São Paulo, 8 de maio de 2019
Em outubro do ano passado, nós, os ex-ministros de Estado do Meio Ambiente, alertamos sobre a importância de o governo eleito não extinguir o Ministério do Meio Ambiente e manter o Brasil no Acordo de Paris. A consolidação e o fortalecimento da governança ambiental e climática, ponderamos, é condição essencial para a inserção internacional do Brasil e para impulsionar o desenvolvimento do país no século 21.
Passados mais de cem dias do novo governo, as iniciativas em curso vão na direção oposta à de nosso alerta, comprometendo a imagem e a credibilidade internacional do país.
Não podemos silenciar diante disso. Muito pelo contrário. Insistimos na necessidade de um diálogo permanente e construtivo.
A governança socioambiental no Brasil está sendo desmontada, em afronta à Constituição.
Estamos assistindo a uma série de ações, sem precedentes, que esvaziam a capacidade de formulação e implementação de políticas públicas do Ministério do Meio Ambiente. Entre elas, a perda da Agência Nacional de Águas, a transferência do Serviço Florestal Brasileiro para o Ministério da Agricultura, a extinção da secretaria de mudanças climáticas e, agora, as ameaças de descriação de áreas protegidas, de apequenamento do Conselho Nacional do Meio Ambiente e de extinção do Instituto Chico Mendes. Nas últimas três décadas, a sociedade brasileira foi capaz, através de sucessivos governos, de desenhar um conjunto de leis e instituições aptas a enfrentar os desafios da agenda ambiental brasileira nos vários níveis da Federação.
A decisão de manter a participação brasileira no Acordo de Paris tem a sua credibilidade questionada nacional e internacionalmente pelas manifestações políticas, institucionais e legais adotadas ou apoiadas pelo governo, que reforçam a negação das mudanças climáticas partilhada por figuras-chave da atual administração.
A ausência de diretrizes objetivas sobre o tema não somente tolhe o cumprimento dos compromissos assumidos pelo Brasil, comprometendo seu papel protagônico exercido globalmente, mas também sinaliza com retrocessos nos esforços praticados de redução de emissões de gases de efeito estufa, nas necessárias ações de adaptação e no não cumprimento da Política Nacional de Mudança do Clima.
Estamos diante de um risco real de aumento descontrolado do desmatamento na Amazônia. Os frequentes sinais contraditórios no combate ao crime ambiental podem transmitir a ideia de que o desmatamento é essencial para o sucesso da agropecuária no Brasil. A ciência e a própria história política recente do país demonstram cabalmente que isso é uma falácia e um erro que custará muito caro a todos nós.
É urgente a continuidade do combate ao crime organizado e à corrupção presentes no desmatamento ilegal e na ocupação de áreas protegidas e dos mananciais, especialmente nos grandes centros urbanos.
O discurso contra os órgãos de controle ambiental, em especial o Ibama e o ICMBio, e o questionamento aos dados de monitoramento do INPE, cujo sucesso é auto-evidente, soma-se a uma crítica situação orçamentária e de pessoal dos órgãos. Tudo isso reforça na ponta a sensação de impunidade, que é a senha para mais desmatamento e mais violência.
Pela mesma moeda, há que se fortalecer as regras que compõem o ordenamento jurídico ambiental brasileiro, estruturadas em perspectiva sistêmica a partir da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente de 1981. O Sistema Nacional de Meio Ambiente precisa ser fortalecido, especialmente pelo financiamento dos órgãos que o integram.
É grave a perspectiva de afrouxamento do licenciamento ambiental, travestido de “eficiência de gestão”, num país que acaba de passar pelo trauma de Brumadinho. Os setores empresarial e financeiro exigem regras claras, que confiram segurança às suas atividades.
Não é possível, quase sete anos após a mudança do Código Florestal, que seus dispositivos, pactuados pelo Congresso e consolidados pelo Supremo Tribunal Federal, estejam sob ataque quando deveriam estar sendo simplesmente implementados. Sob alegação de “segurança jurídica” apenas para um lado, o do poder econômico, põe-se um país inteiro sob risco de judicialização.
Tampouco podemos deixar de assinalar a nossa preocupação com as políticas relativas às populações indígenas, aos quilombolas e a outros povos tradicionais, iniciada com a retirada da competência da Funai para demarcar terras indígenas. Há que se cumprir os preceitos estabelecidos na Constituição Federal de 1988, reforçados pelos compromissos assumidos pelo Brasil perante a comunidade internacional há muitas décadas.
O Brasil percorreu um longo caminho para consolidar sua governança ambiental. Tornamo-nos uma liderança global no combate às mudanças climáticas, o maior desafio da humanidade neste século. Também somos um dos países megabiodiversos do planeta, o que nos traz enorme responsabilidade em relação à conservação de todos os nossos biomas. Nesta semana a Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), considerada o “IPCC da biodiversidade”, divulgou o seu primeiro sumário para tomadores de decisão, alertando sobre as graves ameaças que pesam sobre a biodiversidade: um milhão de espécies de animais e plantas no mundo estão ameaçadas de extinção.
É urgente que o Brasil reafirme a sua responsabilidade quanto à proteção do meio ambiente e defina rumos concretos que levem à promoção do desenvolvimento sustentável e ao avanço da agenda socioambiental, a partir de ação firme e comprometida dos seus governantes.
Não há desenvolvimento sem a proteção do meio ambiente. E isso se faz com quadros regulatórios robustos e eficientes, com gestão pública de excelência, com a participação da sociedade e com inserção internacional.
Reafirmamos que o Brasil não pode desembarcar do mundo em pleno século 21. Mais do que isso, é preciso evitar que o país desembarque de si próprio.
Rubens Ricupero
Gustavo Krause
José Sarney Filho
José Carlos Carvalho
Marina Silva
Carlos Minc
Izabella Teixeira
Edson Duarte
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