de artistas que captaram a alma desse Brasil encantado que se presentifica em terreiros, aldeias, quilombos e comunidades. A alternativa e o projeto de país e de vida que pode nos salvar pulsa nos 305 povos indígenas, nas 3447 comunidades quilombolas e incontáveis populações tradicionais como caiçaras, jangadeiros, babaçueiros, marisqueiros, pescadores, ribeirinhos, AndirobeirasCaatingueirosCatadores de MangabaCipozeirosFaxinalenses, gentes de Fundo e Fecho de PastoGeraizeirosIsqueirosPantaneirosPiaçaveirosRetireirosSeringueirosVazanteirosVeredeiros, entre outros só para citar alguns dos povos que colorem esse país e cuja política de mão única quer apagar e negar existências. É nessa diversidade social e ambiental que reside a imensa riqueza da sabedoria da convivência com a Terra, com a natureza, povos cujas ecologias sociais constituem ecossistemologias existenciais únicas, verdadeiras, cada uma dessas comunidades, aldeamentos e aquilombamentos é uma biblioteca de aprender a ser, de saber – viver e com-viver consigo mesmo e com a natureza e seus ritmos e tempos, conhecimento esse que sem dúvidas, é um dos mais preciosos bens para o século XXI, aprender a conviver consigo e com a natureza de forma harmônica, tudo isso em nosso território com seus pluriversos de formas de ser, saber, sentir e saborear o mundo. Toda essa biosociodiversidade ameaçada e invisibilizada por uma necropolitica que enxerga essas existências como “inimigos”. Por isso o projeto em curso é

também ecogenocida, pois trata-se também da eliminação dessas existências. Como nos diz Juliana Martins: “O direito de matar está estreitamente relacionado às “relações de inimizade” elegendo de forma ficcional grupos inimigos. Percebemos que esse mecanismo foi o primeiro a operar no governo bolsonarista que elegeu os povos indígenas para essa categoria, colocando-os como aqueles que impossibilitam o “progresso”. Os que devem viver e os que devem morrer são selecionados segundo grupos biológicos, apresentando o racismo como sua máxima expressão” (Martins, 2019, p.369).

Essa é a urgência de saber ler o que se diz e o que não se diz. É fundamental que ele saiba que nós sabemos que o que ele quer e impedir com vida seu projeto de aniquilação. É preciso construir e projetar o futuro, abençonhá-lo como diria Mia Couto, criar a partir daqui, sabendo que o passado possui respostas para a construção de um presente onde a vida seja respeitada em todas as suas cores, formas e possibilidades. Convocar as forças das ancestralidades para que o Brasil com S se conheça e se ame, e não se arme, pois é assim que se irá derrotar de vez o Brazil com Z, e para essa empreitada é essencial que o Brasil se reconecte, se reconheça como aldeia, quilombo, favela, comunidade caiçara, se vista de povo. É aí nesse espelho que ouço a canção de Chico Cesar:

“E aqui dentro de mim você demora; Já tornou-se parte mesmo do meu ser. E agora, em qualquer parte, a qualquer hora. Quando eu fecho os olhos, vejo só você.”

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