NOTA DE
POSICIONAMENTO
SOBRE A
PROPOSTA DE REFORMA DA PREVIDÊNCIA DO GOVERNO BOLSONARO
O Governo
Bolsonaro encaminhou proposta de reforma da previdência ao Congresso Nacional
no segundo mês de seu governo, como prometeu. Muitas análises e uma disputa
para legitimar a proposta estão em curso. Alguns dos argumentos centrais
apontados pelo governo e pelos analistas e economistas aliados aos interesses
do mercado são de que o Brasil precisa fazer a reforma da previdência para (1)
contribuir no ajuste fiscal e controle das contas públicas, sem o qual não se
retoma o crescimento da economia no país, (2) fazer justiça social, corrigindo
as distorções existentes no sistema previdenciário e (3) garantir a seguridade
da previdência para as gerações futuras. Apresentamos alguns comentários ainda
iniciais de posicionamento.
(1) O argumento
do ajuste fiscal e da retomada do crescimento da economia, entre outras
questões, destaca o chamado déficit orçamentário da previdência ou “rombo da
previdência”. Para os economistas comprometidos com os senhores do mercado este
é o grande atravancador do avanço da economia no país. A economista e
professora da UFRJ, Denise Lobato Gentil, defende que este argumento não se
sustenta, quando confrontado à Constituição Federal de 1988. Para ela “o
governo faz um cálculo sem considerar o que prevê a Constituição Federal nos
artigos 194 e 195. Nesses dois artigos verifica-se que os recursos que
pertencem à seguridade social, que financiarão os gastos com saúde, assistência
social e previdência, são provenientes de vár ias fontes de receita”. Segundo
ela, “quem defende a seguridade social, no entanto, sabe que toda essa retórica
é forjada para privatizar a oferta de serviços públicos”. Com isto “empurra-se
a população para fazer planos de previdência em fundos privados de
capitalização e desloca essas pessoas de um serviço que deveria ser público
para o sistema financeiro. Trata-se de um processo de financeirização do
orçamento público. Reduzir benefícios significa empurrar as pessoas para os
planos privados de previdência”.1 Para a economista, em acordo com o que aponta a
Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip),
“baseado nos preceitos constitucionais, não há déficit da previdência”. A
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) realizada pelo Senado Federal e
concluída no final de 2017, em seu relatório final,2 aprovado por unanimidade,
observou que “falar simplesmente de déficit da Previdência, a partir do
comportamento das receitas e despesas atuais da seguridade social como um todo,
é mitigar a realidade” (2017, p. 34). Por outro lado, é importante frisar que o
crescimento da economia é resultado de vários fatores e atrelar a crise
econômica ao sistema previdenciário é jogar com o interesse dos mercados sobre
os direitos dos/as trabalhadores/as.
(2) O argumento
de que a proposta de reforma apresentada pelo governo vai definitivamente
promover a justiça social não passa de armadilha retórica ou mera ficção. Isso
porque, nivelar os já historicamente prejudicados e alijados dos direitos
constitucionais, do acesso
1 Ver
entrevista para IHU Unisinos:
www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/551994-entre-a-insustentavel-retorica-do-deficit-e-as-verdadeiras-razoes-da-reforma-previdenciaria-entrevista-especial-com-denise-gentil
2 Relatório
completo em http://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento/download/c20f0635-1112-4636-bc0c-49a2ca4b919a e
principais pontos do relatório em
www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/10/24/veja-os-principais-pontos-do-relatorio-da-cpi-da-previdencia
aos
serviços públicos básicos com aqueles que sempre gozaram de benefícios ou
privilégios no sistema previdenciário não tem o menor senso de justiça social.
Isto é, na contramão deste discurso, num rápido olhar sobre a proposta
apresentada pelo governo, é possível detectar que ela é muito dura e injusta
com os mais pobres, sobretudo em razão da diminuição dos ganhos, do aumento da
idade e do tempo de contribuição e as mudanças no Benefício de Prestação Continuada
(BPC), por exemplo. A previsão de que a população que tem direito ao BPC
somente passará a receber o salário mínimo integral a partir dos 70 anos
significa, para o economista e professor da Unicamp, Eduardo Fagnani, que “esta
população terá uma sobrevida muito curta, uma vez que é difícil que cheguem aos
70 anos de idade” 3.
A proposta previdenciária também atinge de forma negativa as mulheres, elevando
e equiparando a idade e o tempo de contribuição com os homens, num universo
adverso do mundo do trabalho, onde as mulheres além de exercerem a maternidade,
na sua grande maioria cumprem com carga horária de trabalho dobrada e com
ganhos inferiores aos dos homens. A classe trabalhadora que, em média vive de
salário mínimo ou pouco mais, e que, em geral, ocupa os trabalhos mais onerosos
à saúde, terá a idade mínima para garantia de aposentadoria aos 65 anos de
idade para os homens e 62 para as mulheres, além da exigência de 40 anos de
contribuição para a recepção do valor integral, gerando potencial altíssimo de
ganho menor do que o salário mínimo ao se aposentar. Na contramão destas
injustiças e sacrifício dos mais pobres e frágeis no sistema, o governo
continua fazendo a opção em não discutir o gasto público no que se refere aos
custos com pagamento de juros da dívida pública e com renúncias tributárias e
fiscais dos mais ricos, além da inadimplência e das dívidas não cobradas, que
transferem polpudos valores ou então deixam de arrecadar sobre lucros e
dividendos, sustentando assim o avanço da concentração de renda e da
desigualdade social no país.
