terça-feira, 28 de abril de 2020

Lupa na Ciência: Estudos refutam teoria de que novo coronavírus tenha sido criado em laboratório

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Lupa na Ciência: Estudos refutam teoria de que novo coronavírus tenha sido criado em laboratório


Foto: Leopoldo Silva, Agência Senado
Foto: Leopoldo Silva, Agência Senado

Lupa na Ciência: Estudos refutam teoria de que novo coronavírus tenha sido criado em laboratório

Repórter (especial para a Lupa) | Rio de Janeiro | lupa@lupa.news
27.ABR.2020 | 12H00 |
O que você precisa saber:
  • Estudos descartam que o novo vírus, que surgiu no fim de 2019, tenha sido criado em laboratório
  • Análise do DNA do SARS-Cov-2 mostra mais semelhança com o coronavírus que afeta apenas morcegos do que com os que afetam humanos
  • Ainda não há certeza sobre como o vírus passou de morcegos a seres humanos, mas pangolins podem ter sido hospedeiros intermediários, indica um estudo
  • Apesar das pesquisas, o governo americano diz estar investigando a hipótese de o novo coronavírus ter escapado por acidente de um laboratório em Wuhan
Uma teoria que começou a se espalhar no início da pandemia do novo coronavírus e voltou a ganhar os noticiários de todo o mundo nos últimos dias é a de que o patógeno teria sido criado artificialmente pelos chineses no Instituto de Virologia de Wuhan, localizado entre as colinas que rodeiam o primeiro epicentro da Covid-19. Alguns entusiastas da especulação dizem que o vírus teria sido fabricado como parte de um plano maquiavélico para derrubar os mercados, enquanto outros alegam que foi um vazamento acidental do laboratório. Há, ainda, uma teoria reversa: na China, circulam publicações afirmando que o vírus teria sido criado pelos norte-americanos. Contudo, por mais que o rumor tenha ganhado novos contornos recentemente, os mais importantes estudos científicos sobre o novo coronavírus já indicavam, desde março, que ele teve origem animal, não sofreu manipulação genética e sua transmissão ocorreu de forma natural.
O assunto, que no início parecia uma bem elaborada teoria da conspiração, ganhou ares de ciência quando, na última semana, o virologista francês Luc Montagnier, um dos vencedores do Nobel de Medicina de 2008 pela descoberta do vírus HIV nos anos 1980, afirmou em uma entrevista que analisou a sequência genética do SARS-Cov-2 e concluiu que ele possui mutações que só podem ser feitas artificialmente. Sua tese, entretanto, foi duramente criticada pela comunidade científica.

Estudos descartam manipulação genética

Os principais estudos publicados sobre o assunto rejeitam essa teoria. Um deles, disponível desde meados de março na revista científica Nature Medicine, se propôs a comparar o genoma desse novo coronavírus com os sete outros da família Coronaviridae conhecidos por infectar seres humanos. Os estudos indicaram duas características do SARS-Cov-2 que afastam a ideia de que ela tenha sido produzido em laboratório.
A primeira delas é a estrutura central do vírus, distinta de outros coronavírus que afetam humanos, porém muito semelhante a um tipo que infecta morcegos. De acordo com os pesquisadores, se alguém estivesse tentando manipular o novo patógeno, o teria construído a partir da espinha dorsal – ou seja, à imagem e semelhança – de um daqueles que já é conhecido por causar a doença em humanos. Como este possui 96% de similaridade com o do morcego e de 85,5% a 92,4% com o de pangolins (animais vendidos ilegalmente na China por sua carne), é de se supor que tenham sido transmitidos destes animais ao homem. A tese foi reforçada por uma pesquisa publicada no final de março na mesma revista, sugerindo que os pangolins devem ser considerados hospedeiros intermediários do vírus pela similaridade genética entre os patógenos encontrados neles e nos humanos.  
A segunda característica é um pouco mais complexa, mas igualmente importante. O SARS-Cov-2, assim como os outros coronavírus, tem uma estrutura muito primitiva, formada apenas por um genoma de RNA, envolto em uma camada que contém proteínas S na sua superfície (o nome vem do inglês, spike protein). Estas proteínas, que pelo seu formato de coroa deram nome à família, são responsáveis por se ligarem à proteína ACE2 do corpo humano e, assim, invadir as células do hospedeiro. 
Os pesquisadores resolveram ir a fundo na estrutura da proteína S do SARS-Cov-2 e viram que ela tem algumas diferenças daquelas presentes nos outros coronavírus. Essas mutações a tornaram tão eficazes em se ligar à ACE2 e invadir células do corpo humano que isso só poderia ter sido resultado de uma seleção natural, e não de uma engenharia genética. Para comprovar, os cientistas, usando softwares avançados, simularam em computador possíveis mutações na proteína S presente em outros coronavírus para ver se chegariam às mesmas alterações que as presentes no atual vírus, mas nenhuma das apontadas pelo programa foi tão eficiente quanto a encontrada SARS-Cov-2. “Isso torna mais improvável ainda que o novo coronavírus tenha sido criado em laboratório”, destacaram os pesquisadores. 

Novas teorias mobilizam autoridades

O rumor poderia ter parado por aí. Entretanto, na última semana, uma reportagem do jornal The Washington Post mostrou a existência de dois telegramas diplomáticos de março de 2018, oriundos da embaixada dos Estados Unidos em Pequim, apontando que havia falhas de segurança e más condições de trabalho (porém sem apresentar evidências) no Instituto de Virologia de Wuhan, que tem o grau máximo de biossegurança. Nos Estados Unidos, a especulação de que teria ocorrido uma transmissão acidental do vírus para cientistas que pesquisavam o coronavírus voltou a ganhar força, levando o presidente Donald Trump a acusar, uma vez mais, a China pela nova pandemia e abrir uma investigação sobre o assunto. Analisando dados históricos, é possível inferir que as especulações do presidente americano não são totalmente absurdas, já que em 2004 a revista Science publicou um artigo que alertava para casos de cientistas que possivelmente foram infectados de forma acidental com o vírus da síndrome respiratória aguda grave (SARS) em laboratórios.
Mas no caso do novo coronavírus, as evidências de que a transmissão ocorreu de forma natural são tão fortes que a Organização Mundial da Saúde (OMS) atestou, na última semana, que o patógeno é de origem animal e não vem de nenhum laboratório. “Todas as evidências que temos sugerem que o vírus teve origem animal e não sofreu manipulação genética”, esclareceu a porta-voz da organização, Fadela Chaib.
Fonte:
Revista Nature. Artigos disponíveis em:

Nota: o projeto Lupa na Ciência é uma iniciativa da Agência Lupa contra a desinformação em torno do novo coronavírus e da Covid-19 e conta com o apoio do Google News Initiative. Para saber mais, clique aqui.
Editado por: Chico Marés e Natália Leal

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