quinta-feira, 18 de abril de 2019

NOTA DE REPÚDIO PELA EXTINÇÃO DE COLETIVOS DEMOCRÁTICOS - DECRETO 9.759/2019


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NOTA DE REPÚDIO PELA EXTINÇÃO DE COLETIVOS DEMOCRÁTICOS - DECRETO 9.759/2019

O Decreto 9.759/19, que extingue e estabelece diretrizes, regras e limitações para colegiados da administração pública federal, publicado no Diário Oficial da União em 11 de abril de 2019, que entre outras medidas revoga o Decreto que instituiu a Política Nacional de Participação Social; foi editado sem qualquer debate ou justificativa que traga a razão legislativa que ampara a extinção generalizada de uma instância político-administrativa essencial na gestão pública democrática.

A justificativa apresentada formalmente nos círculos governamentais, é a melhoria da eficiência da máquina pública; embora o próprio presidente da república, em seu Twitter, afirmou que a publicação deste decreto “significa que centenas de conselhos e comissões inúteis de participação e controle social criados pelo PT serão extintos”. No mesmo post, Bolsonaro afirma pretender derrubar “a participação social como método de governo”, “para reduzir o poder de entidades aparelhadas politicamente usando nomes bonitos para impor suas vontades, ignorando a lei e atrapalhando propositalmente o desenvolvimento do Brasil”.

Baseado em leitura ideológica e em teoria conspiratória, este Decreto representa um grave atentado contra o Estado Democrático de Direito, pois a participação popular é garantida na Constituição Federal de 1988.

Os órgãos colegiados são uma conquista da Constituição de 1988, na transição democrática no Brasil. São estruturas político-administrativas presentes em todas as políticas, programas e ações governamentais em suas múltiplas pautas, que asseguram a participação da sociedade civil organizada e o controle social sobre o Estado. Por esse motivo, a composição dos órgãos colegiados, geralmente é paritária entre os representantes do governo e da sociedade civil.

A Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), concebida para ser democraticamente conduzida, conta com um órgão colegiado consultivo criado por decreto - o Comitê Assessor do Órgão Gestor da PNEA -, composto por treze membros representativos de diversos segmentos sociais. A gestão participativa da PNEA encontra-se agora ameaçada de perder essa instância de participação e controle social da política pública de educação ambiental.

Com este Decreto, políticas públicas de meio ambiente, educação, saúde, direitos humanos, igualdade racial, indígena, rural, cidades e LGBT entre outras, deixarão de contar com a participação social, e tais pautas serão definidas e implementadas exclusivamente pelos governantes. Trata-se, em suma, de uma medida que instaura um método de governo autoritário que descarta a participação da sociedade de


forma mais ampla, no monitoramento e implementação de políticas públicas nesses segmentos.

Considerando que este Decreto representa uma ameaça à Democracia e uma afronta à Constituição Federal; o Observare vem a público repudiar e cobrar medidas do poder judiciário e do legislativo pela imediata revogação deste Decreto.



domingo, 14 de abril de 2019

Os 100 primeiros dias …

le monde



Os 100 primeiros dias …
por Alexandre Busko Valim e Juliana Sayuri
Abril 10, 2019
Imagem por Hans Holbein, Dança da Morte ou Dança Macabra


De <https://diplomatique.org.br/os-100-primeiros-dias/>


Após um trimestre turbulento, deflagraram-se demissões, disputas internas, crises e um vaivém de medidas polêmicas, marcadas por declarações e recuos em tempo recorde. Neste especial, autores de diferentes áreas analisam os rumos das principais pautas do atual governo, a partir das iniciativas dos ministérios e seus impactos reais


