CSN repete erro da Vale e mantém trabalhadores abaixo de barragens
Por Daniel Camargos | 16/02/19
Companhia Siderúrgica Nacional mantém
restaurante, refeitório e sala de treinamento abaixo de duas barragens
em Ouro Preto. Trabalhadores temem que, assim como no rompimento da
barragem da Vale, em Brumadinho, eles não tenham tempo de escapar
Passados mais de 20 dias do rompimento da barragem da Vale, em
Brumadinho, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) mantém escritório,
refeitório e sala de treinamento funcionando abaixo das barragens do
Vigia e Auxiliar do Vigia, em Ouro Preto.
A Repórter Brasil teve acesso à fotografias feitas
na última quarta-feira (13), que mostram o funcionamento das unidades
construídas ao pé das barragens, em um distrito de Ouro Preto, distante
20 quilômetros do centro de Congonhas.
“Os trabalhadores estão apavorados”, afirma o funcionário da CSN,
Alípio Santos da Silva, que é diretor do sindicato dos metalúrgicos da
região (Metabase Inconfidentes). O pânico dos funcionários, segundo
Silva, ficou maior depois do desastre com a barragem da Vale, que que
matou 166 pessoas, sendo que outras 145 permanecem desaparecidas.
“Depois do que aconteceu em Brumadinho pedimos uma reunião, mas a CSN
não retornou o ofício que enviamos e nem atende nossas ligações”,
afirma o presidente do Metabase Inconfidentes, Rafael Ávila.
As
unidades em azul, construídas abaixo da barragem (á direita), são o
refeitório, escritório e o centro de treinamento da CSN (Foto: Repórter
Brasil)
A maior parte das vítimas em Brumadinho foi de trabalhadores que
estavam no restaurante e no escritório da empresa – construídos ao pé da
barragem de Córrego do Feijão – e não tiveram nenhuma chance de
escapar. Os rejeitos de minério, a uma velocidade de quase 100 km/h,
atingiram em menos de um minuto os dois centros administrativos da Vale.
Na divisa entre Ouro Preto e Congonhas, o refeitório da CSN tem
capacidade para 200 pessoas, outras 20 trabalham no escritório
localizado abaixo das barragens e há uma sala de treinamento, usada
frequentemente, com capacidade para 30 pessoas, segundo informações do
Metabase.
Procurada pela Repórter Brasil, a CSN não respondeu aos questionamentos.
A segurança das duas barragens da CSN em Ouro Preto “não traz
tranquilidade”, segundo técnicos do Ministério Público de Minas Gerais
que as fiscalizaram em julho de 2018. A Repórter Brasil
teve acesso ao relatório de 41 páginas, que destaca o risco das
barragens e contesta a análise do auditor independente contratado pela
CSN e que garantiu a estabilidade de ambas.
Em 2008, a barragem do Vigia rompeu parcialmente. A água e os
rejeitos que vazaram inundaram três bairros de Congonhas, desabrigando
40 famílias. Outro problema na barragem aconteceu em dezembro de 2016,
quando um vazamento em uma mina vizinha, da Vale, atingiu a barragem do
Vigia, da CSN.
Rompimento
em duto da barragem do Vigia, em março de 2008. Rejeitos provocaram
cheia em rios e córregos e inundaram três bairros de Congonhas, deixando
40 famílias desabrigadas (Foto: Sandoval Souza Pinto Filho)
Construções ameaçadas
Em caso de ruptura das duas barragens da CSN, seriam atingidas 19
edificações e seis pontes rodoviárias e a área de operação da mina. As
informações constam no Plano de Ação de Emergência para Barragens de
Mineração (PAEBM), documento obrigatório para toda barragem e que prevê o
impacto que um rompimento pode causar, que a Repórter Brasil teve acesso.
O plano foi elaborado pela empresa DAM em setembro de 2016 e
considera duas hipóteses de rompimento: a primeira com o galgamento,
quando o rejeito passa por cima do dique e a segunda por erosão interna,
processo chamado de pipping.
As barragens Vigia e Auxiliar do Vigia estão fora da área urbana e
foram construídas a montante, mesmo método construtivo das duas
barragens que romperam em Minas Gerais em pouco mais de três anos: de
Fundão (Mariana) e de Córrego do Feijão (Brumadinho).
