segunda-feira, 30 de setembro de 2019

"Os políticos não admitem o fracasso sobre o clima". Entrevista com Greta Thunberg

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"Os políticos não admitem o fracasso sobre o clima". Entrevista com Greta Thunberg


30 Setembro 2019
 

    Ela diz que se sente emocionada com a recepção em Montreal e com as dezenas de milhares de pessoas que mataram aula ou faltaram ao trabalho para marchar pelo clima na cidade canadense. E, de fato, a Greta Thunberg, que está se preparando para participar da manifestação aos pés do Mont Royal, parece emocionada. Longe está a raiva com que no Palácio de Vidro havia criticado os líderes mundiais para que "se envergonhassem" por sua falta de ação. Mas a mensagem não mudou. Seja falando do primeiro-ministro canadense Justin Trudeau ou dos líderes das Nações Unidas, a jovem ativista sueca não tem dúvidas: os políticos fracassaram e, após tantas cúpulas internacionais e muitos discursos, ainda não o admitiram.
    A jovem de 16 anos, que chegou a Montreal de Nova York com o pai Svante a bordo de um carro elétrico emprestado por Arnold Schwarzenegger (um detalhe que ela acha "muito engraçado"), promete continuar, porque os ataques que ela recebe, com mais e mais frequência, mostram que a voz do movimento a favor do meio ambiente se tornou "forte demais para que os políticos a possam ignorar".
    A entrevista é de Elena Molinari, publicada por Avvenire, 28-09-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.

    Eis a entrevista.

    Greta, há milhares de jovens no mundo nas ruas pelo clima. Por que você acha que seu protesto chegou ao ponto de se tornar um fenômeno mundial?
    Eu não sei. Talvez tenha algo a ver com o fato de eu ter uma forma de autismo. Não me adapto às normas sociais, não me interessa fazer o que os outros fazem, sigo o meu caminho. Talvez os adultos tenham visto que eu não iria parar e eles começaram a prestar atenção.
    O clima para você vem primeiro? Você trancou a escola, sua mãe praticamente abandonou sua carreira como cantora de ópera, porque parou de viajar de avião, sua existência mudou completamente. Você não sente falta da sua vida anterior?
    Sim, mas isso é mais importante. Caso contrário, eu teria uma moral dupla, se eu falar que algo é importante, mas não o fizer, é uma dissonância cognitiva. Quando se acredita em algo, precisa fazê-lo.
    Você acha que os jovens são imunes a essa dupla moral?
    Para nós, é uma ameaça direta. Os mais idosos já estarão mortos quando as piores consequências dessa crise forem sentidas. Em vez disso, nós as veremos de perto, durante as nossas vidas: é por isso que os jovens estão tão preocupados.
    Depois de ouvir os discursos dos líderes mundiais na ONU e ter participado da Cúpula Mundial sobre o Clima no Palácio de Vidro, você tem mais esperança de que as coisas mudem?
    Ainda há muito o que fazer, ainda tudo. Nada mudou por enquanto. Nenhum líder realmente admitiu que tenha fracassado na proteção do planeta. Ainda não se tornou uma prioridade.
    O que você aprendeu ou o que mais impressionou durante a sua estadia nos Estados Unidos?
    O que me deixou assombrada nos Estados Unidos é que as pessoas se dividem entre aquelas que acreditam na mudança climática e aquelas que não acreditam. Mas não é uma escolha, são fatos.
    Qual foi a sua mensagem para Justin Trudeau (que encontrou na semana passada, ndr). Como você sabe, a indústria de petróleo e gás, especialmente a extração do óleo de xisto, é muito importante para o Canadá e tem efeitos desastrosos no clima ...
    Minha mensagem para todos os políticos do mundo é a mesma. Escutem a ciência. É fácil apontar o dedo contra uma única pessoa, mas todos os políticos falharam e devem começar a ouvir a ciência.
    Em Montreal, você foi recebida pelos líderes das Primeiras Nações Indígenas e os convidou para as manifestações. O que levou você a procurar essa colaboração?
    As populações indígenas protegeram a natureza por séculos. Elas sempre estiveram na linha de frente, por isso temos que ouvir suas vozes, é importante que elas deem sua contribuição para essa luta.
    O que você quer dizer para todas as pessoas que participam das marchas pelo clima em todo o mundo?
    Que o movimento se tornou muito grande, e isso é comovente. A principal coisa a fazer é se informar e depois agir. Por exemplo, eu sei que em breve haverá eleições no Canadá e espero que todos assumam suas responsabilidades. Não devemos subestimar nossa força coletiva.
    Você foi atacada por homens poderosos. O último, recentemente, o vice-primeiro-ministro húngaro, definiu você como "uma criança doente". Por que você acha que isso acontece?
    Não sei e não entendo por que eles fazem isso, quando poderiam usar seu tempo para fazer algo de bom. Talvez porque sintam que seu mundo, sua visão de mundo está ameaçada. Mas é um elogio para nós, saber que temos tal impacto. Nossa voz ficou forte demais para que eles a possam ignorar e então tentam silenciá-la.