Jair Bolsonaro (PSL) assumiu a Presidência da República em 1º de janeiro de 2019. Passados os 100 primeiros dias do novo governo, deflagraram-se demissões, disputas internas, crises e um vaivém de medidas polêmicas, marcadas por declarações e recuos em tempo recorde.
Em fins de 2018, publicamos o especial Feliz Ano Velho na edição digital de Le Monde Diplomatique Brasil, com artigos de historiadores sobre o despertar de fantasmas antigos do autoritarismo com a ascensão do ex-capitão ao Palácio do Planalto.
Desta vez, em abril de 2019, convidamos autores de diferentes áreas para analisar os rumos das principais pautas do atual governo, a partir das iniciativas dos ministérios e seus impactos a trabalhadores, educadores, cientistas, mulheres e minorias, direitos humanos, políticas culturais, relações internacionais.
O historiador Adriano Duarte, da Universidade Federal de Santa Catarina, discute como o Ministério do Trabalho resistiu durante quase 90 anos, incluindo dois períodos autoritários (o Estado Novo de 1937 a 1945 e a ditadura militar de 1964 a 1985), e agora foi segmentado e incorporado a outras pastas, indicando a vitória de um projeto neoliberal: “O mercado acima de tudo, os indivíduos acima do todo”.
O cientista político Luis Felipe Miguel, da Universidade de Brasília, destrincha como o ex-Ministério da Educação sob Ricardo Vélez Rodríguez se pautou em iniciativas que, a priori, se posicionam contra o ensino público e crítico. Na prática, diz Miguel, duas palavras sintetizam a postura do governo diante da educação: “É contra”.
O historiador Sidnei Munhoz, da Universidade Estadual de Maringá, escreve sobre o destino do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. Segundo Munhoz, o desenvolvimento científico e tecnológico estará fadado ao fracasso se prevalecerem o estrangulamento orçamentário e as políticas de desmonte de financiamento à pesquisa iniciadas por Michel Temer e acirradas por Jair Bolsonaro.
A cientista política Flávia Biroli, da Universidade de Brasília, aborda o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. De acordo com a análise da autora, diversos grupos vêm confrontando a agenda feminista. Três se destacam: evangélicos conservadores, como a ministra Damares Alves; o movimento Escola Sem Partido; e o clã Bolsonaro.
O pesquisador Alfredo Manevy, da Universidade Federal de Santa Catarina, lembra a trajetória do Ministério da Cultura, fundado logo após a redemocratização (1985) e como a iniciativa caiu sob Fernando Collor, ressurgiu sob Itamar Franco, resistiu sob Michel Temer e golpeada novamente sob Jair Bolsonaro. Ex-secretário do MinC e diretor-presidente da Spcine, Manevy argumenta que, apesar da ausência da pasta, manifestações culturais e artísticas continuarão buscando vez e voz.
O historiador Adriano de Freixo, da Universidade Federal Fluminense, assinala a guinada radical nas diretrizes históricas do Ministério das Relações Exteriores sob Ernesto Araújo, destacando tentativas inclusive de transformações institucionais dentro do próprio Itamaraty. Segundo Freixo, os próximos meses serão decisivos para as pretensões do atual chanceler e do núcleo duro do bolsonarismo.
O historiador Rivail Rolim, da Universidade Estadual de Londrina, trata da situação dos direitos humanos após a vitória de um projeto que, diversas vezes, defendeu ideias contrárias aos direitos humanos e de estímulo à repressão no país. Para Rolim, a proposta anti-crime atual fomenta um cenário de insegurança pública e jurídica, um impasse para o avanço na construção de um Estado democrático de direito.
Por fim, o pesquisador Gilberto Maringoni, da Universidade Federal do ABC, e o consultor Artur Araújo, ex-diretor da Embratur, radiografam os diversos grupos de interesse que orbitam em torno do governo. Os autores identificam quatro núcleos: o nicho ideológico (composto pelos ministros Ricardo Vélez Rodríguez, Ricardo Salles, Ernesto Araújo e Damares Alves, além dos filhos do presidente), a ala fardada (altos oficiais militares de direita), a estrutura judicial (liderada pelo ex-juiz Sérgio Moro) e a pasta dos negócios (coordenada pelo economista Paulo Guedes).
A partir do Dezoito de Brumário de Karl Marx, Maringoni e Araújo argumentam que a composição simboliza a ascensão do lumpesinato ao poder: um governo lúmpen, aventureiro, aberto a interesses imediatos e avesso a projetos de longo prazo, incitando a disputa de cada um contra todos – ou, nas palavras de Leviatã, de Thomas Hobbes, lembradas pelos autores: “Todo homem é inimigo de todo homem”.