O método a montante é considerado o mais instável e, por isso, é
proibido em outros países, como no Chile. Em Minas Gerais, esse método é
proibido desde 2016.
Assim como a mina da Vale, em Brumadinho, a unidade da CSN fica no
Quadrilátero Ferrífero, na região Central de Minas Gerais, de onde são
extraídos 258 milhões de toneladas de minério de ferro por ano. Somente
em Congonhas, são 24 barragens na bacia hidrográfica da cidade. Algumas,
como Vigia e Auxiliar do Vigia, estão em cidades vizinhas, mas o
impacto, em caso de rompimento, afetaria a cidade histórica famosa pelas
obras de Aleijadinho.
O foco maior da atenção do poder público é a barragem Casa de Pedra,
também da CSN, que está na área urbana e tem capacidade para 75.476.000
m³, maior que a barragem de Fundão, da Samarco, em Mariana, que rompeu
em 2015 e tinha volume de 50.000.000 m³. Na sexta-feira (15), a
prefeitura de Congonhas remanejou estudantes de uma creche e uma escola
municipal que fica localizado no bairro próxima a barragem Casa de
Pedra.
Já as barragens de Vigia e Auxiliar do Vigia deixaram de receber
rejeitos em 2015 e o Ministério Público recomenda que a CSN faça
descaracterização das barragens rapidamente. Isto é, que retirem os
rejeitos e, posteriormente, plantem vegetação no local. A CSN se
comprometeu, em ofício assinado junto ao Ministério Público, em agosto
do ano passado, a descaracterizar a barragem de Auxiliar do Vigia, mas
não definiu um cronograma. Porém, afirmou que quer manter a barragem do
Vigia ativa para: “conter sedimentos e clarificar água”.
Imagem
do estudo de impacto contratado pela CSN. À esquerda do dique da
barragem do Vigia estão refeitório, escritório e sala de treinamento
O principal problema apontado na fiscalização do MP é que os
extravasores que compõem o sistema de disposição de rejeitos não estão
adequados à passagem de cheias. Outra falha é a análise de estabilidade,
que não foi desenvolvida seguindo a recomendação técnica oficial.
Ambientalista e minerador
Apesar de ficar em Ouro Preto, um rompimento das barragens do Vigia e
Auxiliar do Vigia afetaria a cidade de Congonhas. “O plano
subdimensionado não permite nem pensar em salvar as pessoas. Não é dada a
chance da pessoa conhecer o risco que ela corre”, afirma o secretário
de Meio Ambiente de Congonhas, Neylor Aarão.
O secretário foi candidato a vereador em 2016 e declarou, à época,
ser proprietário de 99% das cotas da GNX Mineração e 33% dos direitos de
lavra de um requerimento de pesquisa mineral.
Aarão declara ser ambientalista e consultor ambiental, com serviços
prestados para mineradoras. “Algumas empresas na hora do pagamento não
tem dinheiro e pagam com participação”, explica. Ele diz que vendeu o
patrimônio ligado às atividades minerárias e não vê conflito de
interesse.
Criticada pelo governo, metodologia Paulo Freire revolucionou povoado no sertão
Por Marcelle Souza | 30/03/19
Antes de ser exilado, educador comandou
alfabetização de 300 adultos no interior do Rio Grande do Norte em 1963,
em curso financiado pelo governo dos EUA, que ensinou também direitos
trabalhistas
https://youtu.be/KGmcm651jO8
Um povoado desconhecido no sertão brasileiro, com alta taxa de
pobreza e uma multidão de trabalhadores analfabetos, viveu uma
revolução: em apenas 40 horas, um grupo de professores liderados pelo
educador Paulo Freire ensinou 300 adultos a ler e a escrever. Mais do
que criar novos leitores, a primeira experiência de alfabetização em
massa do país, realizada em 1963, em Angicos, no Rio Grande do Norte,
gerou novas possibilidades de emprego, deu aos trabalhadores o tão
sonhado poder do voto e os ensinou sobre seus direitos – especialmente
os trabalhistas.
O resultado deu tão certo que inspirou o Plano Nacional de
Alfabetização, que nunca chegou a sair do papel por causa do golpe
militar de 1964. Alguns dos principais articuladores da ideia, entre
eles o próprio Paulo Freire, terminaram exilados.