    A AGENDA SECRETA DE RICARDO SALLES COM OS DESTRUIDORES DO PLANETA

    https://theintercept.com/2019/09/28/a-agenda-secreta-de-ricardo-salles-com-os-destruidores-do-planeta/

    A AGENDA SECRETA DE RICARDO SALLES COM OS DESTRUIDORES DO PLANETA

    O ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles no programa Roda Viva, na sede da Tv Cultura, na noite de segunda-feira, 26 de agosto. Foto: Adriana Spaca/FramePhoto/Folhapress
    Este texto foi publicado originalmente na newsletter do Intercept Brasil. Assine. É de graça, todos os sábados, na sua caixa de e-mails.
    Ricardo “Yale” Salles não para.
    Mesmo condenado por adulterar um mapa ambiental para a festa de mineradoras, Mr. Yale segue em seu cargo no Ministério do Meio Ambiente com uma agenda que, se for levada a sério, pode acabar com a necessidade da existência do próprio ministério (porque não teremos mais meio ambiente, de todo modo).
    O funcionário público Salles – que deveria estar viajando o mundo para valorizar os ativos naturais do país – está, neste momento, cumprindo uma agenda secreta no exterior. No site do ministério, sua agenda está assim:
    Então vamos a um exercício de transparência forçada, já que atuar nas sombras é uma prática do poder. A editora aqui do TIB Paula Bianchi conseguiu com o pessoal do Unearthed, a unidade de jornalismo investigativo do Greenpeace, a via nada sacra de Salles pelo exterior.
    E por que o ministro esconde sua agenda da população? Porque, para um ministro do Meio Ambiente, ela mais parece o calendário de compromissos de um ruralista ou de um garimpeiro da Serra Pelada.
    Alemanha, segunda-feira: ele vai se encontrar com a farmacêutica Bayer, condenada em maio desse ano a indenizar em 2 bilhões de dólares um casal dos EUA por causa do glifosato, uma das maiores bombas químicas legalizadas do mundo, proibida em muitos países, mas largamente utilizada no Brasil (leiam nossa reportagem sobre a cidade em que o agrotóxico glifosato contamina o leite materno e mata até quem ainda nem nasceu).
    Talvez Mr. Yalle estará lá para cobrar que a Bayer respeite nosso meio ambiente e pare de pressionar o país para aprovação de venenos. Vindo do governo que já aprovou mais de 260 (!) produtos só esse ano, nem por milagre. O encontro tem cara de beija-mão.
    Outros encontros na segunda-feira: mais uma empresa de agrotóxicos (a Basf), além da montadora Volkswagen. Será que Mr. Yale vai conversar sobre a fraude global que a Volks produziu ao mentir que seus carros eram verdes enquanto emitiam gases altamente tóxicos?
    Salles viaja para a Inglaterra na quinta. Lá, sua agenda secreta marca compromissos com – essas aspas são da agenda que conseguimos – “investidores ingleses (mineração, farmacêutica, energia, petróleo e gás e setor financeiro)”. Quem são eles? Quais os objetivos desses encontros? Nada na agenda, ninguém sabe. O ministério de Salles opera como um aparato clandestino de lobby privado.
    Antes de viajar para a Europa, Yale boy já havia se encontrado com negacionistas climáticos nos EUA. Seu histórico é um desastre. Em agosto, nossa editora senior Tatiana Dias expôs o método de trabalho da secretaria comandada por ele no governo de São Paulo. “A justiça reconheceu que a Fundação Florestal – então sob o comando de Salles – coagiu funcionários a cometerem ilegalidades, perseguindo os que não queriam se envolver na adulteração dos mapas ordenada pelo secretário.”
    Mr. Yale anda mais discreto, mas não menos destrutivo. Seus encontros estão fora da agenda pública. Nós pagamos seu salário mas não podemos saber com quem conversa. O que ele anda aprontando em segredo? Vamos descobrir.
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    COM APOIO DE IRMÃO DE BOLSONARO, RURALISTAS TENTAM IMPEDIR DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS EM SP

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    COM APOIO DE IRMÃO DE BOLSONARO, RURALISTAS TENTAM IMPEDIR DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS EM SP

    “Pelo que o chefe da Funai falou na audiência, sobre a possibilidade de redução da área [indígena], vai ser ótimo. Não vai ter atrito”, disse um agricultor que tem 10 mil pés de banana em uma área indígena. Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil

    https://theintercept.com/2019/09/11/irmao-bolsonaro-ruralistas-vale-ribeira/
    A POPULAÇÃO DE MIRACATU, no interior de São Paulo, nunca tinha visto tanta gente importante. Na tarde de 27 de agosto, membros do alto escalão do governo federal estiveram no município de 20 mil habitantes para ouvir mais de 100 empresários, posseiros e proprietários rurais afetados por demarcações de terras indígenas.
    Organizada por Nabhan Garcia, secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, a audiência pública na pequena cidade do Vale do Ribeira contou com a presença do presidente da Funai, Marcelo Xavier da Silva, do secretário-adjunto de Nabhan, dos superintendentes do Ibama e do Incra em SP, da diretora da Funai responsável pelas demarcações e de um representante do governo de São Paulo. Apesar do batalhão de autoridades, o evento não constou na agenda oficial de Nabhan nem de Xavier da Silva.
    Era a segunda visita de Nabhan à região. Em julho, ele se reuniu com produtores rurais afetados por nove terras indígenas identificadas pela Funai entre 2016 e 2017 no Vale do Ribeira. O convite ao secretário partiu do Sindicato Rural de Miracatu, entidade que questiona três desses territórios.
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    Renato Bolsonaro conversa com o ruralista Nabhan Garcia durante a audiência. 
    Fernando Martinho/Repórter Brasil
    Para atrair Nabhan duas vezes à pequena cidade em menos de dois meses, o sindicato contou com a influência do político e empresário Renato Bolsonaro, irmão do presidente da República. “Ele pode até ter ajudado [a trazer Nabhan], mas não vejo conflito de interesse”, afirma Joaquim Fernandes Branco, o ‘Tico Bala’, presidente do sindicato rural e aliado político de Renato. Em 2016, Tico Bala foi vice de Renato, que concorria pelo PR à prefeitura da cidade. Ficaram em terceiro lugar, com 21% dos votos.
    Antes da campanha de 2016, o irmão mais novo de Bolsonaro foi exonerado do cargo que ocupava na Assembleia Legislativa de São Paulo após uma reportagem do SBT revelar que ele não aparecia para trabalhar – apesar do salário de R$ 17 mil. À época, Renato disse que havia deixado o cargo para disputar a prefeitura de Miracatu.
    Comerciante conhecido na cidade – por causa do sobrenome e pelas tentativas de se eleger prefeito e vereador –, Renato assistiu à audiência, mas não pegou o microfone. Circulou pela sessão discretamente, deixando a sala inúmeras vezes para falar com políticos e empresários locais. Agiu como anfitrião ao receber os convidados especiais, mantendo conversas informais com Nabhan e seus assessores.
    Também estavam na audiência cerca de 40 indígenas guarani mbya, embora não tivessem sido convidados pelo Ministério da Agricultura ou pela Funai. Foram chamados de “paraguaios” pelo advogado do sindicato rural de Miracatu, e escutaram do presidente da Funai a promessa feita aos produtores de reavaliar as terras indígenas. Saíram de lá com a certeza de que os processos de demarcação estão ameaçados.
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    Saulo Guarani Ramires mostra a área da terra indígena Amba Porã, cujos limites foram identificados pela Funai em 2016.
     
    Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil

    Reservas na Mata Atlântica

    O Vale do Ribeira, onde o presidente e os cinco irmãos foram criados, abriga a maior área contínua de Mata Atlântica do país e duas terras indígenas já regularizadas pelo governo federal. Desde 2016, a Funai identificou outras nove áreas como pertencente a indígenas, em processos ainda não finalizados. Elas somam 25 mil hectares – área maior do que a cidade de Recife – e se sobrepõem a terras ocupadas por incorporadoras, pecuaristas, empresários, bananicultores, posseiros e pequenos agricultores.
    Com a eleição de Jair Bolsonaro – que cresceu em Eldorado, a 100 km de Miracatu –, a expectativa dos produtores locais é de permanecerem nas terras, já que o presidente da República prometeu diversas vezes não regularizar nenhum território indígena em seu mandato.
    “Pelo que o chefe da Funai falou na audiência, sobre a possibilidade de redução da área [indígena], vai ser ótimo. Não vai ter atrito”, me disse Alex Campreguer, que tem uma plantação de 10 mil pés de banana no bairro Santa Rita do Ribeira, onde foi identificada pela Funai a terra indígena Amba Porã, em Miracatu.
    Se essa área for oficialmente demarcada, 35 ocupantes não indígenas do território serão retirados, entre posseiros (sem escritura da terra) e proprietários rurais. Em Miracatu também foram identificadas pela Funai as terras indígenas Djaiko-Aty e Ka’Aguy Mirim, que afetam os imóveis de outros 50 produtores rurais.
    Durante a audiência pública, o presidente da Funai afirmou que vai analisar esses três processos de demarcação, além dos laudos técnicos elaborados por seus subordinados. “Anotei os números dos processos e faço questão de olhar com mais calma e dar uma satisfação aos senhores”, disse Xavier da Silva. “A quem interessa o conflito [por terras]? Não seria melhor conversarmos e vermos um ponto comum?”, completou.
    Para o Ministério Público Federal, no entanto, essas três terras indígenas já foram reconhecidas e identificadas pela área técnica da Funai, em processo que inclusive rejeitou a contestação feita pelo Sindicato Rural de Miracatu.
    “Qualquer reabertura de discussão dentro da Funai significaria uma ingerência política em um processo técnico. Não há precedentes de a Funai desfazer passos já aprovados. Se isso acontecesse, seria inédito e muito grave”, me disse o procurador Yuri Corrêa da Luz. Ele destaca que o MPF está acompanhando o caso, “pois há indicativos de que existe um movimento contrário às demarcações no Vale do Ribeira, mas que não se sustenta juridicamente”.
    Das outras seis terras indígenas em processo de demarcação na região, duas também tiveram seus processos finalizados pela área técnica da Funai e aguardam serem enviadas para o ministro da Justiça Sérgio Moro, responsável por assinar a demarcação (que depois deve ser homologada pelo presidente). Segundo o procurador, as outras quatro estão na fase de análise da contestação, em que a Funai analisa os pedidos contrários à demarcação – etapa final do processo.
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    Sentado na primeira fila, Renato Bolsonaro (o 2º da esquerda para a direita, de camisa polo cinza) acompanha a audiência pública para ‘discutir questões fundiárias’.
     
    Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil

    A visita de uma ‘amiga’

