sexta-feira, 3 de abril de 2020

O Futuro não é a Tecnologia. E a Ciência com isso?

O Futuro não é a Tecnologia.
E a Ciência com isso?

Mauro Guimarães
Prof. Dr. UFRRJ



Somos a geração tecnológica, o progresso nos condiciona, crescer mais, crescer sempre, é a meta de tudo e de todos. Para nós, desenvolvimento é o resultado da evolução tecnológica, é a modernidade que nos fascina. Com isso, se tem a profunda convicção que a tecnologia é o sentido da vida e o desenvolvimento tecnológico, motor da economia, é o nosso futuro certo e próspero e que temos como sinônimo de qualidade de vida. Se há um problema, a tecnologia resolve. Uma crença que nos faz passivamente esperar o futuro tecnológico para nos salvar.

Mas a Biologia deu o ar da sua graça e um microrganismo parou no presente a tudo e a todos. Colocou a prova o futuro próspero da crença tecnológica. Diante da ameaça do Coronavírus, hoje para nos protegermos, a geração tecnológica conta com máscaras de pano, lavar as mãos com água e sabão e pararmos de circular! Cai por terra o mito da modernidade tecnológica que a tudo controla, domina e nos protege.

A tecnologia, de muitas contribuições sim, mas submissa às necessidades da economia, afastou-se da preservação da vida como prioridade das necessidades humanas. Economia tecnológica que domina e explora os recursos naturais a exaustão. Porém a Biologia, Ciência da vida, demonstra a nossa dependência de relações que nos integra do micro a algo bem maior. Temos a expansão de um microrganismo letal a vida humana, que a tecnologia não domina, não controla, mas que a tudo parou: economia, frenesi cotidiano, modernidade prometida.

A pandemia que vivemos em isolamento nos dá a rara oportunidade de parar e percebermos a vida que levamos. A modernidade em expansão global, o pretenso desenvolvimento das forças produtivas em direção ao mítico crescimento econômico infinito, que segue a lógica da economia que não pode parar. Nessa insensata corrida, a interdependente saúde humana e planetária não é o foco do desenvolvimento. Criamos e vivemos uma sociedade em que o progresso humano é secundário em relação ao econômico e a tecnologia colocada como refém. Parados e isolados, sem a caudalosa correnteza que nos empurra e afoga nesse modo de vida alucinante, sufocados e inconscientes para um progresso humanamente não desejado, mas economicamente criado, temos hoje a oportunidade única em nossas histórias de vivenciar e participar na construção de novos rumos para a humanidade.

Mas  que sejamos humanamente criativos em busca da consonância sustentável com a vida planetária. Como estão sabiamente dizendo, não podemos voltar a normalidade, pois a normalidade é o problema.
A opção é de ruptura com o velho e a construção do novo a ser conquistado agora. Novas práticas comprometidas com a sustentabilidade socioambiental e com o futuro do desenvolvimento humano das novas gerações, nossos filhos e netos, é a grande meta. Negacionismo da Ciência agora, é a barbárie.

Colocar a Ciência a favor do desenvolvimento humano é romper com a prioridade ao econômico para o desenvolvimento futuro. É estabelecer como política pública que o conhecimento esteja comprometido com às necessidades humanas e ambientais em primeiro lugar. Que tenha na Ciência e em um dos seus produtos, a Tecnologia, o apoio para levar o desenvolvimento humano para novos patamares. Essa é uma opção política de profunda ruptura com o mundo que está aí em colapso e de nos reorganizarmos como uma outra sociedade. Uma opção marcada pela grande necessidade de superarmos graves crises. A pandemia é apenas um ensaio de um desafio muito maior que nos circunda; a emergência climática.

As Ciências, Humanas, da Natureza e Exatas, desde que não submetidas ao poder do econômico, podem ser um importante instrumento para esse desenvolvimento da humanidade na superação de seus grandes desafios. No Brasil, mais de 90% da produção Científica é produzida nas Instituições de Pesquisas e Universidades Públicas. A importância de serem públicas é que, por seu caráter público, podem estar voltadas para o desenvolvimento do conhecimento desatreladas da prioridade aos interesses econômicos, principalmente quando esses são interesses meramente privados. A grave crise que vivemos na saúde, com a perspectiva de colapso do sistema hospitalar, causado por políticas neoliberais de abandono dos serviços públicos e redução da presença do Estado, é um claro exemplo da importância de termos a Ciência voltada para o público, mobilizada prioritariamente pelos interesses humanitários. Pois são essas Universidades e Institutos de Pesquisas que estão, junto ao Serviço Único de Saúde Pública (SUS), na linha de frente no combate ao Coronavírus no Brasil.

Tenho a esperança que essa pandemia, que tantos transtornos está causando no nosso modo de vida, no cotidiano frenético da modernidade, possa ser uma oportunidade profunda de despertar para a essencial mudança de rumos e construção social de novas relações humanamente colaborativas e solidárias. Transformações fundamentais para enfrentarmos um desafio muito maior que aí está.

Como Professor e pesquisador de uma Universidade Pública, acredito que, e milito para, que a Ciência se comprometa com a priorização do desenvolvimento humano. Uma Ciência forte e valorizada pela sociedade pode contribuir na conquista de um futuro, em que a realização das necessidades humanas equilibradas em relações sustentáveis com a natureza, seja prioritária na organização econômica de uma nova sociedade que teremos que reinventar agora. O futuro será o que fizermos nesse grave presente, ele não está dado nem pré-determinado, a oportunidade está colocada.

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