cartoon: Max Speak
PARA ONDE VAMOS APÓS A PANDEMIA?[1]
Mauro Guimarães[2]
Inicio fazendo coro com Michel Löwy (2017) quando denuncia o
caminho do ecossuicídio que nossa civilização está trilhando. Chamo a atenção
que quando essa pandemia arrefecer, estaremos ainda submetidos a uma crise de
proporções ainda maiores: a das mudanças climáticas e a correspondente
degradação socioambiental planetária.
A civilização capitalista industrial moderna é
um trem suicida que avança, com rapidez crescente, em direção a um abismo: as
mudanças climáticas, o aquecimento global. Trata-se de um processo dramático
que já começou, ... A partir de um certo nível de temperatura, será ainda
possível a vida humana neste planeta?
(Löwy, 2017)
Acreditar que podemos, cada vez mais, extrair recursos naturais,
para transformar em mercadorias, muitas destas desnecessárias e supérfluas,
para garantir uma economia que não pode parar de crescer, e tudo isso em um
planeta finito e limitado em seus recursos, parece que é querer baixar os olhos
para não ver o abismo que se aproxima!
Estamos diante de uma encruzilhada civilizatória: ou caminhamos
passivos para o abismo, ou mudamos o rumo desse trem desgovernado. Reconhecer a
gravidade deste momento histórico é um primeiro passo e que acredito que o
Coronavírus possa até ajudar a revelar. Mas para onde vamos após essa Pandemia?
Diante da crise em sua complexidade civilizatória e a
respectiva crise das referências como vivemos no mundo que a acompanha, se tem
difundido no mundo as orientações políticas e econômicas do Neoliberalismo, em
consonância ao paradigma disjuntivo (MORIN, 1999) da modernidade que a tudo
separa, fragmenta e exclui. Tal circunstância dificulta perceber soluções que
sejam amplas, voltadas para a inclusão numa totalidade societária
socioambientalmente sustentável e, portanto, ao não se perceber, acentua-se a
crise.
O Neoliberalismo é uma proposta que busca resposta
recorrendo e acirrando os paradigmas disjuntivos da modernidade, quando aposta
que o que deve motivar e mover as relações socioeconômicas são os estímulos
dados às iniciativas privadas (dos indivíduos, do particular), regulados
centralmente pelas leis de mercado, sem a interferência do Estado. O Estado
Mínimo defendido é o enfraquecimento deste ente coletivo, Público, na regulação
das relações econômicas e sociais. É deixar que os entes privados e seus
interesses econômicos particulares sejam os definidores das relações
estruturantes do modo de viver dessa sociedade. É fazer com que a meritocracia
prevaleça, em que cada um por si, com sua “livre iniciativa” e a “livre
concorrência” privilegie o mais capaz, o mais forte (mesmo que essa competição
se dê em uma sociedade com pontos de partida tão desiguais). Acredita-se que
com isso se levará a promover o desenvolvimento das forças produtivas geradoras
de riqueza do sistema e seus mecanismos de acumulação. Certamente, com a
“liberdade” da iniciativa privada, sem a regulação de um ente público, que visa
à moderação de desequilíbrios nas relações sociais, os indivíduos (partes), os
segmentos mais fortes que constituem uma elite, fazem com que os interesses
particulares dessa elite se sobreponham ao interesse coletivo popular. Se o
resultado esperado é o crescimento da economia, poderão até obter bons números
econômicos, mas as relações de poder que domina e explora o outro, indivíduo,
classe, nações periféricas, natureza, essas serão acirradas com a consequente
intensificação das degradações socioambientais. Não há políticas Neoliberais para combater à desigualdade
social e delimitar a degradação do meio ambiente; pelo contrário, essas são
vistas como gastos e empecilho ao crescimento econômico! Tudo isso
agrava a imensa crise que estamos vivendo. Me parece que a Pandemia do Covid19,
está demonstrando o quanto a sociedade está necessitando de um Estado presente,
através de seus Sistema de Saúde Pública (SUS), de suas Instituições de
pesquisa pública que desenvolvem suas atividades, não em função das necessidades
do mercado, mas das necessidades humanas de toda uma população. População que se não estiver saudável em seu
conjunto, não há como garantir a saúde individual, mesmo que seja da elite.