    Na audiência pública em Miracatu, o presidente da Funai estava acompanhado pela advogada Silmara Veiga de Souza, recém-nomeada diretora de Proteção Territorial do órgão, o departamento responsável pelas demarcações. Ela é natural de Iguape, também no Vale do Ribeira, onde foi identificada a terra indígena Ka’Aguy Hovy.
    Souza é conhecida entre os guaranis por ter advogado para duas incorporadoras e outros 18 clientes na ação que contesta a Ka’Aguy Hovy. Deixou o caso em julho, pouco antes de assumir o posto na Funai. Começou a trabalhar no órgão indigenista no início de agosto, mas sua nomeação foi publicada apenas em 2 de setembro.
    ‘A proposição é que as coisas sejam feitas de mãos dadas. Eu vi isso quando os indígenas deram as mãos para dançar.’
    No dia seguinte à audiência pública, Souza e o presidente da Funai visitaram duas aldeias dentro do território questionado pela advogada. “A senhora está vindo como defensora de imobiliária ou como diretora [da Funai]?”, perguntou Luiz Karai, liderança da Comissão Guarani Yvyrupa, em vídeo gravado pelos indígenas e obtido pela Repórter Brasil.
    “Eu não venho como diretora da Funai porque não estou nomeada, e não venho como advogada. Venho como amiga fazendo uma visita”, respondeu. “A proposição é que as coisas sejam feitas de mãos dadas. Eu vi isso quando os indígenas deram as mãos para dançar. Esse é o caminho, todos nós darmos as mãos como amigos para discutirmos nossas questões”, disse.
    Karai me disse que a resposta da advogada deixou a comunidade “ainda mais em dúvida” sobre suas intenções. “A doutora Silmara é contra a demarcação e a favor do interesse dos proprietários, mas se identifica como amiga dos índios?”, questiona. “Qual o interesse por trás disso? A audiência pública e a visita deles nos deixaram mais preocupados”, completa.
    A nova diretora da Funai não atendeu aos meus pedidos de entrevista, mas informou que está impedida de atuar, dentro do órgão, no processo de demarcação que ela contestou. A Funai não respondeu aos questionamentos da reportagem.
    Nabhan negou a influência de Renato Bolsonaro na realização da audiência pública. “Eu recebi um convite das autoridades, e não do irmão do presidente”, disse. Tico Bala, no entanto, admitiu que foi o sindicato quem convidou o secretário para conhecer “o problema de Miracatu”. Já Renato Bolsonaro, que está em ascensão no PSL do estado e é atualmente responsável por campanhas de filiação no Vale do Ribeira, não atendeu aos meus pedidos de entrevista.
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    O presidente do Sindicato Rural de Miracatu, Tico Bala, foi quem convidou Nabhan Garcia para ‘conhecer os problemas da região’. Em 2016, ele foi vice de Renato Bolsonaro na disputa à prefeitura de Miracatu.
     
    Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil

    Demarcação pela ‘via política’

    O principal argumento dos produtores rurais contra as terras indígenas do Vale do Ribeira é o fato de as aldeias terem se formado após 1988, quando a Constituição reconheceu os “direitos originários” dos indígenas sobre suas terras. Essa tese foi usada no laudo de contestação às comunidades indígenas de Miracatu – assinado pelo antropólogo Edward Luz em nome do sindicato rural. “Não faz sentido querer invadir uma área em 2004 e reivindicar como habitação tradicional permanente”, diz ele, que é conhecido como “antropólogo dos ruralistas” por já ter contestado mais de 20 terras indígenas no país.
    Reivindicação antiga da bancada ruralista, o chamado “marco temporal” propõe demarcar apenas os territórios com ocupação indígena antes de 1988. Essa norma ainda será julgada pelo Supremo Tribunal Federal, mas o presidente da Funai tem outro entendimento.
    ‘O governo está tentando revisar áreas indígenas pela via política, e não pela via técnica e antropológica.’
    Xavier da Silva disse que o STF “pacificou” a questão e que um parecer da Advocacia-Geral da União de 2017 determina sua aplicação. “O parecer é vinculante para a administração pública”, ele me disse, em uma sinalização de que o poder público já seria obrigado a aplicar o “marco temporal”.
    No entanto, os 11 ministros do Supremo decidiram em fevereiro que o julgamento definitivo acontecerá na análise do Recurso Extraordinário 1.017.365, ainda sem data para acontecer. A Procuradoria-Geral da República considerou o parecer da AGU, em 2018, como “inválido e impraticável”.
    “Esse parecer da AGU foi desmoralizado pelo Supremo, que ainda vai decidir a questão. O governo está tentando revisar áreas indígenas pela via política, e não pela via técnica e antropológica, que seria a única possível”, diz Cleber Buzatto, secretário-executivo do Cimi, o Conselho Indigenista Missionário.
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    “Dizem que atrapalhamos o desenvolvimento econômico da região e que vamos expulsar nossos vizinhos, que vamos roubar suas terras. Mas é tudo blasfêmia”, diz o professor Saulo Guarani Ramires, da terra indígena Amba Porã.Fotos: Fernando Martinho/Repórter Brasil

    A retomada dos indígenas

    As matas e os rios do Vale do Ribeira guardam registros da tradicional presença de índios guarani. Não é à toa que boa parte dos municípios da região possuem nomes indígenas, como Miracatu, que em guarani pode ser traduzido como “lugar hospitaleiro”.
    No entanto, as disputas de terra entre indígenas e colonos ali são de longa data. Os estudos da Funai para demarcação revelam que, no século 19, os índios eram capturados para trabalhar para famílias ricas, o que os obrigou a fugir e se espalhar pela região.
    Em 1907, cartas escritas por guaranis ao pintor Benedito Calixto denunciam colonos vivendo com “papéis falsos” dentro da aldeia Rio do Peixe, que era então formalmente reconhecida pelo governo federal. Os índios pedem “proteção” ao influente pintor. Não deu certo. Eles foram expulsos da área, onde fica hoje o município Pedro de Toledo, a 30 km de Miracatu.
    Quase 100 anos depois, Saulo Guarani Ramires e seus familiares estabeleceram na região a aldeia Ko’? Ju, a única da TI Amba Porã, onde vivem hoje 52 pessoas. “Meu avós e bisavós eram daqui. Em 2004 viemos com nossas lideranças para reconhecer os locais onde eles viveram”, conta o professor indígena.
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    Carta da indígena Benedicta Ribeiro, moradora do aldeamento do Rio do Peixe, ao pintor Benedito Calixto, em fevereiro de 1907, em que ela afirma existirem ocupantes com documentos falsos em suas terras (
     
