O
taumaturgo do ódio e as duchas corona
Por Bruno Monteiro
Primeiro de maio de 2020
A
história da humanidade é fantástica. Ela nos revisita a todo instante,
independente das nossas vontades. Quando retorna ao presente nos oportuniza
promover reflexões e a rever às sombras dos passado que nos alcançam, mesmo
estando-nos em movimento.
O
fenômeno da taumaturgia é um exemplo e nos revisita. Para quem nunca ouviu
falar em taumaturgia. Eis a chance
oportuna. Segundo o dicionário on line
Priberam, taumaturgia significa a “Capacidade para impressionar através da realização de milagres ou prodígio. Um atributo exclusivo do taumaturgo, que segundo este mesmo
dicionário, significa “aquele que opera
milagres”, ou seja, estamos falando de um milagreiro. No Dicionário
Michaelis on line, taumaturgia é
definida como o atributo em “operar
milagres ou maravilhas mediante atos prodigiosos”. Na Wikipedia, assim como
em vários textos históricos a prática da taumaturgia está ligada ao catolicismo
e a religiosidade. De acordo com esta enciclopédia, esta palavra significa “a capacidade de um santo ou paranormal de
realizar milagres”. Vários cristãos foram considerados taumaturgos, tais
como: “São Gregório Taumaturgo, Santo
Antônio de Lisboa, São Cosme, São Damião”, entre outros.
O
fato curioso e relacionado à minha intencionalidade na tessitura desse texto,
refere-se ao caso histórico de que vários Reis, sobretudo, da França e
Inglaterra tinham o atributo conferido e reconhecido pela igreja de terem
poderes sobrenaturais milagrosos associados à sua condição de realeza. Estes
atributos eram utilizados como uma estratégia para conferir prestígio à figura
dos reis e príncipes, ao mesmo tempo em que representavam uma espécie de
justificativa divina aos seus poderes absolutos. Nesse sentido, a Graça de Deus
se manifestava na escolha de um ser mortal, provindo de uma linhagem que também
poderia ser divina e que dentre os vários seres humanos era o eleito ou ungido,
para lhe representar naquela nação. Na prática, o Rei soberano exercia o papel
de governante absoluto e autoridade religiosa pois tinha o direito sagrado para
governar os cristãos. Poderes para cura de doenças, pestes e demais dramas
vividos pelos súditos terrenos poderiam ser solucionados pelas mãos divinas do Rei
que estaria na terra numa condição acima dos outros homens.
Os
rituais de taumaturgia, estiveram presentes nos relatos históricos de desde a
idade média até o Século XIX e foram objetos de estudos do historiador Francês
Marc Bloch que publicou um livro em 1924, acerca do tema. Na Série de TV,
Versailles que retrata a construção do Palácio de Versailles durante o reinado
do monarca absolutista Luís XIV, no Século XVII. No desenvolvimento da trama o
Rei Luís XIV, após uma série de divergências e conflitos com o Vaticano
autodeclara-se representante da igreja na França, invoca poderes supremos e
passa promover rituais de taumaturgia nas ruas de Paris com o objetivo de se
aproximar da população que estava revoltada com a nobreza diante das
desigualdades, fome e das péssimas condições de vida da população. Era uma
estratégia de enganação da população que por conta do sofrimento promovido
pelas desigualdades buscava se organizar politicamente para se contrapor ao
autoritarismo da coroa e a reivindicar partes das riquezas da França que
garantiam a nobreza uma vida confortável e farta. Ao tocar as pessoas doentes,
pobres, desvalidas e esperançosas por alguma cura, o Rei pronunciava a frase:
“O Rei te toca, que Deus lhe cure”.
Este
relato pode nos conduzir a um tipo de taumaturgia que está nos revisitando
nesses dias atuais. Hoje temos uma figura mítica que ocupa o cargo máximo da
nação e que segundo seus seguidores é visto como uma espécie de salvador. Um
verdadeiro justiceiro apto a livrar o Brasil da corrupção, das ideologias de
gênero, do comunismo, do PT, dos esquerdistas, artistas, professores, da
mamadeira de piroca, do kit gay e todos que são contra qualquer coisa que ele
acredita. Este salvador é visto por vários setores religiosos como um ser
ungido dotado de poderes sobrenaturais, do mesmo modo que os reis da antiguidade.
