Aumenta repressão policial contra greve na Colômbia; quais as origens da violência
Há mais de uma semana com mobilizações populares intensas, país se vê envolto por violações de direitos humanos
A greve nacional contra as medidas neoliberais impostas pelo governo do presidente colombiano, Iván Duque, completou uma semana nessa terça-feira (4). Mobilizações ocorrem em várias cidades e rodovias da Colômbia, enquanto as forças de segurança aumentam a violência repressiva contra os manifestantes. Um novo grande protesto foi convocado para esta quarta-feira (5) pelo Comitê Nacional de Greve na Colômbia.
Organizações de direitos humanos do país registram 1.181 casos de violência policial entre os dias 18 de abril, início dos protestos, e essa segunda-feira (3), além de 26 mortes, 142 vítimas de violência física e 761 detenções arbitrárias por parte das forças de segurança estatais.
Mas as cifras podem ser ainda maiores, com a Defensoria colombiana informando que até essa terça (4) recebeu 87 relatos de pessoas desaparecidas durante as manifestações. De acordo com o órgão estatal, 36 desaparecimentos são reportados da cidade de Cali (departamento de Valle del Cauca), enquanto na capital, Bogotá, 18 denúncias foram registradas, incluindo dois menores.
Ao longo dos dias de greve, Cali vem registrando a maioria dos casos de violência policial. Segundo a Human Rights International, um massacre perpetrado pela polícia ocorreu na noite de segunda (3) no bairro popular de Siloé, em Cali. A ONG investiga as mortes de 6 pessoas, entre elas um menino de 11 anos, além de 18 feridos, incluindo uma criança de 7 anos. Contudo, a violência policial também se dirige aos defensores de direitos humanos, que relatam ameaças físicas e verbais por parte de agentes do Estado.
A greve iniciada no último 28 de abril, ainda que sob forte ataque, já conquista vitórias. O ministro da Fazenda colombiano, Alberto Carrasquilla, renunciou na segunda-feira (3), depois que Duque desistiu de seu projeto de reforma tributária e pediu ao Congresso que retirasse a proposta.
A derrubada da reforma tributária – que pretendia aumentar em 19% impostos sobre serviços públicos, como gás e energia – é uma das pautas da jornada de protestos. A lista de reivindicações ainda inclui a retirada do “pacotaço” – que prevê mudanças e reformas nas leis do trabalho, na área da saúde e da previdência social –, o fim da violência policial contra líderes sociais e defensores de direitos humanos, além de uma série de exigências em diversas áreas sociais.
Conflitos recentes
Desde 2019, a Colômbia é cenário de manifestações contra abusos policiais. A cidadania exige o fim do Esquadrão Móvil Antidistúrbios (Esmad), criado em 1999, durante a gestão do ex-presidente Andrés Pastrana. De acordo com a ONG Liga contra o Silêncio, em 20 anos de existência do Esmad, 43 pessoas foram assassinadas de forma sumária.
Enquanto na cidade a Polícia Nacional atua na repressão, no campo a tarefa fica à cargo do Exército Nacional e de grupos paramilitares.
Para Clemencia Carabalí Rodallega, vencedora do Prêmio Nacional de Defesa de Direitos Humanos na Colômbia de 2019, os eventos violentos seguem acontecendo pela impunidade dos agentes de segurança do Estado e grupos irregulares que atuam nos territórios.
"Justamente esta violência se agudiza no país porque o sistema de Justiça não funciona. Realmente não existem investigações sérias que levem à captura tanto dos autores materiais como intelectuais, que seguem promovendo a violência apesar dos Acordos de Paz de 2016", assegura.
Organizações sociais denunciam que a impunidade se expressa em novas ameaças. Jovens e estudantes receberam mensagens do grupo paramilitar Águilas Negras [Águias Negras] prometendo a "morte da esquerda".
Os paramilitares também são acusados pelos movimentos populares como responsáveis por crimes que vitimaram 267 líderes sociais e ex-combatentes em 2020, segundo levantamento do Indepaz. Outro informe sinaliza que entre novembro de 2016 e o 14 de julho, 2020, 973 líderes sociais, defensores de direitos humanos e ex-combatentes foram assassinados.
Já o governo de Iván Duque sinaliza o narcotráfico como principal gerador de violência no país.
O senador Carlos Lozada, do partido Farc, afirma que tanto paramilitares, como narcotraficantes estão relacionados aos crimes cometidos contra jovens nas zonas rurais e urbanas colombianas, no entanto, o Estado utiliza a narrativa como argumento negacionista.
"Sem dúvidas há uma intenção de ocultar sua responsabilidade, determinada pela Constituição, de que o Estado deve garantir a vida de todos colombianos. Nessa afirmação, o que existe é uma tentativa de reduzir a complexidade desse fenômeno", opina o parlamentar.
Duque chegou ao poder através de uma forte campanha contra as guerrilhas colombianas e os Acordos de Havana. Durante seu governo, estima-se que foram mortos 52% dos 349 ex-combatentes assassinados nos últimos quatro anos.
"Eles tentam utilizar o argumento do narcotráfico como justificativa para esse banho de sangue, quando realmente eles estão vinculados ao narcotráfico. É o que evidencia o financiamento da campanha de Iván Duque, que recebeu dinheiro a máfia, e esse é o Centro Democrático, isso é o que se conheceu também com Alvaro Uribe e outros personagens que se vinculam a esse partido", aponta o senador Lozada.
O processo de paz entre o governo nacional e o Exército da Liberação Nacional (ELN), que entrou na fase pública em março de 2016, também sofreu muito com a entrada do governo de Duque. O presidente nunca delegou pessoas para assistir os diálogos na Havana e finalmente suspendeu o processo depois de um atentado em Bogotá, em janeiro do 2019.