Por Alexandre Busko Valim é Professor do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e autor de O Triunfo da Persuasão (Alameda, 2017), entre outros
e Juliana Sayuri é jornalista, historiadora e autora de Diplô: Paris – Porto Alegre (Com-Arte, 2016) e Paris – Buenos Aires (Alameda, 2018)

De <https://diplomatique.org.br/os-100-primeiros-dias/>

PAULO FREIRE



https://www.pfz.at/

Ao senhor Eduardo Bolsonaro,

não vai ser possível te fazer compreender a grandeza de Paulo Freire nesses poucos parágrafos, pra isso seria necessário o senhor ler os livros dele antes de se propor a falar sobre o que você não entende. Mas posso tentar te ajudar a saber um pouco melhor quem foi Paulo Freire, um homem de espírito grande, e livre de muitas das amarras do ego que a maioria de nós trazemos.

Patrono da educação brasileira, Paulo Freire é o acadêmico brasileiro mais homenageado de todos os tempos, com 29 títulos de Doutor Honoris Causa por universidades da Europa e da América, e centenas de outras menções e prêmios internacionais, entre eles o prêmio Educação pela Paz, da UNESCO, que Freire recebeu em 1986.

De acordo com levantamento do pesquisador Elliott Green, professor da Escola de Economia e Ciência Política de Londres, Paulo Freire é o terceiro pensador mais citado do mundo em trabalhos acadêmicos da área das ciências humanas.

Sua obra 'Pedagogia do Oprimido' está na lista dos 100 livros mais pedidos em universidades de língua inglesa pelo mundo. Este livro de Freire foi o único livro brasileiro a entrar no top 100 desta lista. E quando consideramos apenas os autores da área da Educação, o livro de Paulo Freire é o segundo livro mais consultado em bibliotecas de língua inglesa do mundo inteiro.

Na década de 1960, Paulo desenvolveu uma metodologia que alfabetizou 300 cortadores de cana no Rio Grande do Norte em 45 dias, baseando-se nos contextos e saberes de cada comunidade, respeitando as experiências de vida próprias de cada indivíduo. Foi então convidado para preparar o Plano Nacional de Alfabetização, no governo João Goulart, que previa a ampliação da sua metodologia para formação de educadores em escala nacional. O Golpe Militar, porém, interrompeu o plano, Paulo Freire foi preso por 70 dias e posteriormente exilado do nosso país. Em 1968, Freire foi convidado para ser professor visitante na Universidade Harvard, nos Estados Unidos.

Há instituições de ensino que seguem o método Paulo Freire em diversos países. É o caso da Revere High School, escola em Massachusetts que em 2014 foi avaliada como a melhor instituição pública de Ensino Médio nos Estados Unidos.

Não é nenhuma surpresa que seu Jair "queremos-uma-garotada-que-não-se-interesse-por-política" Bolsonaro queira acabar com a influência de Paulo Freire na educação brasileira. Freire explicou antecipadamente essa intenção de Bolsonaro numa frase bem didática:

"Seria uma atitude ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que proporcionasse às classes dominadas perceber as injustiças sociais de maneira crítica" (Paulo Freire)

É verdade que infelizmente as ideias de Paulo Freire não foram amplamente colocadas em prática no Brasil. Se nossas escolas tivessem realizado concretamente a ideia de educação para o pensamento crítico e libertário de Paulo, provavelmente o senhor Eduardo Bolsonaro e seu pai jamais teriam sido eleitos representantes do povo brasileiro. Então não surpreende de nenhuma forma que o senhor e seus eleitores não conheçam bem o trabalho de Paulo Freire.