    Reprodução: Arquivo Público do Estado de São Paulo
    Uma parte dos 35 produtores afetados pelos 7,2 mil hectares de Amba Porã são pequenos agricultores sem escritura da terra que trabalhavam para o antigo dono do local. Os posseiros receberam as propriedades como pagamento de dívidas trabalhistas.
    Um deles é o agricultor Aldo Voigt, de 70 anos, que vive ali desde os 17. Ele afirma que já tentou registrar a terra por usucapião, mas perdeu a ação. “Eu acho um absurdo [os limites da terra indígena]. Gostaria que respeitassem a nossa área. A gente não quer ser desapropriado”, diz Voigt, dono de 12 mil pés de banana.
    Lideranças indígenas afirmam que o Sindicato Rural de Miracatu tem repassado informações “falsas” aos produtores afetados, principalmente com relação às indenizações e a forma em que se dará a retirada dos agricultores.
    “Os políticos usam um tom muito ríspido para se referir a nós. Dizem que atrapalhamos o desenvolvimento econômico da região e que vamos expulsar nossos vizinhos, que vamos roubar suas terras. Mas é tudo blasfêmia”, diz Ramires. “O que não conseguimos entender é de onde eles compraram a terra. Estão ali há 100 anos? De quem comprou? Estamos aqui há 500 anos”, afirma.
    “Ninguém quer tomar as terras deles, mas é injusto tomar terra de produtor que está há 100 anos lá, e sem direito de indenização de nada”, rebate Tico Bala, presidente do sindicato.
    A legislação, contudo, prevê indenização para construções e plantações presentes na área. Terras produtivas rendem valores mais altos. Não há pagamento pela terra em si, mas os pequenos produtores são reassentados em áreas equivalentes. Até que todo o processo se conclua e a indenização seja calculada e paga, os não indígenas permanecem na terra.
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    O secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Luiz Antonio Nabhan Garcia.
     
    Foto: Ferdinando Ramos/Folhapress

    Guarani ‘paraguaio’

    Fazendeiro paulista com terras no Mato Grosso do Sul, Nabhan interfere nos rumos da Funai desde o início da gestão Bolsonaro. O presidente manteve a demarcação de terras indígenas no Ministério da Agricultura até maio deste ano, quando foi impedido pelo Congresso. Uma segunda tentativa de Bolsonaro foi barrada pelo STF. Para manter influência na autarquia, Nabhan nomeou Xavier da Silva para a presidência do órgão, um delegado da Polícia Federal que já trabalhou para a bancada ruralista.
    Ele assumiu o posto no lugar do general da reserva Franklimberg Ribeiro de Freitas, de ascendência indígena, que deixou o cargo por pressão da bancada ruralista. “Quem assessora o senhor presidente [Bolsonaro] não tem conhecimento de como funciona o arcabouço jurídico que envolve a Funai (…). E quem assessora o senhor presidente é o senhor Nabhan. Que, quando fala sobre indígena, saliva ódio”, disse o general a servidores da Funai no dia de sua saída, em relato divulgado pela Folha de S.Paulo.
    Na audiência, porém, o clima entre Nabhan e os guarani foi amistoso. O vice-ministro destacou que o objetivo era ouvir todas as partes envolvidas, mas fez questão de perguntar aos indígenas onde eles tinham nascido e quando chegaram ao Vale do Ribeira.
    Ao final da sessão, posou para fotos, sorriu, cumprimentou os indígenas e arriscou algumas palavras em guarani ao se despedir do cacique Timóteo Verá Tupã. Nabhan contou que aprendeu algumas expressões em suas terras na fronteira com o Paraguai, onde chegou a empregar índios guarani. Mas o cacique estranhou a pronúncia do secretário. “Ele falou numa linguagem do guarani paraguaio, que não tem a ver com o guarani que a gente fala aqui”, disse Timóteo.
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    sábado, 28 de setembro de 2019

    Como Greta Thunberg se tornou alvo de uma campanha de desinformação nas redes

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    Como Greta Thunberg se tornou alvo de uma campanha de desinformação nas redes

    Por Amanda Ribeiro
    27 de setembro de 2019, 13h50

    Bastaram pouco mais de quatro minutos de discurso na Cúpula de Ação Climática da ONU na segunda-feira (23) para que a ativista ambiental sueca Greta Thunberg, 16, virasse alvo de uma campanha difamatória nas redes sociais calcada em desinformação. Desde a sua fala nas Nações Unidas, ganharam visibilidade posts enganosos que afirmam ser ela neta do bilionário húngaro George Soros, que seus pais são satanistas e anarquistas e que seu penteado de tranças seria a repetição de uma estratégia nazista para convencer o público.
    Publicadas em diversas línguas, as postagens identificadas e analisadas por Aos Fatos já reuniam ao menos 42 mil compartilhamentos no Facebook nesta sexta-feira (27). Grande parte das peças de desinformação disseminadas agora por perfis brasileiros foram importadas de sites e páginas do Facebook dos Estados Unidos e da França ligados à direita e a temas conservadores.
    No Brasil, essas informações falsas, inclusive, transbordaram os limites da internet, tendo sido reproduzidas em comentários de políticos e comunicadores, como o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o deputado estadual pelo PSL de São Paulo Frederico D’Avila, o colunista Rodrigo Constantino, o apresentador da Band Luis Ernesto Lacombe e o jornalista potiguar Gustavo Negreiros. Os ataques em série motivaram até uma reação nas redes, por meio da hashtag #desculpagreta, que ganhou fôlego no Twitter nesta quinta.
    Em resposta aos ataques, Greta publicou na quarta (25) um texto no Facebook em que diz não entender porque “adultos escolhem gastar seu tempo ameaçando adolescentes e crianças por promoverem a ciência, quando poderiam fazer algo de bom”.
    Abaixo, Aos Fatos destrincha os cinco principais eixos de desinformações contra Greta Thunberg que surgiram nos últimos dias nas redes sociais — e fora delas.