Violência de Estado
A Colômbia vive um conflito armado há mais de 60 anos, que tem como centro a disputa pela terra, como base para viver, produzir alimentos e gerar riquezas.
Por um lado, as guerrilhas lutam pelo direito à terra aos camponeses e à classe trabalhadora; por outro o narcotráfico precisa do terreno fértil para manter a produção de ilícitos – a Colômbia é o maior produtor de cocaína do mundo, segundo a ONU; enquanto os grupos armados irregulares fazem sua riqueza com todo tipo de atividade ilegal, incluindo o contrabando de cultivos.
Os Acordos de Paz firmados pelo governo nacional sob o comando de Juan Manuel Santos e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo (Farc-EP) no ano 2016, abordavam uma série de temas, entre eles o uso da terra e a necessidade de uma Reforma Agrária que pudesse equiparar a distribuição do território entre os distintos setores sociais.
A Unidade de Planificação Rural Agropecuária da Colômbia, organismo vinculado às Nações Unidas, sinaliza que 82% das terras produtivas do país estão nas mãos de 10% da população.
O partido governante, Centro Democrático é composto por representantes da oligarquia agrícola e extrativista colombiana. Criado pelo ex-presidente Álvaro Uribe Vélez, o partido também sempre deixou claro sua proximidade com setores do paramilitarismo e seu rechaço absoluto às mesas de diálogo.
E esse grupo se mantém no comando da Casa Nariño durante boa parte das duas últimas décadas, com exceção dos dois mandatos de Juan Manuel Santos (2010 - 2018) que tinha uma perspectiva aberta aos processos de paz com objetivo de pacificar os territórios para que Colômbia pudesse ser um lugar seguro pela investimento estrangeiro.
Em 2018, a vitória de Duque contra Gustavo Petro concretou a volta do uribismo à Casa Nariño. Justamente por representar agentes econômicos que se beneficiam com a concentração de terras, o partido FARC explica que a violência se tornou uma ferramenta de poder.
"O terrorismo de Estado é um meio adotado na Colômbia, para que possam impor através do terror os interesses das companhias transnacionais de atividades extrativistas intensivas das nossas riquezas.Também é uma forma e manter esse modelo político", afirma Carlos Lozada.
"Com um Estado centralizado decidiu garantir a manutenção das máfias nas regiões que não somente têm o controle territorial, como também lucram com atividades ilegais e para isso requerem a existência de grupos paramilitares. O objetivo é claro: impedir que as forças que estão lutando pela paz consigam consolidar-se, porque eles necessitam da guerra, do terror e do medo para dar continuidade ao seu regime político", completa o senador.
Depois dos dias de repressão violenta em Bogotá e outras cidades do país na semana passada, as principais forças políticas, sociais da esquerda na Colômbia emitiram uma declaração “Pelo direito à vida e contra a impunidade: resistência popular e mobilização social.”
Eles declaram que os massacres e assassinatos nos últimos meses acontecem “num processo de alta militarização dos territórios e da vida que se acentua com a pandemia e se constituiu através de um governo autoritário, fascista, genocida, repressivo e criminoso".
Afirmam que estão “ante um genocídio contra o movimento social como expressão do terrorismo de Estado, o qual se expressa com o aumento dos assassinatos, o deslocamento forçado, as judicializações, o paramilitarismo, a militarização, o narcotráfico, e outras formas que aumentam a guerra e perseguição, sob o olhar cúmplice do governo e autoridades".
Relação com os EUA
Esse mecanismo de usar a violência como ferramenta coercitiva há anos recebe apoio direto dos Estados Unidos. Em setembro do ano passado, a Força Aérea Colombiana (FAC) iniciou exercícios militares conjuntos com os estadunidenses. A operação "Poseidon" teve duração de quatro dias e supostamente buscou afinar a defesa dos dois países contra o narcotráfico.
Em 2009, Uribe assinou um acordo com o então chefe da Casa Branca, Barack Obama para instalar sete bases militares no território colombiano.
“Com a cooperação estadunidense sempre tivemos as duas caras. Uma parte que se apoia em temas como a militarização, que no caso das nossas comunidades, nós mulheres estamos em risco. Por outro lado, está todo o sistema de ajuda humanitária, assim como o fortalecimento de dinâmicas organizativas que eles utilizam com essas duas caracas, como com o programa Colombia Crece”, assegura a defensora de direitos humanos Carabali.
Tanto para Lozada como para Carabali, a solução para a insegurança generalizada está na pressão popular, que deve exigir o respeito aos Acordos de Paz, assim como o direito à vida e à livre organização.
“Enquanto não se faça justiça, não só o perdão com aqueles de colarinho branco, mas que se faça justiça com todos, incluindo os de colarinho branco, não vamos passar essa página, em que o capitalismo e os mais poderosos deste país seguem exercendo esse controle sobre a população, sobre os recursos, impondo seus interesses a qualquer custo”, declarou Clemencia Carabali.
Além de justiça, o partido FARC também exige uma mudança substancial no país para poder iniciar tempos de paz.
“A paz chegará quando superemos as condições estruturais que deram início ao conflito. Por isso a reforma rural integral, que acabe com o latifúndio; reforma política, que desmonte os caciques políticos nas regiões; a substituição voluntária de cultivos, que vincule esses territórios, historicamente esquecidos pela economia legal. Também precisamos desmontar o paramilitarismo. O Estado deve estar presente nos territórios não somente através da Força Pública. Esse é o caminho que nos levará a uma paz completa e integral e deve abrir a possibilidade de resolver os conflitos ainda vigentes, pela via do diálogo”, finaliza Lozada.
*Trecho da reportagem sobre histórico do conflito foi publicado originalmente em setembro de 2020 no Brasil de Fato.
Edição: Vivian Fernandes
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