Você, seu pai e Olavo propõem acabar com a influência de Paulo Freire na educação brasileira alegando que ele teria "acabado com o nosso ensino". O engraçado é que as ideias de Paulo Freire, tendo sido muito mais aplicadas no exterior do que no Brasil, não acabaram com a qualidade do ensino da:

Austria - Instituto Paulo Freire
http://www.pfz.at/

Alemanha - Paulo Freire Kooperation, Oldenburg
http://www.freire.de/

Finlândia - Paulo Freire Center
http://www.kriittisetpedagogit.fi/

Holanda - Centro Paulo Freire, Vrije Universiteit Amsterdam
https://www.vu.nl/en/about-vu-amsterdam/faculties-and-institutes/cpf/index.aspx

Inglaterra - Freire Institute, University of Central Lancashire
http://www.freire.org/

Estados Unidos - Paulo Freire Democratic Project, Chapman University
https://www.chapman.edu/ces/research/centers-and-partnerships/paulo-freire/index.aspx

Canada - The Freire Project
http://www.freireproject.org/

França - Institut International bell hooks - Paulo Freire
https://emancipaeda.hypotheses.org/

Itália - Istituto Paulo Freire
http://paulofreire.it/

Portugal - Instituto Paulo Freire
http://www.ipfp.pt

África do Sul - Paulo Freire Project, University of KwaZulu
http://cae.ukzn.ac.za/PauloFreireProject.aspx

Portanto, seu Eduardo, me diga você quais foram os prêmios, as menções honrosas internacionais, o reconhecimento acadêmico ou mesmo prático de Olavo de Carvalho em alguma fila de pão do Brasil profundo e então voltamos a conversar.

Desejo humildade e sabedoria pro senhor.
Prof. Rafael Dias.



vídeo: Paulo Freire
música: Pixinguinha (rosa)
direção: Michèle Sato




 Canoas, RS - 2013

 Brasíli, DF

 Montevideo, Uruguai

 Pirituba, SP

 Recife, 1997

 Ribeirão Preto, SP

Santiago, Chile

Campinas, SP 

 Suécia, homenagem ao lado de Neruda, Mao, e outros

 Taboão da Serra, SP

 Chile, Univ del Bio



louca por paulo freire:
(mimi)

livros, 
artigos relacionados
fotos
imagens


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NOTA DE REPÚDIO Lista Tríplice das Eleições - Unirio




EXCELENTÍSSIMOS SENHORES E SENHORAS
Membros do Colegiado Eleitoral
UNIRIO – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

Brasil, 14/04/2019.

Prezadas Senhoras e Prezados Senhores,

Nós do OBSERVARE - Observatório de educação ambiental, nos somamos ao grito indignado da comunidade acadêmica da UNIRIO - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, da nota de repúdio do ANDES - Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições do Ensino Superior, e demais integrantes de outras Instituições do Ensino Superior, em relação a uma atitude inadmissível e anti democrática de não acatar a manifestação da comunidade acadêmica da Unirio para o pleito da nova reitoria, que elegeu em consulta pública sua preferência, com 72% dos votos o Prof. Leonardo Castro, educador ambiental, coordenador do grupo de educação ambiental Desde El Sur da UNIRIO.  

Vimos nos manifestar contra a decisão do Colegiado eleitoral pelo posicionamento contrário à vontade da maioria ao não indicar em primeiro lugar da lista tríplice, além de adicionar um nome que não fez parte do pleito na consulta pública. Compreendemos isso como uma atitude de desagravo à democracia, um descaso com a participação da comunidade acadêmica que elegeu um resultado no pleito. Isso  e se constitui em um perigoso precedente às demais instituições de ensino superior, principalmente no período de exceção como
vivemos.

A Universidade pública hoje está sob ameaça e se torna ainda mais vulnerável frente à situação concreta de desrespeito às práticas democráticas que se consolidou em nossas Universidades nos últimos anos. Negligenciada pelas atuais políticas, têm sofrido paulatinas derrotas e retrocessos nas suas atuações de ensino, da pesquisa, da extensão e dos diálogos da internacionalização.

Afirmamos aqui nosso protesto e intenção de luta pela manutenção da democracia em nossas Universidades Públicas e na sociedade brasileira.

NÃO AO GOLPE!
A FAVOR DA DEMOCRACIA!