(3) No que se
refere ao terceiro argumento, defender a previdência para as gerações futuras
não significa penalizar quem entrou recentemente ou está entrando agora no
mercado de trabalho. Há análises que dizem que a proposta de reforma da
previdência apresentada pelo governo vai incentivar a contratação de
aposentados, uma vez que propõe desoneração com relação ao Fundo de Garantia
por Tempo de Serviço (FGTS) e multa rescisória. Logo, além de promover a perda
de direitos para os/as trabalhadores/as mais velhos e/ou aposentados, estimula
o mercado a não contratação de trabalhadores e profissionais mais jovens. Isto
é defender as gerações futuras? Ainda, ao manter na ativa por mais tempo
profissionais mais velhos, promove incentivo para que os mais jovens,
especialmente os menos qualificados, se disponham a trabalhar com menos
direitos, aderindo a já anunciada “carteira de trabalho verde e amarela”, que
flexibilizará ainda mais os direitos trabalhistas.4 Por outro lado, fazer a
reforma de previdência de costas para a realidade do mundo do trabalho e do
trabalhador no Brasil, é um erro. No Brasil, mais ou menos 50% do trabalho se
dá na informalidade, sem contribuição à previdência. Nesta perspectiva, segundo
Eduardo Fagnani, “com essas regras propostas, que são duríssimas, mais uns 20%
não irão conseguir contribuir e serão lançados à assistência ganhando 400 ou 500
reais.” Logo, ao invés de proteger as gerações futuras, o que teremos daqui a
20 ou 30 anos , no dizer de Fagnani, é “um país indigente” ou “um capitalismo
sem consumidor”.
Enfim,
centralmente o principal retrocesso na proposta do governo é que ela destrói um
dos conceitos mais bem construídos e de amplo alcance na garantia de direitos
sociais, formulado na Constituição Federal de 1988, a seguridade social. Na
previsão atual, articula previdência, saúde e assistência social. A proposta de
reforma do governo inaugura uma nova forma de previdência que não é de
seguridade, mas de seguro social, numa perspectiva de capitalização e não de
direitos. Esta proposta ataca profundamente os mais pobres pois se soma à
reforma trabalhista já aprovada que flexibiliza e precariza de modo profundo as
relações de trabalho. Ao promover esta mudança profunda, o País deixa de
3 Ver
entrevista ao IHU Unisinos: www.ihu.unisinos.br/78-noticias/586875-previdencia-de-bolsonaro-produzira-massa-miseravel-avalia-economista
oferecer a garantia de
realização dos direitos previstos no Pacto Internacional dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais (arts. 9º e 11, especialmente), promovendo um
retrocesso imensurável e que viola este tratado internacional ratificado pelo
Brasil (§ 1º do art. 2º e §§ 1º e 2º do art. 5º) e também o artigo 29 da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), à
qual o Brasil aderiu em 1992.
Fazer correções no sistema
previdenciário é coisa que todos os países sérios fazem, mas não é justo fazer
isto às custas da destruição do sistema de proteção social e que os maiores
prejudicados sejam os/as cidadãos/ãs e trabalhadores/as que historicamente já
pagam esta conta no país.
Brasília, 11 de março de 2019.
Articulação para o
Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil
Assinam:
Articulação Estadual MNDH RS
Centro de Direitos Humanos de Cristalândia - Dom Heriberto Hermes
Centro de Direitos Humanos de Sapopemba - CDHS
Centro de Educação e Assessoramento Popular – CEAP
Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos
Coletivo Jovem de Minas Gerais
Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo – CDHPF
Comissão Pastoral da Terra
Comissão Regional de Justiça e Paz de Mato Grosso do Sul – CRJPMS
Conselho Nacional do Laicato do Brasil - CNLB
FIAN Brasil
Fórum de Direitos Humanos e da Terra
Fórum Ecumênico ACT Brasil
Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte - GPEA-UFMT
Instituto Caracol - ICA
Instituto de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e
Ambientais – IDHESCA
Koinonia Presença Ecumênica e Serviço
Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB
Movimento Nacional de Direitos Humanos - MNDH
Movimento REBELIÃO
Observatório da Educação Ambiental - OBSERVARE
Parceiros de Misereor no Brasil
Processo de Articulação e Diálogo Internacional
- PAD
Rede Internacional de
Pesquisadores em Educação Ambiental e Justiça Climática - REAJA Rede
Mato-grossense de Educação Ambiental – REMTEA
Sociedade Maranhense de Direitos Humanos
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