Buscar saídas individuais, particulares, privadas é
reforçar a perspectiva excludente, disjuntiva e fragmentária que está no cerne
da crise civilizatória, que tem na ideia da prevalência do mais forte, da
particularização dos interesses, do “cada um por si”, a exacerbação do egoísmo
narcisista de um indivíduo ensimesmado em um egocentrismo. Valores de uma
modernidade líquida e efêmera, como diria Bauman (2001), estruturantes da
dissolvência da noção de comunidade, do coletivo, de uma sociedade que tenha um
propósito em comum, do público, da solidariedade como fundante das relações. A
princípio, pode parecer paradoxo a noção de Nacionalismo, como espaço
identitário de um coletivo comum, sendo propagado junto à efetivação desse
Neoliberalismo no mundo. Porém, o que referencia esse Nacionalismo (de extrema
direita) em curso é a mesma perspectiva disjuntiva e excludente do
Neoliberalismo. A mesma que historicamente sustenta os poderosos e a
predominância de seus interesses particulares como, o de “meu país/eu primeiro”
que está implícito no “American First”; que faz inimigos os refugiados e
imigrantes de outras nações. A defesa dos “meus” valores tradicionais, o que
faz a estes entenderem os outros como diferentes e inferiores. Diferenças que
para eles destroem seus valores e assim devem ser perseguidos e marginalizados,
como os que têm diferentes orientações sexuais, os que reivindicam igualdades
nas relações étnicas, de gênero, de outras crenças religiosas. Como também os
que defendem regulações para uma sociedade mais igualitária, que são
extemporaneamente estereotipados como “comunistas antipatriotas”. Ou seja, tudo
e todos que questionam uma ordem historicamente dominante instituída por meio
da imposição dos interesses econômicos, valores e costumes de uma elite econômica
poderosa.
Ao neoliberalismo, que favorece a predominância do
mais forte e que detém, portanto, o poder, se junta uma visão nacionalista.
Visão essa de que a nação deve estruturar-se a partir dos valores dos
dominantes, “tradicionais”, e que, portanto, os interesses privados, dos
poderosos certamente, devem ser privilegiados sem a presença de um Estado
regulacionista. Para esses, o Estado quando cumpre a função distributivista,
retira recursos do mercado, o que “pesa” no crescimento econômico e, assim, na
geração e acumulação da riqueza dos mais fortes, a elite política-econômica de
cada nação. Para deixar claro, a doença para a saúde privada é o meio de
geração de lucro, para a saúde pública é um dever.
Desta forma, neste mundo globalizado em que o capital
(principalmente financeiro especulativo) se transnacionalizou, os interesses
privados das elites das diferentes nações se interligam pelo mundo
transnacionalizado, não se limitando aos interesses nacionais. Porém, Estados
em que o Neoliberalismo predomina, a sua presença mínima, mas dominada pela
elite e seus representantes, é garantidora dos mecanismos de uma economia de
livre mercado com mínima interferência do Estado. Assim fecha o ciclo que
potencializa as boas condições para as elites econômicas, em sua
bidimensionalidade nacional e transnacional, reproduzir este modo de acumulação
econômica globalizado. Porém, ao mesmo tempo, a manutenção desse processo de
reprodução e acumulação crescente do capital vem, exponencialmente, acentuando
a postura excludente nas relações sociais, que degradam as condições sociais da
grande maioria, assim como intensifica a destruição do meio ambiente; moto
contínuo das relações de degradação socioambiental e intensificadora da grave
crise mundial.