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Ecologia poética de Cortázar

https://revistacult.uol.com.br/home/ecologia-poetica-de-cortazar/

Ecologia poética de Cortázar

Ecologia poética de Cortázar
Os poemas de Cortázar falam da própria poesia, do cotidiano, das vertigens do sentimento amoroso (Foto: Reprodução)

O último livro publicado em vida por Julio Cortázar (1914-1984), no mesmo ano de sua morte, foi a extraordinária reunião de poemas Salvo el crepúsculo, com textos escritos ao longo de sua carreira e que o acompanharam como uma espécie de caderno de anotações à margem da prosa e de seu percurso intelectual, um contraponto discreto e refinado à obra de ficção que o notabilizou.
Aquilo que muitos intérpretes consideram, com certa ingenuidade, ser o teor fantástico, ou surreal, na prosa do autor de O jogo da amarelinha (Rayuela, 1963), pode ser entendido também como uma poética longamente pensada e experimentada na linguagem, sempre multifacetada, inclusive na crítica e no ensaio. No cerne das imagens labirínticas e dos enredos aparentemente desconcertantes de Cortázar, havia a consciência do caráter analógico que está na raiz da poesia e que confere ao literário um campo de infinitas combinações e surpresas. Para além da representação do mundo, ainda que sob uma perspectiva autoral, existe a possibilidade de recriar os fatos, ou simplesmente instaurar novas dimensões do real, em permanente construção.
O título do livro Salvo el crepúsculo foi retirado de um haicai do poeta japonês Matsuo Bashô (1644-1694), que diz: “Este caminho/ já ninguém o percorre/ salvo o crepúsculo”. Escolha de saída emblemática para um livro que recolhe a maior parte da poesia escrita pelo escritor argentino, já próximo da morte, perfazendo quase um balanço dessa produção subterrânea, paralela à ficção. Também é significativa, no poema de Bashô, a alusão ao caminho abandonado, que pode ser a memória, ou toda experiência que deixamos passar sem a devida consideração, os pormenores, o inesperado, a singularidade, o espanto e o encantamento. Dado que será fundamental para a obra ficcional de Cortázar.
Ao explicar a proposta do conjunto de poemas compilados no livro, Cortázar afirma que não queria “mariposas presas num cartão”, mas que buscava “uma ecologia poética”, para observar-se de longe e às vezes se reconhecer “a  partir de mundos diferentes, a partir de coisas que só os poemas não haviam esquecido e me guardavam como velhas fotografias fiéis”. Ainda na mesma breve apresentação, o autor revela o critério bastante subjetivo que utilizou para dar forma à antologia: “não aceitar outra ordem que a das afinidades, outro cronologia que a do coração, outro horário que o dos encontros casuais, os verdadeiros”. O tom pessoal, quase íntimo, parece contrastar com a elaboração sofisticada de seus ensaios, ou a tessitura experimental e exigente de seus contos, mas se levarmos em conta a poesia que realizou e suas reflexões sobre o assunto, é possível notar que existe uma fina sintonia nesse imenso e original projeto literário, como um fio de Ariadne que conduz a travessia do poeta e do prosador através da linguagem.
Os poemas de Cortázar falam da própria poesia, do cotidiano, de mitos e personagens lendários, das vertigens do sentimento amoroso, de Buenos Aires e Paris, obviamente, da arte, do jazz, do tango, de como o tempo se torna uma grande fantasia, ou um temível pesadelo, de cenas banais que se transformam em pequenas epifanias, numa mistura nem sempre equilibrada de lirismo, melancolia, humor e crítica. As referências são as mais diversas, no tempo e no estilo, de Rimbaud a Clarice Lispector, de Yeats a e. e. cummings, de uma canção de Joni Mitchell a Louis Aragon, de Shelley a Laurence Stern, a lista poderia se multiplicar e intercambiar ao infinito.
O poeta Cortázar traça correspondências entre coisas do pensamento e da realidade para mostrar que a razão não é a ordenadora soberana de nossas condutas e que os modos de entendimento são atravessados pelo lúdico, pela fantasia, pelo caos dos sentidos que o poético desnuda. Num curto e belo poema metalinguístico do livro, Cortázar escreve: “Encharcado de abelhas,/ no vento sitiado de vazio,/ vivo como um ramo,/ e no meio de inimigos sorridentes,/ minhas mãos tecem a lenda,/ criam o mundo esplêndido,/ esta vela estendida”. A obsessão pela deriva na história, a mínima, pessoal, e a da sociedade, fantasmagórica, como se o sentido não estivesse em parte alguma, ou em todo lugar, para escrever a vida, ou extrair da vida a sua escrita própria, seu discurso vivo. Fazer com que o vivido se escreva e seja escritura. O escritor é aquele que cria mundos esplêndidos e vive cercado pelo vazio.
Em outro momento, num dos vários sonetos presentes no livro, Cortázar define o amor como uma “estátua leal, de costas para o futuro,/ com um nome infinito e repetido/ de pedra e sonho e nada”. Imagem que lembra o anjo de Paul Klee, citado por Benjamin em suas famosas “Teses sobre o conceito de história”, de 1940, aqui transplantado para o cenário amoroso e sua precariedade humana e terrena, em fecho mallarmaico.