    1. George Soros
    Greta Thunberg não é neta do bilionário húngaro George Soros nem há indícios ou provas de que ela seja financiada pela ONG dele, a Open Society Foundation. Ainda assim, estas foram as duas informações falsas mais disseminadas sobre ativista nas redes sociais desde o discurso dela na Cúpula do Clima da ONU.
    Os posts que afirmam o falso grau de parentesco, já checado por Aos Fatos, têm sido acompanhados de uma montagem na qual a ativista aparece ao lado do investidor. Na foto original, postada por Greta em sua conta no Twitter, é Al Gore, ex-vice-presidente dos Estados Unidos e também ativista pelo clima, quem está ao lado da adolescente. Os avôs de Greta são, na verdade, Olof Thunberg, do lado paterno, e Lars Ernman, do materno.


    A associação de personalidades e defensores de causas progressistas a Soros é um argumento frequente entre conservadores, pois a sua fundação, de fato, costuma fazer doações para projetos voltados a direitos humanos e meio ambiente. Porém, esse não é o caso de Greta: Aos Fatos não encontrou o nome dela nem do movimento Fridays For Future entre os beneficiados pelos recursos da organização.
    No Twitter, a Open Society Foundation negou que financie as atividades de Greta ou que Soros seja seu avô.
    A falsa associação de Greta à Open Foundation tem sido feita usando a ativista alemã Luisa-Marie Neubauer, de 23 anos, que é embaixadora da ONG ONE e que, como a sueca, também se dedica à causa ambiental. A ONE tem a Open Foundation entre os seus doadores, mas não só: a lista conta com dezenas de corporações, como a Coca-Cola, o Bank of America, a Apple e a Beats. Desta forma, é falso afirmar que a ONG pertença a Soros.
    Foi o que fez, por exemplo, o deputado federal e filho do presidente Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro em post no Twitter (4.000 compartilhamentos nesta sexta-feira, 27).
    Na televisão, o apresentador da Band Luís Ernesto Lacombe foi além. Ao comentar que não "comprava” o discurso da ativista, ele disse: “essa é uma menina bancada por uma fundação do George Soros, né? One Foundation. Eu realmente, por enquanto, não compro".
    Em fevereiro deste ano, Greta publicou texto em sua página no Facebook para desmentir rumores de que seria financiada por instituições ou influenciada por adultos. “Muitas pessoas amam espalhar rumores dizendo que existem pessoas ‘por trás de mim’ ou que estou sendo ‘paga’ ou ‘usada’ pelo que estou fazendo. Mas não há ninguém ‘por trás’ de mim exceto eu mesma. (...) Não faço parte de nenhuma organização. Às vezes apoio e coopero com ONGs que trabalham com o clima e o meio ambiente. Mas sou absolutamente independente e só represento a mim mesma”.
    Como o Fridays For Future não é uma ONG, não é possível saber quais as fontes de financiamento do movimento. Apontado como motivo de enriquecimento da ativista, o livro “Our house in on fire” (nossa casa está em chamas), escrito pela família, tem seus lucros doados a instituições de caridade. É importante ressaltar também que a mãe de Greta, Malena Ernman, é uma conhecida cantora de ópera em seu país, o que significa que a família tem fonte de renda própria.
    Outra fonte de críticas e boatos é o barco utilizado por Greta para se deslocar do Reino Unido aos Estados Unidos para o discurso na Cúpula do Clima da ONU. O iate Malizia II, que ofereceu uma carona a Greta e seu pai sem cobrança de custos, pertence ao príncipe Pierre Casiraghi, de Mônaco, e ao velejador Boris Herrmann, seu parceiro de corridas.

    2. Transtornos
    O fato de Greta Thunberg ser diagnosticada com Síndrome de Asperger, mutismo seletivo e Transtorno Obsessivo-Compulsivo também é usado de forma distorcida para desacreditar a ativista e a sua família. Aos Fatos identificou publicações com mais de 6.000 compartilhamentos no Facebook que afirmam, de maneira falsa, que a causa de sua condição seria o consumo de drogas exagerado por parte de seus pais.
    Greta foi diagnosticada há cerca de quatro anos com a Síndrome de Asperger, uma condição do TEA (Transtorno de Espectro Autista). De acordo com o psicólogo especialista em Asperger Tony Attwood, portadores dessa condição têm um modo de pensar próprio, mas não deficiente. “A pessoa com Síndrome de Asperger pode perceber erros que não são aparentes aos outros, dada a considerável atenção a detalhes, ao invés de terem um olhar panorâmico sobre uma situação. A pessoa é geralmente conhecida por ser direta, falando o que lhe vem à cabeça, sendo honesta e determinada e tendo um forte senso de justiça”, afirma Attwood em seu site.
    Não há uma causa exata para o TEA, mas pesquisas tendem a associar a condição principalmente a questões genéticas. Alguns fatores ambientais também podem estar envolvidos, mas ainda não está determinado precisamente quais seriam possíveis gatilhos para o desenvolvimento da condição. A Autism Speaks, organização americana de apoio a autistas, cita alguns dos que já foram apontados por cientistas: pais com idade avançada, complicações na gravidez (como nascimento prematuro ou gravidez de gêmeos) e gestações muito próximas (menos de um ano entre uma gravidez e a outra).
    Em nota, Ana Maria Mello, superintendente da AMA (Associação de Amigos do Autista) afirmou que a exposição a agentes químicos já foi apontado como uma das possíveis causas do TEA, mas que não há nenhuma comprovação científica. Além disso, ela diz que não é possível atestar qual a “causa do autismo de alguém”.
    Diferente do que afirmam as postagens que atacam Greta, portanto, a sua condição não poderia ter sido causada pelo consumo de drogas por parte de seus pais, Svante Thunberg e Malena Ernman. Aos Fatos também não encontrou indício de que algum dos dois seja usuários de entorpecentes. Em uma entrevista em 2014, Malena inclusive diz nunca ter consumido drogas.
    Fora do Brasil, comentários a respeito da condição de Greta já extrapolaram as redes sociais e chegaram a textos de colunistas e falas de comentaristas de televisão. Em julho, em texto que criticava uma viagem da ativista em um iate movido a energia solar, o colunista do Australian News Corp Andrew Bolt a chamou de “estranha” e “profundamente perturbada”. Aos comentários, Greta respondeu que considera sua condição “um superpoder”.
    Na última terça (24), foi a vez do comentarista político americano Michael Knowles, que a caracterizou como “doente mental” em um programa ao vivo da Fox News. A emissora pediu desculpas e afirmou que não pretende mais chamar Knowles para participar de programas.
    No Brasil, Rodrigo Constantino seguiu o mesmo caminho e, em comentário durante o programa 3 em 1, na rádio Jovem Pan, afirmou que Greta era “retardada” e tinha “síndrome do autismo”. Em postagem no Facebook, ele também associou a condição da ativista a uma doença mental que, segundo ele, tem sido explorada para fins políticos por sua família e pela esquerda. O post reúne pouco mais de 2.000 interações entre comentários, compartilhamentos e reações.
    Em resposta ao Aos Fatos, Constantino negou ter chamado, em discussão na rádio, Greta de "retardada" por conta de sua condição, mas "retardada no tema" em que milita, o meio ambiente. Ele também refutou ter se referido à condição de autismo ao afirmar em sua coluna que a adolescente sueca era doente mental: "questionei no texto se ela tinha outra coisa, como bipolaridade, pois tinha traços agressivos, e já teve depressão no passado, segundo a própria mãe".

