CSN repete erro da Vale e mantém trabalhadores abaixo de barragens
Por Daniel Camargos | 16/02/19
Companhia Siderúrgica Nacional mantém
restaurante, refeitório e sala de treinamento abaixo de duas barragens
em Ouro Preto. Trabalhadores temem que, assim como no rompimento da
barragem da Vale, em Brumadinho, eles não tenham tempo de escapar
Passados mais de 20 dias do rompimento da barragem da Vale, em
Brumadinho, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) mantém escritório,
refeitório e sala de treinamento funcionando abaixo das barragens do
Vigia e Auxiliar do Vigia, em Ouro Preto.
A Repórter Brasil teve acesso à fotografias feitas
na última quarta-feira (13), que mostram o funcionamento das unidades
construídas ao pé das barragens, em um distrito de Ouro Preto, distante
20 quilômetros do centro de Congonhas.
“Os trabalhadores estão apavorados”, afirma o funcionário da CSN,
Alípio Santos da Silva, que é diretor do sindicato dos metalúrgicos da
região (Metabase Inconfidentes). O pânico dos funcionários, segundo
Silva, ficou maior depois do desastre com a barragem da Vale, que que
matou 166 pessoas, sendo que outras 145 permanecem desaparecidas.
“Depois do que aconteceu em Brumadinho pedimos uma reunião, mas a CSN
não retornou o ofício que enviamos e nem atende nossas ligações”,
afirma o presidente do Metabase Inconfidentes, Rafael Ávila.
As
unidades em azul, construídas abaixo da barragem (á direita), são o
refeitório, escritório e o centro de treinamento da CSN (Foto: Repórter
Brasil)
A maior parte das vítimas em Brumadinho foi de trabalhadores que
estavam no restaurante e no escritório da empresa – construídos ao pé da
barragem de Córrego do Feijão – e não tiveram nenhuma chance de
escapar. Os rejeitos de minério, a uma velocidade de quase 100 km/h,
atingiram em menos de um minuto os dois centros administrativos da Vale.
Na divisa entre Ouro Preto e Congonhas, o refeitório da CSN tem
capacidade para 200 pessoas, outras 20 trabalham no escritório
localizado abaixo das barragens e há uma sala de treinamento, usada
frequentemente, com capacidade para 30 pessoas, segundo informações do
Metabase.
Procurada pela Repórter Brasil, a CSN não respondeu aos questionamentos.
A segurança das duas barragens da CSN em Ouro Preto “não traz
tranquilidade”, segundo técnicos do Ministério Público de Minas Gerais
que as fiscalizaram em julho de 2018. A Repórter Brasil
teve acesso ao relatório de 41 páginas, que destaca o risco das
barragens e contesta a análise do auditor independente contratado pela
CSN e que garantiu a estabilidade de ambas.
Em 2008, a barragem do Vigia rompeu parcialmente. A água e os
rejeitos que vazaram inundaram três bairros de Congonhas, desabrigando
40 famílias. Outro problema na barragem aconteceu em dezembro de 2016,
quando um vazamento em uma mina vizinha, da Vale, atingiu a barragem do
Vigia, da CSN.
Rompimento
em duto da barragem do Vigia, em março de 2008. Rejeitos provocaram
cheia em rios e córregos e inundaram três bairros de Congonhas, deixando
40 famílias desabrigadas (Foto: Sandoval Souza Pinto Filho)
Construções ameaçadas
Em caso de ruptura das duas barragens da CSN, seriam atingidas 19
edificações e seis pontes rodoviárias e a área de operação da mina. As
informações constam no Plano de Ação de Emergência para Barragens de
Mineração (PAEBM), documento obrigatório para toda barragem e que prevê o
impacto que um rompimento pode causar, que a Repórter Brasil teve acesso.
O plano foi elaborado pela empresa DAM em setembro de 2016 e
considera duas hipóteses de rompimento: a primeira com o galgamento,
quando o rejeito passa por cima do dique e a segunda por erosão interna,
processo chamado de pipping.
As barragens Vigia e Auxiliar do Vigia estão fora da área urbana e
foram construídas a montante, mesmo método construtivo das duas
barragens que romperam em Minas Gerais em pouco mais de três anos: de
Fundão (Mariana) e de Córrego do Feijão (Brumadinho).
O método a montante é considerado o mais instável e, por isso, é
proibido em outros países, como no Chile. Em Minas Gerais, esse método é
proibido desde 2016.
Assim como a mina da Vale, em Brumadinho, a unidade da CSN fica no
Quadrilátero Ferrífero, na região Central de Minas Gerais, de onde são
extraídos 258 milhões de toneladas de minério de ferro por ano. Somente
em Congonhas, são 24 barragens na bacia hidrográfica da cidade. Algumas,
como Vigia e Auxiliar do Vigia, estão em cidades vizinhas, mas o
impacto, em caso de rompimento, afetaria a cidade histórica famosa pelas
obras de Aleijadinho.
O foco maior da atenção do poder público é a barragem Casa de Pedra,
também da CSN, que está na área urbana e tem capacidade para 75.476.000
m³, maior que a barragem de Fundão, da Samarco, em Mariana, que rompeu
em 2015 e tinha volume de 50.000.000 m³. Na sexta-feira (15), a
prefeitura de Congonhas remanejou estudantes de uma creche e uma escola
municipal que fica localizado no bairro próxima a barragem Casa de
Pedra.
Já as barragens de Vigia e Auxiliar do Vigia deixaram de receber
rejeitos em 2015 e o Ministério Público recomenda que a CSN faça
descaracterização das barragens rapidamente. Isto é, que retirem os
rejeitos e, posteriormente, plantem vegetação no local. A CSN se
comprometeu, em ofício assinado junto ao Ministério Público, em agosto
do ano passado, a descaracterizar a barragem de Auxiliar do Vigia, mas
não definiu um cronograma. Porém, afirmou que quer manter a barragem do
Vigia ativa para: “conter sedimentos e clarificar água”.
Imagem
do estudo de impacto contratado pela CSN. À esquerda do dique da
barragem do Vigia estão refeitório, escritório e sala de treinamento
O principal problema apontado na fiscalização do MP é que os
extravasores que compõem o sistema de disposição de rejeitos não estão
adequados à passagem de cheias. Outra falha é a análise de estabilidade,
que não foi desenvolvida seguindo a recomendação técnica oficial.
Ambientalista e minerador
Apesar de ficar em Ouro Preto, um rompimento das barragens do Vigia e
Auxiliar do Vigia afetaria a cidade de Congonhas. “O plano
subdimensionado não permite nem pensar em salvar as pessoas. Não é dada a
chance da pessoa conhecer o risco que ela corre”, afirma o secretário
de Meio Ambiente de Congonhas, Neylor Aarão.
O secretário foi candidato a vereador em 2016 e declarou, à época,
ser proprietário de 99% das cotas da GNX Mineração e 33% dos direitos de
lavra de um requerimento de pesquisa mineral.
Aarão declara ser ambientalista e consultor ambiental, com serviços
prestados para mineradoras. “Algumas empresas na hora do pagamento não
tem dinheiro e pagam com participação”, explica. Ele diz que vendeu o
patrimônio ligado às atividades minerárias e não vê conflito de
interesse.
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