Nessa alternância de formas e dicções, de temas e tons, que pode ir do mais grave ao coloquial, ou do confessional ao reflexivo, percebe-se nos poemas de Cortázar a tentativa de dar conta de muitos elementos que gravitam entre as questões que norteiam sua obra, como a polissemia, o deslocamento de perspectiva e de foco narrativo, a instabilidade do discurso racional, o desenraizamento, a sobreposição temporal, a correspondência de imagens, vozes e ambientação, os cortes abruptos de clima, ambiente, fluxo discursivo. Em livros como Histórias de cronópios de famas (1962), Último round (1969) e Prosa do observatório (1972), é evidente a contaminação da prosa pela poesia, de uma prosa porosa ao poético, musical e lúdica.
No belo e revelador ensaio “Por uma poética”, de 1954, Cortázar revela sua visão sobre a poesia e de como ela se estrutura historicamente, enquanto recurso de linguagem baseado no mecanismo da analogia, ou da metáfora. A partir da referência a antropólogos, como Lévy-Bruhl e Charles Blondel, e a muitos poetas, o escritor defende que a proximidade entre o poeta e o homem primitivo se dá pelo “estabelecimento de relações sólidas entre as coisas por analogia sentimental, pois certas coisas são às vezes o que outras são, porque se para o primitivo existe árvore-eu-sapo-vermelho, também para nós, de súbito, o telefone que toca num quarto vazio é o rosto do inverno ou o cheiro de luvas onde houve mãos que hoje moem seu pó”.
Enquanto a progressão da racionalidade eliminou do nosso horizonte de pensamento “a cosmovisão mágica”, substituída “pelo método filosófico-científico”, o poeta representa “o prosseguimento da magia em outro plano”, como um “fazedor de intercâmbios ontológicos”, uma vez que “o poeta e suas imagens constituem e manifestam um único desejo de salto, de irrupção, de ser outra coisa”. Essa projeção no outro, em outra experiência que também é sua, por apropriação ou transfiguração, leva Cortázar a definir “que todo verso é encantamento, por mais livre e inocente que se ofereça, é criação de um tempo e um estar fora do ordinário, uma imposição de elementos”. Até parece que o autor estava definindo, de maneira oblíqua, sua própria ficção, ou nos dando uma pista de como o poético estaria na essência de seu processo criativo, aquela “ecologia poética”, e fertiliza a experimentação com a linguagem.
O escritor argentino Julio Cortázar (Foto: Ulla Montán)
Julio Cortázar; autor de uma prosa porosa ao poético, musical e lúdica (Foto: Ulla Montán)
Publicado em 2009, com edição de Aurora Bernárdez e Carles Alvarez Garriga, o livro Papeles inesperados traz um alentado volume de textos inéditos de Cortázar, guardados pelos herdeiros, com uma pequena seção final de poemas, demonstrando ainda sua persistente escrita dessas notas à margem, como a mosca insistente, que o poeta matou tantas vezes, “em Casablanca, Lima, Constantinopla, Montparnasse”, em espaços variados, como “um bordel, na cozinha, sobre um pente, no escritório, neste travesseiro”, tantas mortes recorrentes do inseto, num quase apelo kafkiano, em que o poeta confessa: “eu, como minha única vida”.
Ainda naquele ensaio sobre o poético, Cortázar escreve que “a admiração pelo que pode ser nomeado ou aludido engendra a poesia, que se proporá precisamente a essa nominação, cujas raízes de clara origem mágico-poética persistem na linguagem, grande poema coletivo do homem”. Um trecho do ensaio-poema-diário-de-viagem Prosa do observatório, entre muitos possíveis, ilustra a preocupação de Cortázar com a função poética da linguagem: “desde logo a inevitável metáfora, enguia ou estrela, desde logo cabide da imagem, desde logo ficção, ergo tranquilidade nas bibliotecas e poltronas; como quiseres, não há outra maneira aqui de ser um sultão de Jaipur, um bando de enguias, um homem que levanta o rosto para o aberto da  noite ruiva”.
Quando se retirou pelas estradas de Provença em sua perua “Fafner” para revisar as provas de O livro de Manuel, no verão de 1972, Cortázar escreveu um livrinho notável de apontamentos, que registram suas inquietações sobre a própria obra, a vida, a literatura e a realidade ao redor, não só a da paisagem, como a que vinha pelo rádio, em boletins de notícias a cada quarto de hora, “o diário de uma rotina de escritor”. Material precioso e raro para adentrar a intimidade da criação, os impasses, as referências, a construção da narrativa, dos personagens, a memória, a porosidade aos fatos, a tragédia nas Olimpíadas de Munique, poesia e política, histórica e psique, tudo a reclamar “algo como uma osmose com o circundante”. Poesia como outro lado da moeda da prosa, “região onde as coisas renunciam à sua solidão e se deixam habitar”, que pode ser “uma casa tomada”, um “bestiário”, um “octaedro”.

