postado em 16/05/2020 04:13 / atualizado em 16/05/2020 13:06
A crise é um momento de mudança súbita que abala nossas certezas temporárias e nos impõe tomadas de decisões a partir de novas perspectivas. Nesse sentido, a crise gerada na educação advinda da pandemia da covid-19 tem nos provocado inquietações acerca das consequências na vida de 47,8 milhões de estudantes da educação básica e 8,3 milhões da educação superior.
As discussões e as ações a respeito das consequências da pandemia para a educação transcendem a suspensão de aulas ou a forma de modalidade de suas ofertas. Elas nos convidam a pensar e a desenvolver oportunidade de aprendizagens inclusivas e plurais, que possibilitem o direito à educação com equidade e qualidade para os estudantes.
Alcançar caminhos possíveis para essas oportunidades de aprendizagem, como tudo na educação, envolve esforço coletivo para sua efetivação. Requer atuação cooperada tanto entre os grupos que constituem o sistema educativo, quanto destes com áreas diretamente relacionadas à educação, a exemplo da saúde, comunicação, trabalho e renda.
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Acreditar que lideranças governamentais, docentes, estudantes, responsáveis, agentes educacionais conseguiremos criar e desenvolver soluções sozinhos conduz ao reducionismo de posturas heroicas, excludentes, autoritárias e pouco efetivas. Precisamos considerar os diferentes lugares de fala e reconhecer a necessidade dos lugares de escuta como indispensáveis para as tomadas de decisão, nos âmbitos locais ou nacionais no contexto da covid-19.
De um lado, temos profissionais e lideranças de secretarias de educação, que buscam a potência das ferramentas digitais de informação e comunicação, bem como de fundamentos da educação on-line, para continuar as ações pedagógicas. De outro, temos profissionais indagando ou criticando o uso das referidas ferramentas frente ao perigo de legitimar a precarização da educação pública, bem como as ações excludentes para com integrantes das comunidades escolares e acadêmicas que não possuem condições econômicas, psíquicas, emocionais e sociais para desenvolver e acompanhar as atividades pedagógicas.
Incluímos, nesse cenário, lideranças governamentais pleiteando o retorno parcial das atividades presenciais, mesmo sem a garantia das condições mínimas de proteção social e segurança sanitária. Juntam-se também ao contexto os interesses mercadológicos de empresas com seus mágicos e caros pacotes pedagógicos prontos para resolver as inquietações dos preocupados apenas com o cumprimento do conteúdo programático previsto para o ano ou semestre letivo, ainda que nem todos tenham acesso.
Diante desses conflitos e de levantamentos indicando as populações negras e indígenas como as mais vulneráveis independentemente da idade, olho para trás e penso o que posso aprender com minhas antecedentes mais velhas. Com aquelas mulheres negras, frutos da diáspora africana, que, com toda adversidade, educaram sua prole nos possibilitando alcançar espaços de poder.
A inquietação me remete a novas leituras de textos e diálogos com outras mulheres negras que trazem a compreensão de mundo a partir de bases africanas e da histórica luta do povo negro. Racismo, autocuidado, desigualdade social e educacional, genocídio, epistemicídio, narrativas negras, espiritualidade, colaboração, coletivos, lutas, educação nos terreiros, racismo ambiental. Essas palavras, imbuídas de valores, crenças, conhecimentos, sentidos e significados, nos conduzem ao reconhecimento da interconectividade e, mais precisamente, da interdependência de tudo. Somos natureza, somos sociedade e nossa existência depende do outro, humano ou não.
A própria etimologia da palavra pandemia reitera a necessidade de reconhecer a interdependência, ainda que cientes das consequências incidirem de modo desigual em países e populações historicamente atingidas pelas mazelas do racismo, do colonialismo e do machismo.
Aprender a lidar com incertezas e com a nossa capacidade de resiliência diante da covid-19, a partir do legado dos nossos antepassados negros, nos possibilita criar caminhos educativos ou, pelo menos, trilhar os já existentes, a partir de outros modos de ser e de conviver que promovam o direito de aprender a todos os estudantes no contexto da pandemia. E, quem sabe assim, nem tudo continue como era antes.