    3. Família
    Informações falsas sobre os pais de Greta Thunberg também compõem a campanha difamatória contra a ativista nas redes sociais. Um texto compartilhado ao menos 2.000 vezes no Facebook e disseminado como corrente no WhatsApp traz uma série de afirmações infundadas, como a de que o pai dela seria um cientista social gay que abandonou a mãe para morar com o namorado na Alemanha.
    O conteúdo enganoso afirma ainda que a mãe de Greta seria lésbica e satanista e dá aulas sobre aborto para adolescentes. As afirmações foram desmentidas por Aos Fatos.
    Casados desde 2004, Malena Ernman e Svante Thunberg não se separaram e vivem com as duas filhas Greta e Beata, em Estocolmo, na Suécia. Ele é ator e produtor, ela, cantora de ópera.
    A profissão e a renda dos pais de Greta, aliás, é outro enfoque bastante popular nas peças de desinformação. Há denúncias de que os dois teriam abandonado suas carreiras para viver da fama da menina, que estariam ricos e que o ativismo seria oportunista. As postagens, que circulam inicialmente em perfis portugueses na rede social, também passaram a ser compartilhadas no Brasil.
    Uma delas apresenta duas fotos de Svante Thunberg e Malena Ernman para sugerir que os dois teriam enriquecido depois do ativismo da filha. Como mostra o Polígrafo, no entanto, a ordem temporal das imagens está trocada. A primeira, na qual o casal aparece com roupas mais simples, foi tirada em agosto de 2018 para matéria no jornal sueco Dagens Nheter. A segunda, que mostra o casal com trajes elegantes, retrata os dois no Polar Music Prize, em 2012.
    Diferente do que afirmam postagens que chegam a cerca de mil compartilhamentos, os pais de Greta não abandonaram suas carreiras para viver da fama da filha. Segundo Malena, reconhecida cantora lírica da Suécia, ela deixou a carreira internacional ao ser conscientizada pela filha do grande impacto ambiental causado pelos voos de avião que a levavam para os shows. Ernman, no entanto, segue atuando na Suécia, enquanto apoia as ações da filha no combate às mudanças climáticas.
    Greta também foi a causa de uma série de outras mudanças na vida dos pais, que se tornaram veganos e escreveram um livro de memórias sobre o início dos anos ativistas da primogênita.
    Antifascista. Outra desinformação que vem sendo compartilhada em redes brasileiras, americanas e suecas, por exemplo, liga a adolescente e seus pais ao movimento Antifa, que agrega membros da esquerda e da extrema-esquerda e considera a violência, a destruição de patrimônio e o enfrentamento físico como táticas válidas de protesto, a chamada “ação direta”.
    Nos Estados Unidos, os Antifa não estão listados como grupo terrorista pelo FBI (Federal Bureau of Intelligence), diferentemente do que afirmam usuários nas redes. Existem, no entanto, pressões do Congresso americano para que isso ocorra.
    O vínculo entre a família e o movimento, explorado em posts no Facebook com ao menos 7.600 compartilhamentos, foi estabelecido após Greta postar uma foto no Twitter no dia 25 de julho trajando uma camisa com os dizeres “Antifascist All Stars”.
    A partir daí, montagens dela e de seus pais com a mesma camiseta passaram a ser compartilhadas nas redes sociais. A origem das imagens que mostrariam Svante e Malena não pôde ser comprovada por Aos Fatos. Já a foto de Greta foi tirada durante as gravações de uma colaboração com a banda 1975, que usou um de seus discursos em uma música.
    Depois de receber uma série de críticas nas redes, a ativista deletou a imagem e publicou um pedido de desculpas dizendo que não imaginava que a camiseta pudesse ser associada a grupos de esquerda violentos.
    “Ontem postei uma foto usando uma camiseta emprestada que diz que sou contra o fascismo. Essa camiseta aparentemente pode ser relacionada a um movimento violento. Eu não apoio qualquer forma de violência e, para evitar mal-entendidos, apaguei o post. E, é claro, sou contra o fascismo”, diz ela na publicação.
    A mãe de Greta também publicou em suas redes no mesmo dia uma postagem em que se desculpava pela camiseta. “Foi emprestada por mim a camiseta que a Greta estava usando. Ela está disponível para compra em vários sites na internet com textos diferentes. Não tinha ideia de que iriam associá-la a movimentos violentos, então nós nos distanciamos disso. Para evitar problemas, ela deletou a imagem.”
    De fato, é possível encontrar a camiseta, que usa o logo do tênis All Star, da marca americana Converse, com uma série de outros textos na estampa. Tal imagem não é a mesma que serve como logo do movimento Antifa, caracterizado por duas bandeiras, uma vermelha e uma preta, tremulando.
    A adolescente também já afirmou que se opõe ao fascismo e que não tem nenhuma intenção de se associar a qualquer tipo de movimento político. Em entrevista à CBS, inclusive, disse que “você pode se rebelar de diversas maneiras. Desobediência civil é se rebelar. Desde que isso seja de forma pacífica, claro”.