Reynaldo Damazio é editor, poeta e crítico literário

Eduardo Bolsonaro pergunta qual o legado de Paulo Freire e vira piada nas redes


https://www.revistaforum.com.br/eduardo-bolsonaro-pergunta-qual-o-legado-de-paulo-freire-e-vira-piada-nas-redes/

14 DE ABRIL DE 2019, 11H49

Eduardo Bolsonaro pergunta qual o legado de Paulo Freire e vira piada nas redes

O deputado federal, ao sair em defesa de Olavo de Carvalho, demonstrou que não conhece o mínimo sobre a obra daquele que é considerado um dos maiores educadores do mundo; "Falta o pessoal da esquerda agora dizer quem é Paulo Freire e o seu legado na educação nacional"
Reprodução
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) virou motivo de piada nas redes sociais por desafiar “a esquerda” a dizer quem foi Paulo Freire e seu legado para a educação nacional.
“Diariamente mostramos quem é Olavo de Carvalho @opropriolavo. Falta o pessoal da esquerda agora dizer quem é Paulo Freire e o seu legado na educação nacional…”, escreveu o filho do presidente em seu Twitter na noite de sábado (13).
Internautas, então, resolveram aceitar o desafio e passaram a fazer centenas de postagens com referências a Paulo Freire, considerado um dos maiores educadores do mundo. Quase sempre com provocações e ironias direcionadas ao deputado federal, as postagens fizeram o termo “Paulo Freire” ir para os Trending Topics do Twitter.
Entre as respostas a Eduardo Bolsonaro ganharam destaque as que lembram que o autor de Pedagogia do Oprimido é o terceiro nome mais citado em trabalhos acadêmicos de humanas no mundo e que ele é o brasileiro com mais títulos de Doutor Honoris Causa de diversas universidades espalhadas por dezenas de países. Ao todo, são 41.

Docs de arte — 5 documentários indispensáveis que foram lançados nesta década

https://medium.com/@artikin/docs-de-arte-5-document%C3%A1rios-indispens%C3%A1veis-que-foram-lan%C3%A7ados-nesta-d%C3%A9cada-3b2253a943cf?fbclid=IwAR1Q8Yn3TWs9ecTmnC1_66Ym1lwZeo8YWoueaIOeUMbu6_I8ACwQQELNSsg

Docs de arte — 5 documentários indispensáveis que foram lançados nesta década

por Matheus Gouthier

Na indústria cinematográfica, os documentários de arte ganham espaço entre um público interessado em uma ter uma visão mais intimista do universo particular de um artista e suas obras.
Fugindo da videografia básica do gênero, que inclui O Mistério de Picasso (1956), Caverna dos Sonhos Esquecidos(2010) entre outros, selecionamos 5 documentários de arte lançados nesta década sobre temas, estilos e artistas variados, porém todos com uma mesma semelhança — são indispensáveis para apaixonados por arte.