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*Rita Silvana Santana dos Santos é doutora em Educação, professora da Faculdade de Educação da UnB, integrante da Irmandade Pretas Candangas e do GT ODS UnB
O presente dossiê pretende colocar a educação brasileira na borda de um precipício, não para convidá-la a espatifar-se contra o abismo – como querem atualmente todos aqueles que, por estultícia ou má-fé, lidam com ela com absoluta falta de compreensão – e, sim, para vê-la disposta a criar asas e voar – como desejam mulheres e homens vocacionados para o verdadeiro exercício da vida pública. Daí o caráter ambivalente que vem recobrindo a questão educacional no país já há muito tempo, agravado recentemente por um contexto sociocultural em que a ignorância, o anti-intelectualismo e o retrocesso transformaram-se em valores políticos ativos, que têm interferido nas mais variadas esferas institucionais e feito grandes estragos nelas. De um lado, a situação é caótica – fruto do descaso das autoridades brasileiras no trato de assunto que subsidiou as grandes transformações civilizatórias por que já passaram inúmeras nações mundo afora –, de outro, há todo um mundo novo, promissor, por ser construído. Se concordarmos com Chesterton, para quem a educação é “simplesmente a alma de uma sociedade a passar de uma geração para outra”, haveremos todos nós brasileiros de nos sentirmos como o alferes Jacobina do conto de Machado de Assis, cuja alma refletida no espelho era “uma figura vaga, esfumada, difusa, sombra de sombra”. Mas temos todas as condições de mudar esse quadro, como apontam os textos a seguir. O que falte talvez seja somente vontade política.
A socióloga Sonia M.P. Kruppa traça um amplo painel da escola pública brasileira, marcada desde sempre por posições políticas em disputa. Neste ano de 2019, adverte a também pedagoga: “os limites e violações aos direitos sociais e à educação e a luta por sua defesa e ampliação estão novamente nas ruas.”
A socióloga Maria Victoria de Mesquita Benevides defende o projeto de educação em direitos humanos, presidido pela preocupação de respeitar o indivíduo em sua dignidade e em sua especificidade. “É uma formação ética, que visa atingir tanto a razão quanto a emoção, ou seja, conquistar corações e mentes. Não é uma disciplina, mas um tema transversal”. O texto seguinte, de Helena Singer, priva daquele tipo de otimismo consequente, responsável, de quem constata a gravidade do problema, mas não esmorece diante dele.A educadora evoca a sólida tradição brasileira da educação popular e comunitária que, segundo ela, deveria inspirar as políticas públicas educacionais para fortalecer a escola e fomentar a multiplicação de organizações de igual teor. A pedagoga Flávia Schilling discute o conceito de escola justa, lugar em que cabe tanto o “tudo é um pouco dolorido hoje” de um dos professores entrevistados por ela como os sujeitos livres que medeiam conteúdos e práticas, podendo atribuir-lhes novos sentidos. O educador Hubert Alquéres enxerga a educação como um exercício de possibilidades que ainda não tomaram forma na vida social e estão impregnadas de futuro. “Às habilidades cognitivas tradicionais agrega-se o letramento digital, sem o qual não se pode falar de educação do século 21. Mais do que isto: a escola da nova era terá de ter em sua alma a cultura digital”, defende enfaticamente ele. Por fim, o sociólogo José Vicente, fundador e reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares, mostra os mecanismos de uma educação moldada sobre a plataforma de uma sociedade escravocrata, racista e discriminadora por natureza, onde o negro historicamente não teve “vez nem voz”. O filósofo Ernani Chaves, em texto publicado no site da Revista CULT, trata da relação entre democracia e educação, defendendo o diálogo constante entre as filosofias e as ciências, essencial para o desenvolvimento científico, tecnológico e social de uma nação.