Mais de cinco décadas depois, o ódio ao educador voltou à cena e guia
a atual política educacional no país. O presidente Jair Bolsonaro
afirmou, enquanto candidato, que entraria com um “lança-chamas no MEC
para expulsar Paulo Freire lá de dentro”.
O
ex-aluno Paulo Alves de Sousa diz que não guardou nada da época do
curso de alfabetização: “Se a polícia pegasse, a gente ia preso” (Foto:
Caio Castor/Repórter Brasil)
Ironicamente, o projeto executado em Angicos foi financiado pela
Aliança para o Progresso, do governo dos Estados Unidos, que via na
alfabetização dos brasileiros uma das armas na luta contra o avanço do
comunismo na América Latina.
Enquanto o método Paulo Freire virou uma bandeira a ser combatida, 13
milhões de jovens e adultos com mais de 15 anos ainda não sabem ler nem
escrever, dado que coloca o Brasil entre os dez países com mais
analfabetos no mundo, segundo a Unesco (Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura).
“O projeto de Angicos custava 36 dólares por aluno e o prazo de
aprendizagem era curto. Se até hoje não foi retomado, é por intenção de
não gerar condições de aprendizagem para uma parte da população, que
termina por não desenvolver o seu potencial”, diz o advogado Marcos
Guerra, que foi o coordenador da experiência na cidade. Ele explica que a
cidade foi escolhida por ter, na década de 1960, o maior índice de
analfabetismo do Rio Grande do Norte.
A palavra é TRABALHO
Para angariar os alunos em Angicos, professores percorreram a cidade
anunciando porta-a-porta a nova escola. Como a cidade não tinha escolas
suficientes, salas de aulas foram improvisadas em casas de moradores e
até na delegacia, onde tinham presos e policiais analfabetos. Na década
de 1960, 40% dos brasileiros eram analfabetos e só um terço das crianças
frequentavam a escola.
Cerca de 300 moradores de Angicos participaram do curso de alfabetização de adultos e ganharam o direito ao voto (Foto: arquivo)
Considerada subversiva pelos militares, a metodologia consistia,
primeiro, em levantar palavras que faziam parte do cotidiano dos
alunos. “Por exemplo, ‘tijolo’. A professora perguntava quem sabia fazer
tijolo, quanto vendia, quem comprava, de quem era o lucro maior – se do
proprietário ou do trabalhador que o fabrica. Chamavam isso de aula de
politização”, lembra a ex-aluna Maria Eneide de Araújo Melo, 62, que
hoje é professora aposentada.
Naquela época, as condições de trabalho na região eram precárias,
havia muita desigualdade social, e a maior discussão se deu quando os
professores projetaram para os alunos a palavra ‘trabalho’. A partir
desse momento, foram incentivados a ler em sala artigos da CLT
(Consolidação das Leis do Trabalho).
“Eles passaram a reivindicar direitos, como repouso semanal
remunerado e jornada de trabalho, que era intensiva e ultrapassava as
horas estabelecidas pela lei. A carteira assinada os entusiasmava”,
conta a juíza aposentada Valquíria Félix da Silva, 78, que foi uma das
professoras do curso na cidade.
Depois do curso, uma greve na cidade parou a construção de uma obra.
Acredita-se que eles teriam sido inspirados pelo ensino dos direitos
trabalhistas em sala de aula, com a metodologia freiriana. “Os
trabalhadores disseram ao dono da empresa que sabiam que tinham
direitos. Eles pediam carteira assinada, repouso semanal remunerado e
férias. E o patrão disse: ‘eu não dou isso não, ninguém dá’”, lembra
Guerra.
O educador Paulo Freire faz formação de professores para replicarem sua metodologia (Foto: arquivo)
Novos caminhos
Maria Eneide nem tinha completado os 7 anos necessários para iniciar a
alfabetização, quando tratou de convencer a mãe e o pai analfabetos de
que precisavam aproveitar a nova escola que chegava na cidade. “Meu pai
trabalhava na agricultura, saía de manhã e só voltava à noite. Às vezes,
ele estava cansado, pensava em faltar, mas a professora ia lá em casa
buscá-lo para a escola”, lembra ela, que acompanhou os pais no curso.