A tudo isso, serve de contexto para uma grave
denúncia de Bruno Latour (2019),
“Tudo parece indicar que uma boa parte das classes dirigentes (o que
hoje se chama, de forma muito imprecisa, as “elites”) chegou à conclusão de que
já não há suficiente espaço na Terra para elas e para o resto de seus
habitantes. Por conseguinte, as elites concluíram inútil a ideia de que a
história se dirige a um horizonte comum onde “todos os homens” poderemos
prosperar de igual maneira”
(Latour, 2019, p.12. Tradução do autor)
Considerar a possibilidade de descarte, pela exclusão
do seu semelhante, pelo abandono à deriva a própria sorte de um náufrago
refugiado, ou de uma esquálida criança a morrer de fome, ou pelo cultivo de
sentimentos de ódio ao vulnerável, às minorias, essa perspectiva aponta a
dimensão de mais uma grave crise e que se interagem! A crise ética de perda de
fundamentais valores humanos e da subjugação aos interesses econômicos. O descompromisso
com a manutenção da vida, do cuidado com o outro como garantia da própria
continuidade da vida humana, como na força maternal diante do perigo para sua
cria. Da ação solidária nas relações, como forma e estratégia de sobrevivência
dos indivíduos e da espécie. Valores esses fundamentais para garantir os
humanos em sua humanidade até os dias atuais e que possa prevalecer nesse
momento de pandemia. O ataque e dissolvência ética desses valores nos coloca a
barbárie no horizonte. São esses fortes indicadores de que vivemos uma
gravíssima crise de um naufrágio civilizatório.
A grande
ameaça da morte trágica é o que verdadeiramente nos une. O risco da extinção da
vida humana ou até mesmo a vida como um todo, é o grave cenário que o câmbio
climático nos apresenta. Hoje, agora, temos o Coronavírus demonstrando todo o
seu grave e imediato impacto global, mas vivemos para além da pandemia, a
grande ameaça das mudanças climáticas e olhamos para ela como se não fosse algo
tão grave assim, que está longe de nossas vidas. Entretanto, nossas vidas, de
todos, estão também em grande risco. Vivemos uma emergência climática!
O que a
ciência mundial coloca é que a degradação do meio ambiente, na escala
planetária que alcançou, está em ponto de colapsar o equilíbrio ecológico que
mantém as atuais condições que conhecemos para a reprodução da vida na
biosfera; ou seja, em todo o Planeta Terra.
Costumamos
pensar que os fenômenos se desenrolam numa sequência progressiva e que com o
tempo, com a acumulação dos impactos é que chegaremos a uma grande situação
caótica. Acreditamos que nessa acumulação, teremos tempo e que a tecnologia
resolverá tudo. Os estudos nos mostram cada vez mais que estes não são os fatos.Temos
pouco tempo para tomar decisões!
Realmente,
o dinâmico equilíbrio ecológico tem uma capacidade de reter uma progressiva
tensão, o que os ecólogos chamam de resiliência, sobre suas flexíveis redes de
relações, mas a teia da vida um dia pode se romper! A ruptura desse equilíbrio
provoca de imediato uma forte reação em cadeia, que produz um caos na ordem
anterior, na forma como os fios eram tecidos e que sustentavam aquelas
condições de vida. Nessa ruptura, quem viver, viverá o caos! Uma situação de
tal magnitude que vivê-la, os que sobreviverem, estarão conhecendo algo talvez
próximo as alegorias do que se chama de inferno!
O que a Ciência nos diz é que estamos vivendo hoje um
grave dia da história da humanidade, em que em poucas horas essa teia da vida
poderá se romper. A reação em cadeia que virá, com mega impacto sobre as
condições ambientais que mantém as atuais formas de vida, inclusive a nossa
humana, é imprevisível e aterradora! Temos todos poucas horas! O que fazer?
Fios isolados não formam uma teia. No
naufrágio civilizatório, tentar se safar cada um por si? American First? Será a
confirmação da denúncia de Latour de uma rota de fuga, em que as elites
mundiais estão correndo para pegar os poucos botes salva vidas do Titanic para
se salvarem, deixando a própria sorte os não privilegiados? Grande ilusão,
somos todos vulneráveis passageiros em uma nave muito maior e que nesta forte
tormenta, estes botes são muito mais frágeis, reduzidos e limitados para
enfrentar esta crise. Essa postura individualista e excludente é que tem nos
levado a todos a essa situação de degradação social, ambiental, ética.
Continuar buscando a rota de fuga, reproduzindo o mesmo caminho que nos trouxe
até aqui, isso é continuarmos vivendo o naufrágio, presos na armadilha
paradigmática da disjunção, da separação e da exclusão.