Vigilantes diante das intensas e constantes ameaças sofridas pela educação pública do país, os artigos aqui reunidos apontam para o caráter catastrófico do problema, mas não no sentido do senso comum. Antes, o desastre a que se alude reveste-se do sentido de katastrophé, como entendido na tragédia grega – aquele acontecimento funesto e decisivo que provoca o desenlace da ação, precipitando o herói em um movimento descensional, sim, mas a partir do qual ele adquire o conhecimento de si mesmo e dos mecanismos do mundo.
O flagelo está aí, mas o processo educacional encontra sua verdadeira grandeza naquilo que exprime sua natureza: a remoção dos obstáculos que impedem o desenvolvimento das pessoas, individual e coletivamente.
Welington Andrade é doutor em Literatura Brasileira pela USP e diretor da Faculdade Cásper Líbero
Professores, trabalhadores e estudantes se mobilizam em Belém, capital do Pará, contra o governo Bolsonaro / Foto: FBP/PA
Desde a manhã desta quarta-feira (15), as ruas do país foram tomadas por milhares de estudantes, professores e trabalhadores de escolas e universidades, por conta do Dia Nacional de Greve na Educação, em protesto contra os cortes anunciados pelo Ministério da Educação (MEC) para o setor. Após as 14h, todos os estados já haviam registrado manifestações.
O sucesso das manifestações foi tamanho que as entidades organizadoras decidiram convocar um novo protesto em âmbito nacional para o próximo dia 30 de maio.
Segundo a apuração da Confederação Nacional de Trabalhadores da Educação (CNTE), mais de um milhão de pessoas participaram das manifestações. Conforme levantamento do Brasil de Fato na imprensa e nas redes sociais, houve manifestações em mais de 200 municípios.
No último dia 30 de abril, Abraham Weintraub, ministro da Educação, anunciou cortes de 30% em todos os níveis da educação. Nas universidades federais, o governo bloqueará 30% do orçamento previsto para pagamento de dívidas não obrigatórias, como trabalhadores terceirizados, obra, compra de equipamentos, água, luz e internet.
Nesta quarta-feira (15), o presidente Jair Bolsonaro chegou no Texas (EUA) e criticou os manifestantes. "É natural, agora a maioria é militante. Se você perguntar a fórmula da água, não sabe nada. São uns idiotas úteis, uns imbecis, que estão sendo usados como massa de manobra de uma minoria espertalhona que compõe o núcleo de muitas universidades federais no Brasil", afirmou o mandatário, ignorando o perfil dos manifestantes, formado em grande parte por alunos do ensino médio.
Ainda não há previsão de quantos manifestantes aderiram às manifestações em todo o país. Em diversos municípios, há atos marcados para o final da tarde.
Norte
De acordo com o Sindicato dos Trabalhadores das Instituições Federais de Ensino Superior no Estado do Pará (Sindtifes), dez mil pessoas estiveram na Praça da República, no centro de Belém, no Pará, protestando contra os cortes na educação.
Professores, estudantes e trabalhadores da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA), da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra) e da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) também se mobilizaram em Marabá e Santarém, respectivamente.
Nesta manhã, professores, trabalhadores e estudantes fecharam os portões de acesso à Universidade Federal de Roraima (UFRR), em Boa Vista. Alunos e docentes do Instituto Federal de Roraima (IFRR) e da Universidade Estadual de Roraima (UERR) também aderiram aos atos.
No Acre, 1,2 mil pessoas integraram o protesto que fechou a avenida Brasil, em Rio Branco, de acordo com a Central Única dos Trabalhadores (CUT). Mais cedo, os portões da Universidade Federal do Acre (UFAC) e do Instituto Federal do Acre (IFAC) foram fechados.
10 mil pessoas nas ruas de Belém: manifestação aconteceu pela manhã na capital paraense (Foto: FBP PA)
Em Rondônia, estudantes da Fundação Universidade Federal de Rondônia (Unir) participaram da manifestação na região central de Porto Velho. No campus de Guajará-Mirim, na fronteira da Bolívia, estudantes e professores do Instituto Federal de Rondônia (Ifro) e a população local organizaram um protesto na porta da entidade, de onde partiram em caminhada até a rodoviária da região.