Depois da formatura, o pai deixou o trabalho no campo para ser
pedreiro e, por fim, virou comerciante na cidade. A mãe, por sua vez,
decidiu realizar o sonho de entrar para a aula de corte e costura,
porque agora já sabia anotar as medidas.
Francisca de Brito, ex-aluna, frequentou o curso de alfabetização mesmo sob ameaças da mãe (Foto: Caio Castor/Repórter Brasil)
Mas a pequena Maria Eneide queria ser professora como “a dona
Valquíria”, com quem aprendeu a ler na turma de adultos. “Fui
alfabetizada no curso de Paulo Freire. Daí, quando eu entrei para o
primeiro ano do fundamental, eu já falava de reforma agrária, das leis
da Constituição. As professoras não gostavam, diziam que eu estava
mentindo. As pessoas não eram esclarecidas naquela época”, diz ela, que
acabou estudando pedagogia e hoje é professora na cidade.
Novos leitores e eleitores
A revolução em Angicos aconteceu também pela realização de um desejo
antigo de muita gente: o poder do voto. Naquela época, analfabetos não
podiam votar. Antes do curso, havia cerca de 800 eleitores cadastrados
na cidade. Depois da formatura, o município ganhou 300 novas inscrições.
“A gente que era pobre não era nem bem visto, ninguém podia nem
entrar no meio da sociedade, em festa desse povo, porque era pobre, era
da cor morena. Mas daí a professora começou a explicar que a gente ia
aprender a ler para conhecer os nossos direitos, e eu tinha vontade de
aprender, fazer meu nome que era pra votar. E eu aprendi”, lembra Luzia
de Andrade, 88.
Apesar do entusiasmo de todos, o clima em 1963 já era tenso no país.
Logo após o golpe militar, Paulo Freire foi demitido da então
Universidade do Recife, permaneceu 70 dias preso e, em seguida, teve que
deixar o país, assim como outros educadores do projeto, como Marcos
Guerra.
Em Angicos, estabeleceu-se um silêncio que durou quase 30 anos.
Estava proibido falar e lembrar das 40 horas que haviam mudado a cidade.
“Quando chegou essa notícia de que o homem [Paulo Freire] tinha sido
exilado, que tinha sido preso, muita gente, com medo, escondeu caderno,
escondeu livro, queimou”, conta Francisca de Brito, 74. “A gente não tem
nada guardado dessa época porque se a polícia pegasse, a gente ia
preso”, diz Paulo Alves de Sousa, 77, outro ex-aluno.
A massa virou povo
Antes do golpe de 1964, a experiência era tão importante para o país
que o último dia de aulas em Angicos contou com a presença do então o
presidente João Goulart, do presidente da Sudene (Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste) Celso Furtado e de governadores de estados
do Nordeste.
Marcos Guerra, coordenador do curso em Angicos, foi exilado após o golpe de 1964 (Foto: Caio Castor/Repórter Brasil)
Em meio às autoridades, um aluno pediu a palavra e improvisou um
discurso sobre a experiência na cerimônia de formatura. “Em outra hora,
nós era massa, hoje já não somos massa, estamos sendo povo”, disse o
agricultor Antônio Ferreira.
O presidente João Goulart ainda ficou curioso ao saber que uma
criança tinha aprendido a ler com a metodologia voltada para os adultos.
Era Maria Eneide, chamada à frente para testar as novas habilidades
para o público ilustre.
“Ele disse: ‘lê aqui’. E eu li. Depois me perguntou: ‘você quer
ganhar o que?’ E respondi que queria uma bolsa para levar o material
para a escola”. Trinta anos depois, em visita a Angicos, Paulo Freire
decidiu refazer a pergunta para a ex-aluna: “se o presidente hoje
perguntasse o que você queria de presente, o que você diria?”. “Eu
queria salário digno a todos os professores”.
A reportagem é publicada por Articulação dos Povos Indígenas do Brasil - Apib, 25-03-2019.
O Acampamento Terra Livre (ATL) vai reunir milhares de lideranças indígenas de todo o país de 24 a 26 de abril, em Brasília. A maior mobilização de povos indígenas do Brasil será realizada em meio a uma grande ofensiva contra seus direitos, ameaças e violência contra lideranças e o sucateamento dos órgãos responsáveis pelas políticas públicas indigenistas. Neste ano, o mote do acampamento é “Sangue indígena. Nas veias, a luta pela terra e território”.
