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Mais de 90 pessoas já foram encontradas mortas, e número de desaparecidos é de 259
O rompimento da
barragem de Brumadinho deve ser investigado como "um crime", afirmou à
BBC News Brasil o relator especial das Nações Unidas para Direitos
Humanos e Substâncias Tóxicas, Baskut Tuncak.
"Esse desastre exige
que seja assumida responsabilidade pelo que deveria ser investigado
como um crime. O Brasil deveria ter implementado medidas para prevenir
colapsos de barragens mortais e catastróficas após o desastre da Samarco
de 2015", disse Tuncak, em referência à tragédia de Mariana.
Segundo
o relator da ONU, as autoridades brasileiras deveriam ter aumentado o
controle ambiental, mas foram "completamente pelo contrário", ignorando
alertas da ONU e desrespeitaram os direitos humanos dos trabalhadores e
moradores da comunidade local.
"Os esforços contínuos no Brasil
para enfraquecer as proteções para comunidades e trabalhadores que lidam
com substâncias e resíduos perigosos mostram um desrespeito insensível
pelos direitos das comunidades e dos trabalhadores na linha de frente",
disse o especialista.
Até a terça, 29 de janeiro, haviam sido
confirmadas 99 mortes, das quais 57 corpos tinham sido identificados.
Pelos menos 259 vítimas seguiam desaparecidas.
Tuncak
ponderou que a "investigação ainda está em andamento" e que por isso a
ONU ainda não pode "comentar sobre as lacunas específicas de proteção"
para apontar conclusivamente quais erros levaram à tragédia de
Brumadinho, mas ressaltou que a postura brasileira é particularmente
"preocupante".
"É particularmente preocupante que especialistas
ambientais e membros da comunidade local tenham expressado preocupação
sobre o potencial de rompimento do barragem de rejeitos" e que o Brasil
tenha ignorado esses alertas, avaliou Tuncak.
"O Brasil deveria
ter, muito antes, assegurado o monitoramento efetivo da barragem,
incluindo registros robustos da toxicidade e outras propriedades do
material sendo descartado, implementado sistemas de alerta precoce para
evitar a perda de vida e contaminação no caso da barragem se romper",
disse.
"Nem o governo nem a Vale parecem ter aprendido com seus
erros e tomado as medidas preventivas necessárias após o desastre da
Samarco", criticou.
Em nota após o acidente, a Vale afirmou que
"a barragem possuía Fator de Segurança de acordo com as boas práticas
mundiais e acima da referência da Norma Brasileira. Ambas as declarações
de estabilidade mencionadas atestam a segurança física e hidráulica da
barragem". Segundo a companhia, ela passava por inspeções de campo
quinzenais. "Todas estas inspeções não detectaram nenhuma alteração no
estado de conservação da estrutura."
Alerta sem resposta
De
acordo com as Nações Unidas, em julho de 2018, cinco Relatores
Especiais da ONU e um Grupo de Trabalho do Conselho de Direitos Humanos
expressaram ao governo brasileiros preocupação com a situação ambiental
da mineração no país.
Eles temiam que o Brasil não tivesse tomado
medidas adequadas para fornecer uma solução eficaz ao descaso que
resultou no desastre da Samarco – companhia que tem como donas a mesma
Vale e a a anglo-australiana BHP.
Em resposta, o governo não
indicou quais medidas práticas estavam sendo implementadas para evitar a
recorrência de uma tragédia como a que atingiu Mariana naquele ano.
À BBC Brasil, a ONU informou que o governo brasileiro ignorou solicitações de visita feitas pelos relatores especiais.
"O
Sr. Tuncak solicitou repetidamente um convite do Brasil para visitar o
país e Minas Gerais, em especial, para avaliar as medidas tomadas pelo
governo e empresas para proteger os Direitos Humanos de tais desastres
catastróficos. (…) Ele não recebeu sequer uma resposta às solicitações
de convite."
As últimas cartas enviadas pelo relator foram
protocoladas em 7 de agosto e 7 de dezembro de 2018. A tentativa
derradeira foi enviada cerca de seis semanas antes da tragédia.
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Buscas por desaparecidos continuam nesta segunda-feira
A Missão Permanente do Brasil junto à Organização
das Nações Unidas e Demais Organismos Internacionais em Genebra
respondeu à alegação de Tuncak com uma declaração enviada por email à
BBC Brasil.