No Tocantins, a comunidade acadêmica local trancou os acessos à Universidade Federal do Tocantins (UFTO) e da Universidade Estadual do Tocantins (UETO). No interior do estado, as cidades de Guripi, Araguaína, Araguatins e Dianópolis também se mobilizaram.
Em Manaus, capital do Amazonas, a avenida Rodrigo Otávio foi palco de um protesto contra os cortes na Educação.
Nordeste
O bairro do Farol, região central de Maceió, capital de Alagoas, foi o ponto de encontro dos manifestantes. De lá, caminhadaram até o Centro Educacional de Pesquisa Aplicada (Cepa). Dez mil pessoas participaram da manifestação, de acordo com os organizadores. Em Arapiraca, interior do estado, outras duas mil protestaram na Praça da Prefeitura.
Houve panfletagem em Natal, Rio Grande do Norte, organizada pelos estudantes do Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN). Com a presença do líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, Guilherme Boulos, um ato ocorreu dentro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), pela manhã.
Em Mossoró, manifestantes fecharam a avenida Presidente Dutra pedindo a revogação do bloqueio no orçamento. Pelo interior, as cidades de São Gonçalo do Amarante, Nova Cruz, Fernando Pedroza e Currais Novos também tiveram protestos.
Em Teresina, ocorreu um ato na avenida Rio Branco, que terminou na Praça da Bandeira. Nas ruas, secundaristas e universitários formavam a linha de frente do protesto. Além da capital, os municípios de Picos, Floriano, Pedro II, Parnaíba, Cocal, Corrente e Angical do Piauí também registraram manifestações.
Em Fortaleza, 100 mil pessoas percorreram as ruas da cidade (Foto: Amanda Sampaio)
Em Aracaju, o protesto começou cedo. Eram 6h quando estudantes, funcionários e professores da Universidade Federal de Sergipe (UFS), no campus de São Cristóvão, bloquearam os portões de acesso à instituição. A ação foi repetida por alunos e docentes do Instituto Federal de Sergipe (IFS).
De acordo com os organizadores, 57 mil pessoas participaram das manifestações no estado da Paraíba. Ao todo, houve registro de protestos em oito municípios. Na capital, João Pessoa, 30 mil pessoas se reuniram no centro, em frente ao colégio Lyceu Paraibano,e caminharam até o Ponto de Cem Réis. Houve, também, protestos em Campina Grande, Areia, Sousa, Cuité, Monteiro, Guarariba e Patos.
A estudante de psicologia da UFPB, Camila Ramalho Ramos, pediu que os cortes sejam revogados pelo MEC. "Educação não é gasto, é investimento. Queremos estudar e produzir ciência para esse país."
Anderson Luiz, vice-presidente regional da União Nacional dos Estudantes (UNE) em João Pessoa, explicou por que houve a participação massiva de alunos do ensino fundamental, médio e superior na manifestação. "Não só na Paraíba como em todo o Brasil, os estudantes são os protagonistas dessa mobilização. São muitos estudantes carentes que estão com seus dias contados diante da universidade por conta da falta de bolsas e falta de investimentos em educação".
Apesar da chuva, estudantes, professores e sindicalistas se concentraram no cruzamento entre as ruas Meton de Alencar e Senador Pompeu, no Centro de Fortaleza, capital do Ceará. Segundo os organizadores, 100 mil manifestantes participaram do ato, que passou pelo centro e foi encerrado na avenida da Universidade.
Recife: na capital mais antiga do nordeste, houve uma grande marcha durante a tarde (Foto: Monyse Ravena)
A capital São Luis, no Maranhão, teve protestos de um grupo de estudantes, funcionários e professores da Universidade Federal do Maranhão (Ufma) protestaram em frente à sede da entidade.