Ele atua como um monarca absolutista passando por cima das instituições
democráticas, derrubando os direitos dos trabalhadores, fazendo o jogo da Casa
Grande e da Elite do Atraso, conforme destaca a brilhante análise de Jessé
Souza, no seu livro sensacional publicado em 2017 (A elite do atraso: da
escravidão a lava jato). Para Jessé Souza, existe uma elite pós-colonial que
persiste no Brasil desde a era colonial. Essa elite burguesa concentra a maior
parte das riquezas do país, é extremamente racista e não aceita as ideias de
redução das desigualdades sociais e da distribuição de renda.
A
elite do atraso associada a uma elite religiosa fundamentalista e
cristofascista conferiu ao seu Totem os poderes de um curador, um milagreiro ou
um taumaturgo à brasileira. Quando vejo as imagens de dezenas ou centenas de
pessoas tentando tocá-lo nas idas e vindas do “Palais du Plateau ” ou nas ruas, revisito a história dos rituais
farsantes de taumaturgia do passado. Talvez este movimento tenha ficado no DNA
ou no inconsciente coletivo dos súditos do Rei e foram transferidos a nossa
geração pós-colonial. O fato intrigante é que em março de 2020, este líder de
duplos poderes (religiosos e políticos) retornou de uma viagem aos Estados
Unidos num voo que poderia ser chamado de o Voo do Corona (Corona`s Flight),
pois, 23 das pessoas que estavam neste voo foram contaminadas com a Covid-19. O
Totem ou Grão-Vizir da bestialidade afirma até hoje que não contraiu a doença e
desde a sua chegada, ignorando as recomendações sanitárias de seu próprio
Ministério da Saúde, vem saindo as ruas para cumprimentar pessoas, lanchar em
padarias, liderar movimentos antidemocráticos e a lançar seus perdigotos na
população que tenta tocá-lo, tal como num ritual de taumaturgia. Institucionalizando
o negacionismo, ignorando a Ciência e as consequências da pandemia desdenha e
menospreza o vírus letal que já matou milhares de pessoas ao redor do mundo.
Além disso, a omissão de seu desgoverno contribui para o avanço do
desmatamento, violências contra comunidades indígenas, quilombolas e demais
populações socialmente vulneráveis.
Parece-me
que seus seguidores e adoradores querem tocá-lo não em busca da cura para suas
angústias, mas sim, alimentarem-se de ódio, preconceito e desumanidade. É um
ritual recíproco taumatúrgico do ódio, pois nesse caso, o próprio “Rei” também
quer tocar, necessita tocar as pessoas. A intenção não é a cura e sim, a busca
em via de mão dupla, pela contaminação do corpo e da alma. Uma retroalimentação
de mentes doentias presas no imaginário dos porões da tortura. Torturador
absolutista e súditos fiéis se tocam trocando perdigotos numa espécie de transa
infernal, uma cópula regada às “Duchas Corona, um banho de alegria num mundo
de água quente”.
Referências
Duchas Corona (Jingle de 1976). Disponível em: https://www.letras.mus.br/jingles/duchas-corona-jingle-de-1976/. Acessado em 01/05/2020.
M. BLOCH, Os Reis Taumaturgos, o caráter sobrenatural do poder régio. França e Inglaterra, trad. J. MAINARDI, São Paulo, 2005, p. 16 e 28-29
Dicionário Michaelis. Disponível no site: https://michaelis.uol.com.br/. Acessado em 01/05/2050.
SOUZA, Jessé. A Elite do Atraso: Da Escravidão à Lava Jato, São. Paulo: Editora Leya, 2017. 242p.
Já são 22 os infectados que viajaram com Bolsonaro aos EUA. Disponível no site: https://exame.abril.com.br/brasil/ja-sao-22-os-infectados-que-viajaram-com-bolsonaro-aos-eua/. Acessado em 01/05/2020.
"taumaturgo", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/taumaturgo [consultado em 01-05-2020].
"taumaturgia", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/taumaturgia [consultado em 01-05-2020].
TAUMATURGIA. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2019. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Taumaturgia&oldid=56193221>. Acesso em: 9 set. 2019.
VERSAILLES (SÉRIE DE TV). In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2020. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Versailles_(s%C3%A9rie_de_televis%C3%A3o)&oldid=58153853>. Acesso em: 30 abr. 2020.
Já são 22 os infectados que viajaram com Bolsonaro aos EUA. Disponível no site: https://exame.abril.com.br/brasil/ja-sao-22-os-infectados-que-viajaram-com-bolsonaro-aos-eua/. Acessado em 01/05/2020.
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