CRAVOS

2018
direção – Marco Del Fiol
Uma família, três gerações de artistas; Mário Cravo Junior, parte da primeira geração do modernismo baiano; seu filho, Mário Cravo Neto, renomado fotógrafo e escultor brasileiro; Christian Cravo, filho de Cravo Neto e fotógrafo em ascensão. Entre arquivos familiares e declarações filosóficas dos artistas, a produção brasileira é assinada por Marco Del Fiol, diretor de Espaço Além: Marina Abramovic e o Brasil.
Onde assistir — O filme segue sendo exibido em mostras e festivais nacionais e internacionais, sem data de lançamento digital prevista.

Matangi/Maya/M.I.A.

2018
direção – Steve Loveridge
Aclamado no Festival Berlim e pela imprensa internacional, o documentário dirigido por Steve Loveridge, contém mais de 20 anos de gravações pessoais e inéditas de Matangi Maya Arapulgrasm (M.I.A), multiartista e ativista tâmil. Não poupando contrastes, as cenas atravessam a vida da artista, o que inclui a guerra civil no Sri Lanka, o palco do Oscar e o Super Bowl. O filme estabelece uma ligação metalinguística com a vida de Maya; não separando a nenhum momento Arte e Política, tal qual sua carreira. Indispensável para se pensar a relação entre estes dois pontos nos dias de hoje.
Onde assistir — O filme foi exibido em festivais e lançado em formato digital.

David Lynch — The Art Life

2016
direção – Rick Barnes, Olivia Neergaard-Holm, Jon Nguyen
Em tom biópico, o documentário amálgama a vida e obra do multiartista David Lynch, conhecido por filmes como EraserheadO Homem Elefante e a série Twin Peaks. Com ênfase em suas obras enquanto artista visual, o registro contém longos depoimentos, onde Lynch revela de forma intimista seu fascínio pela memória e o imaginário.
Onde assistir — O filme está disponível em mídia variada.

A Vida e a Arte de Stanislaw Szukalski

2018
direção – Irek Dobrowolski
Dirigido por Irek Dobrowolski, a produção original da Netflix explora a vida e obra de Stanislaw Szukalski, artista polonês radicado nos Estados Unidos. Famoso por lidar com os mitos de origem, Stanislaw fundou a pseudociência do Zermatismo, o que exerceu bastante influência em seus trabalhos, outros temas recorrentes em suas produções estão relacionados com a história e a mitologia da Polônia.
Onde assistir — O filme é uma produção do Netflix.

Exit Through the Gift Shop

2010
direção – Banksy
Documentário ou Mocumentário? A questão ainda perdura por se tratar de Banksy. Indicado ao Oscar e dirigido pelo próprio artista, a produção britânica trata de questões mercadológicas em tom descontraído. Representado pelo caso de Mr. Brainwash, pseudônimo de Thierry Guetta, ex-dono de brechó e aficionado por street art que se tornou conhecido em todo mundo assinando trabalhos para Madonna, Michael Jackson, Coca Cola e Mercedes-Benz, o longa traz uma crítica dúbia a indústria da arte e a artistas gerados pelo poder de especulação, ao mesmo tempo que propõe uma reflexão sobre o comportamento do artista, não nutrindo o blasé acadêmico de praxe no cubo branco.
Onde assistir — O filme está disponível em mídias variadas e no YouTube.

Matheus Gouthier — Artista audiovisual e jornalista cultural, pesquisa a direção de arte enquanto elo de expressões distintas; o kitsch e a apropriação em todas suas formas.
Artikin é um coletivo de curadoria, conteúdo e experiência em arte.
 — site | youtube | instagram | facebook | tumblr | medium | grupo FB

 Criada em 2015 em Portugal, o Climáximo é uma organização de ativistas climáticos, alinhada com o Ambientalismo Radical e baseada no princí...