A Secretaria de Educação do Recife, Pernambuco, informou que, das 309 escolas municipais do município, 122 fecharam nesta quarta-feira. Em Recife, os professores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) se reuniram na região central e tiraram dúvidas da população local sobre diversos temas [confira no vídeo acima]. As cidades de Serra Talhada, Garanhuns, Pesqueira e Caruaru tiveram manifestações.
Registro da marcha que percorreu São Luis, a capital do Maranhão (Foto: Divulgação)
Centro-Oeste
Organizadores das manifestações divulgaram que 50 mil pessoas participaram do protesto em Brasília. Eram 15 mil para a Polícia Militar. A concentração foi no Museu da República e o ato se deslocou até a Praça dos Três Poderes.
Universitários, docentes, técnicos administrativos e estudantes de ensino médio compunham a maior parte da manifestação, que subiu o eixo Monumental pelo outro da Esplanada às 13h. Como previsto, às 14h30 boa parte dos manifestantes já haviam se dispersado na Rodoviária de Brasília.
Em Brasília, manifestantes exibem faixa pedindo liberdade para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nome de Lula foi amplamente lembrado nos protestos (Foto: Divulgação/MST)
Em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, os manifestantes caminharam até o Terminal Morenão. Na concentração do ato, as lideranças do ato divulgaram que havia ali 400 manifestantes. Luciana Beatriz de Araújo Colombo, estudante e indígena da etnia Terena, pediu que haja foco em maiores investimentos, não corte. "Eu estou aqui em prol da educação e contra os cortes. Espero que mobilizando provocamos alguma mudança no que está acontecendo."
Em Goiania, a estimativa é de que 20 mil pessoas tenham participado da manifestação que saiu da Universidade Federal (Foto: Reprodução Twitter)
Na capital do Mato Grosso, Cuiabá, os manifestantes do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do mato Grosso (IFMT) deram um abraço simbólico na sede da reitoria. A ação foi repetida pelos estudantes do campus Professor Olegário Baldo, na cidade de Cáceres.
A mobilização foi grande em Goiás. Na capital, Goiânia, 20 mil estiveram no protesto, de acordo com os organizadores. A manifestação partiu da Praça Universitária e terminou na Praça Cívica. De acordo com o Sindicato de Trabalhadores em Educação de Goiás (Sintego), 80% das escolas estaduais e 70% das municipais estão fechadas. Nenhum campus das universidades e institutos federais abriu as portas hoje. Houve protesto, também, em Jataí e Catalão.
Sudeste
Debate sobre os cortes na educação e os impactos da reforma da Previdência, na UFMG, em Belo Horizonte. Fotos: Camilo Mendes / FBP.
Segundo levantamento do Brasil de Fato, 20 cidades mineiras tiveram protestos nesta quarta. Araçuaí, Almenara, Belo Horizonte, Lavras, Uberaba, Viçosa, Varginha, Poços de Caldas e Governador Valadares tiveram manifestações pela manhã. Já em Diamantina, Itajubá, Juiz de Fora, Montes Claros, Mariana, Frutal, Ouro Preto, Ipatinga, Patos de Minas, Ouro Branco, Itabira e São João del Rei acontecem nesta tarde. Campi de Institutos Federais (IFs) também organizaram protestos pelo interior do estado.
Na capital Belo Horizonte, 250 mil manifestantes, entre estudantes, professores e trabalhadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), do Centro de Federal de Educação Tecnológica (Cefet) e da Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG) participaram das manifestações, que saiu da Praça da Estação e terminou na Praça Raul Soares.
Multidão se concentra na Candelária, no centro do Rio, para manifestação da noite (Foto: Juliana de Oliveira)
Pela manhã, houve protesto debaixo de chuva no Largo do Machado, zona sul da capital carioca (Foto: Reprodução Twitter)
No estado do Rio de Janeiro, foram registradas manifestações em todas as regiões do estado. Atos aconteceram em Angra dos Reis, Nova Iguaçu, Barra Mansa, Macaé, Seropédica, Campos dos Goytacazes, São João de Meriti, São Gonçalo, Araruama, Barra do Piraí, Itacoara, Nova Friburgo, entre outras. As manifestações foram organizadas pelas centrais sindicais, movimentos populares, Frente Brasil Popular, Frente Povo Sem Medo, entidades de base do movimento estudantil, partidos de esquerda e movimentos do campo progressista.