Com forte caráter de resistência, seu objetivo é reunir lideranças dos povos indígenas das cinco regiões e parceiros de todo o mundo, entre eles, lideranças indígenas da Coica (Coordenadoria das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica), AMPB (Alianza Mesoamericana de Pueblos y Bosques), AMAN (Aliança dos Povos Indígenas do Arquipélago da Indonésia)
e outros para articular estratégias de luta e visibilizar a realidade
brasileira, denunciando os constantes e crescentes ataques. Estarão em
pauta: a transferência da FUNAI do Ministério da Justiça para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos; a municipalização da saúde indígena; a proposta de marco temporal
(uma tese político-jurídica inconstitucional, segundo a qual os povos
indígenas só teriam direito às terras que estavam sob sua posse em 5 de
outubro de 1988); as mudanças no poder Executivo, com a transferência do poder de demarcação para o Ministério da Agricultura sob comando da bancada ruralista; a intensificação das invasões às terras indígenas e as ameaças às lideranças; entre outros.
Durante os três dias do ATL acontecerão marchas, atos públicos, audiências com autoridades, assembleias e debates. O ATL 2019 é realizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)
com o apoio de organizações indígenas, indigenistas e
socioambientais, movimentos do campo e da cidade e apoiadores da
sociedade civil.
Em menos de 90 dias de Governo Bolsonaro os ataques aos direitos indígenas já desmontaram 30 anos de política indigenista: 1 – Transferência da Funai para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. 2 – Entrega das pastas da Demarcação e licenciamento ambiental o MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, sob comando dos ruralistas. 3 – Extinção da SECADI – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI/MEC). 4 – Extinção do Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional). 5 – Aumento dos conflitos territoriais devido ao discurso que afirma “não haverá um centímetro de terra demarcada”. 6 – Negociação e entrega da Amazônia a interesses e corporações nacionais e internacionais. 7 – Articulação intensa para a Reforma da Previdência, que é na verdade o fim da previdência pública. 8 -Liberação do porte de arma, possibilitando assim que no campo a violência aumente e os riscos aos indígenas também. 9 – Determinação de municipalizar a saúde indígena, acabando com a SESAI – A Secretaria Especial de Saúde Indígena. 10 – Exploração e empreendimentos que impactam diretamente as Terras Indígenas com consequências irreversíveis para o meio ambiente, a cultura e modo de vida dos nossos povos. 11 – Estabelecimento de novo marco legal,
através de medidas administrativas, jurídicas e legislativas que
afrontam ou suprimem o direito originário dos nossos povos, o direito de
ocupação tradicional, de posse e usufruto exclusivo das nossas terras,
territórios e bens naturais.
No
dia 1º. de abril de 1964, tropas amotinadas do Exército Brasileiro
depõem o presidente constitucional e democraticamente eleito do Brasil,
João Goulart. O cargo presidencial foi declarado vago pelo Congresso
Nacional ainda em presença do legítimo presidente em território
Nacional.
Iniciava-se um regime autoritário que suprimiu
liberdades e direitos civis e políticos, massacrou a oposição,
perseguiu, sequestrou, torturou, matou e desapareceu com os corpos de
militantes da resistência democrática.
Tal como hoje em que as
liberdades democráticas estão sob ataque, o golpe militar contou com
apoio da coalizão de todos os setores conservadores e reacionários do
país.
Soube-se, anos depois, do papel absolutamente decisivo do
imperialismo estadunidense, de lideranças políticas, empresariais,
midiáticas e eclesiásticas que concorreram para que os setores militares
que tomaram a frente do novo regime chegassem a essa intervenção
militar que durou mais de 21 anos de autoritarismo.
Os partidos
políticos abaixo signatários manifestam sua perplexidade com a
desfaçatez com que o Presidente da República, Jair Bolsonaro, adota como
chefe de Estado, ao arrepio da Constituição e da Lei, o discurso de
louvação desse regime de exceção que marcou sua atuação como parlamentar
e candidato. Repudiam a convocação pelo Presidente da República de atos
de desagravo ao regime militar e aos piores algozes da democracia
produzidos naquele período.