A missão informou que "desde 2001, o Brasil tem
convite permanente a todos os relatores e demais titulares de
procedimentos especiais da ONU para visitarem o país" e reiterou que o
país mantém uma postura "aberta e transparente", tendo recebido 26
visitas de titulares de procedimentos especiais desde 1992.
Quanto
ao episódio das cartas, a missão afirma que a primeira mensagem do
relator Baskut Tuncak foi recebida em agosto de 2018 e propunha que a
realização da visita viesse a ocorrer somente em 2019.
"Em reação a
essa carta, a Missão organizou reunião com o relator. Na oportunidade,
foi lhe dito que a visita seria organizada em 2019, em período adequado.
Em dezembro, o senhor Baskut Tuncak reiterou, em nova carta, seu desejo
de realizar a visita "em 2019""; frisou o comunicado.
"Diante
desses fatos, só me resta lamentar que alguns relatores sejam rápidos em
divulgar suas críticas, mas não tenham a mesma celeridade em pesquisar
os fatos", afirmou a embaixadora.
A Representante Permanente do
Brasil, embaixadora Maria Nazareth Farani Azevêdo, salientou porém que
"as portas da Missão do Brasil em Genebra estão sempre abertas".
Deslegitimar defensores
O
relator também expressou preocupação com a situação enfrentada por
defensores do meio ambiente, trabalhadores e comunidades que tentam
defender seus direitos frente à indústria da mineração.
"Estou
profundamente preocupado com relatos de que o governo estaria tentando
deslegitimar os defensores ambientais como sendo uma suposta ameaça
econômica, ou uma conspiração estrangeira", afirmou.
"O governo
deveria proteger esses defensores e respeitar seu direito à liberdade de
expressão e de associação, valorizando a contribuição essencial que
eles fazem para promover o desenvolvimento sustentável e os direitos
humanos", reforçou.
Tragédia anunciada
Tuncak
questionou a previsibilidade da tragédia, porque a instalação dos
trabalhadores foi construída em um local evidentemente vulnerável. "É
questionável porque onde a instalação para os trabalhadores foi
construída estava abaixo da barragem de rejeitos, considerando a clara
existência de tal risco (de rompimento)."
"Os números chocantes
daqueles encontrados mortos e desaparecidos apontam que este é um dos
piores desastres da indústria de mineração na história. O que é
particularmente notório é a aparente falta de medidas preventivas
tomadas pelo governo e pela empresa ao longo de 3 anos após o desastre
da Samarco", disse.
Tuncak ressaltou que já em 2012 a ONU havia
preparado um relatório sobre o tema da mineração e do risco das
barragens de rejeitos, mas que a indústria da mineração parece
insensível aos apelos por maior sustentabilidade.
De acordo com a
Organização Internacional do Trabalho, OIT, que monitora globalmente
acidentes de trabalho, "esse é o pior desastre de barragem de rejeito da
década".
A organização não forneceu estatísticas específicas
sobre as tragédias mais mortais, porém afirmou à BBC News Brasil que já
houve no passado tragédias superiores à de Brumadinho.
Em 2004 o
Brasil ratificou a convenção da OIT de 1995 para "segurança e saúde nas
minas". Apesar da conformidade com os tratados internacionais, segundo
Tuncak são "inúmeros" os casos de impunidade, "onde pouca ou nenhuma
responsabilidade é encontrada", diz.
De acordo com o relator, os
moradores das regiões exploradas raramente são beneficiados pela
operação extrativista. "Os benefícios econômicos dessas indústrias
dificilmente são compartilhados com as comunidades sujeitas a abusos de
seus direitos, devido à poluição tóxica e outras formas de degradação
ambiental."
"O setor de mineração tem uma longa história de abusos
dos direitos humanos a partir dos riscos e conflitos inerentes que
cria. O legado tóxico dos projetos de mineração em todo o mundo –
incluindo o catastrófico colapso de barragens de rejeitos – impacta os
direitos humanos à vida, à saúde, ao trabalho seguro, à água potável,
aos alimentos, e a um ambiente saudável", resume.
Segundo ele, o
Brasil precisa "garantir que suas leis, políticas e práticas" respeitem
os direitos das comunidades e trabalhadores que enfrentam "riscos tão
graves".
"O Brasil não pode retroceder em sua obrigação de
proteger os direitos dos trabalhadores e comunidades locais, que
continuam a enfrentar riscos excessivos devido à mineração e outras
indústrias extrativas", defendeu. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
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