Na capital do estado, Jessy Dayane, vice-presidenta da UNE, afirmou que o dia foi histórico e enalteceu a organização dos manifestantes. “Milhares de estudantes ocuparam as ruas do país inteiro junto com professores e trabalhadores. Está lindo de ver. É a maior mobilização desde que Bolsonaro foi eleito”.
Após o protesto, um ônibus foi incendiado na pista lateral da Avenida Presidente Vargas, na região central do Rio. Até as 21h20, não havia registros de feridos.
Em São Paulo (SP), a concentração da manifestação, marcada para o vão do Museu de Arte de São Paulo (MASP), já tinha 200 mil pessoas antes da saída do ato, marcado para 16h30. Confira no vídeo abaixo os principais momentos do protesto:
Raquel Santos Marques de Carvalho, professora do Departamento de Biofísica da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), estava na manifestação em São Paulo e criticou a fala do ministro em que insinua que haja "balbúrdia" nas universidades.
"Qualquer pessoa que tem um pouco de bom senso e conhece um pouco como funciona a universidade sabe que nada disso que está sendo propagado é verdade. Eu acho que, talvez, a ideia de ter essas falas é para influenciar pessoas que desconhecem o que acontece dentro da universidade, como se estuda e se faz pesquisa na universidade, para que a gente tenha cada vez menos apoio e que as universidades diminuam", encerrou a docente.
A estimativa da organização é de que o ato tenha reunido ao menos 250 mil pessoas.
"Bolsonaro não tem ideia da encrenca que arrumou cortando verba da Educação", resumiu o ex-ministro da pasta, Fernando Haddad (PT).
A presidenta do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), deputada estadual Maria Izabel Azevedo Noronha (PT), criticou o projeto de reforma da Previdência de Bolsonaro, que pretende privatizar o INSS e dificultar o acesso à aposentadoria: "A aula de cidadania que se dá aqui hoje não é pouca coisa. Essa luta contra os cortes é conjunta contra a reforma, porque sem aposentadoria também não há perspectiva para o movimento estudantil".
No campus da USP em Ribeirão Preto houve uma aula aberta em defesa da educação (Foto: Filipe Augusto Pinto Maia Peres)
Nesta manhã, estudantes secundaristas pararam as ruas do bairro de Higienópolis, na região central. No interior do estado, as cidades de Sorocaba, Presidente Prudente, Jundiaí, Ribeirão Preto, Campinas, Jaboticabal, Santos, Araraquara, Rio Claro e São Carlos tiveram protestos.
Cinco mil pessoas, de acordo com os organizadores, participaram do protesto em Vitória, no Espírito Santo. O ato partiu da Praça do Papa e terminou na Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales).
Na capital paulista, multidão se concentrou em frente ao MASP durante a tarde (Foto: Mídia Ninja)
Sul
Em Santa Catarina, estudantes organizaram um café da manhã na entrada do campus Florianópolis da Universidade Federal de Santa Catariana (UFSC). Pela tarde, cerca de 10 mil manifestantes caminharam da UFSC até o centro da cidade, onde se juntaram à concentração que ocorria em frente à Catedral, principalmente de estudantes secundaristas e do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC). Houve protestos em Itajaí, Chapecó, Blumenau, Lages, Camboriú e Concórdia.
Curitiba: Protesto na capital paranaense reuniu pelo menos 20 mil pessoas (Foto: Giorgia Prates)
Em Foz do Iguaçu (PR), trabalhadores e estudantes da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) e do Instituto Federal do Paraná (IFPR) protestaram juntos contra a reforma da Previdência e os cortes na educação. A manifestação começou no Terminal de Transporte Urbano da cidade e seguiu em caminhada rumo ao centro do município.