Diferentemente a Latour, apostamos otimistamente que
pelo menos parte das elites mundiais manifestam essa postura excludente da
estrutura de pensamento disjuntivo da modernidade, por se encontrarem presos
inconscientemente a essa armadilha paradigmática. A cegueira produzida por essa
armadilha é o naufrágio de todos, porque todos somos vulneráveis quando
buscamos enfrentamentos particularizados. Individualmente somos frágeis e na
busca histórica da sobrevivência sempre fomos seres sociais colaborativos. Os
botes salva vidas são muito mais frágeis para enfrentar a tormenta, o navio tem
maiores possibilidades. A diversidade e a sinergia de todos embarcados no navio
é que poderão potencializar a superação da tormenta.
Estarmos conscientes desse risco e enfrentá-lo com todas
as nossa forças é estarmos juntos investindo, com prioridade absoluta, no que
pode nos levar a mudar a tensão que se faz sobre a teia da vida. Como
sociedade, temos que estar abertos e fortemente intencionados de buscarmos
viver sob novas relações entre nós e com o meio ambiente. Isso significa termos
que abrir mão do atual modo de vida, das expectativas e desejos que alimentam
nossos atuais sonhos de futuro trocando por outros, de nos desbravar diante do
medo que o desconhecido nos traz, para a construção de outro mundo possível,
simples e feliz, em que boas relações mais humanas e solidárias possam se
manifestar.
A prioridade para as transformações significativas que
precisamos implementar passa fundamentalmente por pressionar os tomadores de
decisão para políticas de investimento para o público em Educação, Ciência e
preservação ambiental; assim como de combate à desigualdade social. Transformações que se voltem para criar as
condições de um novo modo de vida, em que as relações em equilíbrio entre
indivíduos e desses com a natureza sejam o que estruturem dialogicamente um
novo modo de organização social em um novo modo de produzir e consumir na
relação com a natureza. Relações que destencionem a teia da vida e permita, na
resiliência, trançarmos novos fios na teia!
O caminho negacionista de atacar e desacreditar a
Educação, a Ciência e a necessidade de preservação ambiental, como também o
incentivo à concentração de renda das políticas neoliberais, como tem
acontecido em movimentos reacionários de conservação do status quo que se
empoderam no Brasil e outros lugares do mundo, nos aproximam cada vez mais
deste ponto de ruptura, do caos e da barbárie e isso afeta a todos, sem
exceções para privilegiados!
Estamos
sendo fortemente abalados como indivíduos e sociedade pela pandemia do
Coronavírus, que possamos tirar sábias lições para fazer as opções diante de
uma catástrofe como as mudanças climáticas nos anunciam. Que as dores de uma experiência tão significativa e transformadora
como estamos vivendo, possa despertar o espírito humano solidário que sempre se
apresentou nos momentos difíceis que a humanidade já passou. Estarmos
consciente da grande ameaça da morte e da barbárie é o que verdadeiramente nos
une, e como a sabedoria popular nos indica, “a união faz a força”. Eis um bom e
novo caminho a seguir, a conquistar e transformar!
Bibliografia
BAUMAN, Z. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2001.
GUIMARÃES,
M. e MEIRA, P. Há rota de fuga para alguns, ou somos todos
vulneráveis? A radicalidade da crise e a educação ambiental. revista Ensino,
Saúde e Ambiente. Niterói, UFF, 2020.
GUIMARÃES,
M. Pesquisa e processos formativos de educadores
ambientais na radicalidade de uma crise civilizatória. Revista Pesquisa em
Educação Ambiental, vol.13, n.1 – pags. 58-66, 2018.
LATOUR, B. Dónde Aterrizar. Como
orientarse em política. Madri: Taurus, 2019.
LÖWY, M. Entrevista concedida a
Miguel Fuentes em 10/05/2017. Disponível em:
https//outraspalavras.net/posts/lowy-historia-razoes-e-etica-do-ecossocialismo.
Acesso: 14/02/2018.
MORIN, E. Ciência com Consciência.
3 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.
[1] Texto baseado em artigos próprios referenciados na
bibliografia.
[2] Professor Doutor Pesquisador do Programa de Pós
Graduação em Educação: contextos contemporâneos e demandas populares da Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro.
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