    4. Nazismo
    A comparação da aparência de Greta Thunberg, que geralmente se apresenta em público com o cabelo penteado em tranças, com crianças retratadas em propagandas nazistas na Alemanha nas décadas de 1930 e 1940 também tem sido frequente entre os ataques à adolescente nas redes.
    A primeira postagem do tipo encontrada por Aos Fatos é de 22 de setembro, um dia antes do discurso de Greta na ONU, e foi publicada na conta oficial do Twitter do comentarista político e escritor conservador indo-americano Dinesh D’Souza. Ele apresenta uma montagem que compara Greta a uma criança loira de tranças que aparece segurando uma bandeira nazista em uma arte que serviu como propaganda ao movimento.
    No texto, o comentarista afirma que “crianças — notadamente meninas brancas e nórdicas com tranças e bochechas rosadas — foram muito usadas na propaganda nazista. Uma técnica antiga de Goebbels! Parece que hoje a esquerda progressista está ainda aprendendo o jogo de uma esquerda antiga dos anos 1930”.
    D’Souza usa um argumento falacioso recorrentemente compartilhado por grupos conservadores de associar o nazismo à esquerda. Com isso, afirma que Greta seria uma espécie de propaganda reciclada da Alemanha nazista pelos atuais progressistas.
    A ligação entre o movimento alemão e a esquerda começou a ser ventilada no Brasil no início dos anos 2000 por Olavo de Carvalho, com a justificativa de que o termo “socialista” constava no nome oficial do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães. O argumento já foi apresentado pelos ministros das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e pelo do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
    No entanto, o nazismo é reconhecidamente um movimento radical de direita, segundo definição do próprio Museu do Holocausto, em Israel. Em entrevista ao veículo alemão Deutsche Welle, o historiador da Universidade de Aarhus Wulf Kansteiner, autor do livro In pursuit of German memory (Em busca da memória alemã), explicou que os nazistas não seguiam políticas de esquerda: “ao contrário, propagavam valores da extrema direita, um extremo nacionalismo, um extremo antissemitismo e um extremo racismo. Nenhum especialista sério considera hoje o nazismo de alguma forma um fenômeno de esquerda".
    Apesar de já ter sido amplamente desmentida, a falsa relação entre o partido e a esquerda também foi usada no Brasil para criticar Greta. Provavelmente inspirados pelo comentários de D’Souza, publicações do deputado estadual de São Paulo Frederico D’Avila (PSL) e do responsável pelo site de direita Terça LivreAllan dos Santos, replicaram o argumento falacioso.

    5. Privilégios
    A última entre as principais estratégias utilizadas em peças de desinformação contra Greta nas redes tem sido o uso de montagens que supostamente exporiam a contradição entre os discursos da ativista e suas ações concretas. Em fala na ONU, a jovem disse que os líderes mundiais “roubaram meus sonhos e minha infância com suas palavras vazias, e eu ainda sou uma das que teve sorte. Pessoas estão sofrendo. Pessoas estão morrendo”.
    A imagem mais disseminada — que chegou a ser compartilhada no Twitter pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) mostra Greta comendo dentro do que parece ser uma cabine de trem enquanto crianças negras a observam do lado de fora. Criticado pela publicação da montagem, o deputado federal respondeu a um usuário indicando ter conhecimento de que o conteúdo era falso e que aquilo seria uma piada.
    O conteúdo, que foi checado por Aos Fatos, é flagrantemente falso. A montagem é uma combinação de duas imagens. A primeira, postada nas redes no dia 22 de janeiro deste ano pela própria Greta, mostra a adolescente tomando café da manhã em uma viagem de trem à Dinamarca. Já a segunda, tirada em 2007 por Stephanie Hancock, da Reuters, retrata crianças africanas que vivem nas florestas próximas à vila de Bodouli, na República Centro-Africana.
    Colaborou Luiz Fernando Menezes.
    Referências:
    1. The Guardian (Fontes 12 e 3)
    2. Época
    3. Uol (Fontes 1 e 2)
    4. Buzzfeed
    5. Aos Fatos (Fontes 1234 e 5)
    6. Open Society Foundation
    7. German American Conference
    8. ONE Campaign
    9. Tony Attwood
    10. Research Autism
    11. Autism Speaks
    12. Revopera
    13. Polígrafo
    14. Dagens Nheter
    15. Alison Chapman Design
    16. Classical MPR
    17. No Fly Climate SCI
    18. Democracy Now
    19. FBI
    20. Congresso dos EUA
    21. CBS
    22. BBC Brasil
    23. Museu do Holocausto
    24. Deutsche Welle
    25. Reuters

     Criada em 2015 em Portugal, o Climáximo é uma organização de ativistas climáticos, alinhada com o Ambientalismo Radical e baseada no princí...