Na capital do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 20 mil pessoas se concentraram na Esquina Democrática a partir das 18 horas, de acordo com os organizadores. Para a Polícia Militar, foram 5 mil manifestantes. Pela manhã, a PM foi truculenta para dispersar estudantes que estavam concentrados em frente a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) bloqueando a rua Sarmento Leite. A corporação usou balas de borracha e bombas de gás lacrimogênio. Santa Maria, Caxias do Sul, Uruguaiana, Panambi, Cruz Alta, Santo Augusto e Pelotas foram os municípios do estado que também registraram manifestações.
Em Porto Alegre, concentração de manifestantes aconteceu na chamada Esquina Democrática, na região central da capital gaúcha (Foto: Reprodução Twitter)
Atualizado às 20h20.
* Com informações da Rede Brasil Atual e dos colaboradores e colaboradoras do Brasil de Fato pelo país.
"Onde estão projetos alternativos? Pelo momento é um enorme clamor que pode derrubar montanhas de ignorância acumulada. Mas sucedidas por quê? Esse é o momento desafiante que temos pela frente", escreve Luiz Alberto Gomez de Souza, sociólogo.
Eis o artigo.
Caiu uma das falsas e superficiais afirmações: o país está irremediavelmente apático. Essa cantilena sempre voltava no passado e era logo adiante desmentida por tempos fortes do povo na rua. Nunca é possível uma mobilização permanente, mas ela irrompe em momentos críticos de apoio ou de perigo. Vivemos no passado os grandes movimentos durante a campanha das Diretas Já. Assim foi depois com os caras pintadas contra Collor. Ou a mobilização em São Paulo em 2013. Antes no suicídio de Getúlio ou na morte de Tancredo.
Que causa maior e mais contagiante do que a defesa da educação para as novas gerações? Coloco neste texto, orgulhoso, um cartaz brandido ontem por um participante: os jovens de 68 encontram os jovens de 2019. Incluo-me com orgulho no primeiro grupo. No Chile (setembro de 1967) e nos Estados Unidos (agosto de 68) aderi às manifestações com entusiasmo. Sentíamos uma mudança epocal chegando. Lembro da emoção ao assistir, naquele ano, o musical Hair sucessivamente em Nova Iorque, em Londres, em San Francisco e finalmente aqui no Rio. Com a canção final carregada de esperança: Let the sunshine in.
Reprodução Twitter
Agora, a grande motivação está sendo a defesa da educação ameaçada, não somente por problemas orçamentários porém, principalmente, diante de uma campanha ignorante e primária contra um processo educacional necessariamente crítico.
Tudo isso despertou o dinamismo aparentemente hibernado e os jovens saem às ruas, com professores, pais e mães, técnicos em educação, pensadores, cientistas, políticos, etc.
A mobilização ocorreu em mais de 200 cidades, com cerca de 1,5 milhões de participantes (segundo a insuspeita Veja). Mesmo as Diretas já não tiveram a abrangência nacional deste porte. Pode-se dizer, com certeza, que foi a maior mobilização da história a nível nacional.
Colaborou para isso a pseudo-política educacional absurda e suicida deste governo. Depois, a reação se incrementou a partir de declarações aberrantes e violentas do presidente e do ministro da educação. É incrível como o governo soube trabalhar tão bem contra ele mesmo.
Estas manifestações não foram capturadas por grupos específicos, mas tiveram uma presença plural. Organizações educativas, estudantis ou políticas aderiram, claro está, sem conseguir ou tentar hegemonizar o processo. Aliás, paradoxalmente, elas não têm sido capazes de explicitar propostas coerentes e de união. Isso mais adiante poderá ser um freio, mas no momento permitiu uma participação diversa, múltipla e democrática. Penso que inclusive há grupos que votaram em Bolsonaro – com exceção de grupelhos radicais dos olavetes e da família imperial – e que agora, ou se calam confusos ou estão aderindo aos protestos.
Nunca um governo está se liquefazendo tão rapidamente diante do clamor das ruas. O jornalista Ascânio Seleme, que dirigiu O Globo, escreveu em sua coluna de 16/5: “Se os filhos afugentaram do pai os ministros políticos e técnicos, Olavo (de Carvalho)afugenta os militares. O perigo de isolamento de Jair Bolsonaro é real. Para quem faz tudo para parecer que somente a derrota interessa, o caminho para o fracasso não poderia estar mais aberto e desimpedido”. Indicação de um jornalista bem posicionado no sistema sobre o fim de um governo que nem começou?
As manifestações (badernas para o simplório ministro) podem apressar o desenlace. O general Mourão e Rodrigo Maia desembainham silenciosamente seus punhais. Os meios de comunicação, estampando a amplitude das mobilizações, parecem indicar um sinal verde que recebem dos setores dominantes. É patético como Guedes fala no vazio, permanentemente desmentido em tudo o que afirma. O ambicioso Moro deve estar arrependido de ter caído numa arapuca que pode engoli-lo.
Não podemos ficar na celebração triunfalista - e de certa maneira enganosa –, mas exigir a elaboração urgente de propostas para a educação, para outras políticas sociais e econômicas. A oposição a um governo titibitate deveria ter em conta um enorme patrimônio acumulado no país por anos de educação popular (Movimento de Educação de Base, Movimento Popular de Cultura do Recife, Centros de Cultura popular, etc.), com notáveis experiências-piloto educativas. O Brasil, nessa área, é visto do exterior (New York Times, Washington Post, El País, La Reppublica, etc.) com admiração e respeito.
A UNESCO publicou informes entusiastas sobre nossa política educativa entre os anos 1958-1964. Colaborei nesse levantamento: Problemática de la educación en América Latina (CELAM, Bogotá, 1967); Youth participation in the development process: a case study in Panama (em colaboração com Lucia Ribeiro, coleção Experiments and innovations in education, vol. 18, The Unesco Press, 1976, traduzido ao espanhol e francês ); Educação e participação (em várias línguas, Fao, Roma, 1980; IFDA Dossier nº27, Genebra,1982; Indian Institute for Development, Kerala, 1981).
Acusa-se tolamente Paulo Freire, um dos maiores educadores a nível mundial, sem ter a mínima ideia de quem era e do que fez no Brasil (60-64), no Chile (68-72), em Harvard (70), no Conselho Mundial de Igrejas em Genebra (74-79), depois na volta ao Brasil em 80. A enorme bibliografia sobre Paulo Freire indica a riqueza de uma fecunda prática educativa. Obra imensa com raízes em nossa identidade e entre “os condenados da terra”: Educação como prática da liberdade (1967), Pedagogia do oprimido (1972; a terceira obra de ciências sociais mais citada no mundo, com traduções em muitas línguas), Conscientization (2002), Pedagogia da esperança (2022) e tantos outros livros. Sobre ele: Revisitando Paulo Freire (2012), Educação popular na perspectiva freiriana (2009). Recebeu 48 títulos honoris causa e menções universitárias pelo mundo afora (o brasileiro que ostenta o maior número de menções).
Diante disso, vêm afirmações tolas sobre um tal de marxismo cultural (sabem eles, os ignorantes, que Paulo nunca foi marxista?). É na área educacional que fica claro que o rei está nu. Talvez aí comece o princípio do fim.
Volto ao dito antes: diante desse vazio, onde estão projetos alternativos? Pelo momento é um enorme clamor que pode derrubar montanhas de ignorância acumulada. Mas sucedidas por quê? Esse é o momento desafiante que temos pela frente.
Dia 15 de maio fomos acompanhar Marina Bandeira, falecida na véspera. Por anos Secretária-Geral do Movimento de Educação de Base (acordo da Conferência dos Bispos, CNBB, com o Ministério da Educação da época), tinha a têmpera de educadora e a valentia para denunciar tempos sombrios que chegaram com torturas e perseguições. Voltam agora as perseguições. Lembrei, na ocasião, que era o momento exato, pelo país afora, de manifestações diante de uma educação ameaçada. Pedi a Marina, onde esteja, que interceda por nosso Brasil. Fui calorosamente aplaudido.