Não aceitam que qualquer instituição
da República promovam o revisionismo histórico e negligenciem a verdade
dos fatos que a sociedade brasileira pacientemente veio construindo nos
anos de democracia que se sucederam ao regime de exceção, cujo ápice se
encontra no relatório da Comissão Nacional da Verdade que concluiu seus
trabalhos em 2014.
Assim, os partidos políticos que se expressam
nessa nota apoiam os questionamentos formais feitos desses atos do novo
Governo pelo Ministério Público Federal, no âmbito do Congresso Nacional
e pela sociedade civil brasileira. Se associam aos atos convocados em
todo o país pela democracia, pelo Estado Democrático de Direito, pelos
Direitos Humanos e pelo Direito à Memória, à Verdade e a Justiça. Se
irmanam às vítimas da ditadura, suas famílias e entidades
representativas, na denúncia de seu sofrimento e na sua luta por
reparação. E reafirmam seu compromisso de continuar lutando contra os
retrocessos sociais, econômicos e culturais que vêm sendo impostos ao
povo brasileiro e à soberania da Nação por este novo Governo, cujas
condições de governar vão desabando perante a população por desatinos e
provocações como as que se anunciam para o 31 de março e o 1º. de abril
de 2019.
Memória, Verdade, Justiça!
Ditadura Nunca Mais
Democracia Já
Juliano Medeiros – Presidente nacional do PSOL Carlos Luppi – Presidente nacional do PDT Carlos Siqueira – Presidente nacional do PSB Edmilson Costa – Secretário-geral nacional do PCB Gleisi Hoffmann – Presidenta nacional do PT Luciana Santos – Presidenta nacional do PCdoB
Brasília, 30 de março de 2019.
SOBRE A
PROPOSTA DE REFORMA DA PREVIDÊNCIA DO GOVERNO BOLSONARO
O Governo
Bolsonaro encaminhou proposta de reforma da previdência ao Congresso Nacional
no segundo mês de seu governo, como prometeu. Muitas análises e uma disputa
para legitimar a proposta estão em curso. Alguns dos argumentos centrais
apontados pelo governo e pelos analistas e economistas aliados aos interesses
do mercado são de que o Brasil precisa fazer a reforma da previdência para (1)
contribuir no ajuste fiscal e controle das contas públicas, sem o qual não se
retoma o crescimento da economia no país, (2) fazer justiça social, corrigindo
as distorções existentes no sistema previdenciário e (3) garantir a seguridade
da previdência para as gerações futuras. Apresentamos alguns comentários ainda
iniciais de posicionamento.
(1) O argumento
do ajuste fiscal e da retomada do crescimento da economia, entre outras
questões, destaca o chamado déficit orçamentário da previdência ou “rombo da
previdência”. Para os economistas comprometidos com os senhores do mercado este
é o grande atravancador do avanço da economia no país. A economista e
professora da UFRJ, Denise Lobato Gentil, defende que este argumento não se
sustenta, quando confrontado à Constituição Federal de 1988. Para ela “o
governo faz um cálculo sem considerar o que prevê a Constituição Federal nos
artigos 194 e 195. Nesses dois artigos verifica-se que os recursos que
pertencem à seguridade social, que financiarão os gastos com saúde, assistência
social e previdência, são provenientes de vár ias fontes de receita”. Segundo
ela, “quem defende a seguridade social, no entanto, sabe que toda essa retórica
é forjada para privatizar a oferta de serviços públicos”. Com isto “empurra-se
a população para fazer planos de previdência em fundos privados de
capitalização e desloca essas pessoas de um serviço que deveria ser público
para o sistema financeiro. Trata-se de um processo de financeirização do
orçamento público. Reduzir benefícios significa empurrar as pessoas para os
planos privados de previdência”.1 Para a economista, em acordo com o que aponta a
Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip),
“baseado nos preceitos constitucionais, não há déficit da previdência”. A
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) realizada pelo Senado Federal e
concluída no final de 2017, em seu relatório final,2 aprovado por unanimidade,
observou que “falar simplesmente de déficit da Previdência, a partir do
comportamento das receitas e despesas atuais da seguridade social como um todo,
é mitigar a realidade” (2017, p. 34). Por outro lado, é importante frisar que o
crescimento da economia é resultado de vários fatores e atrelar a crise
econômica ao sistema previdenciário é jogar com o interesse dos mercados sobre
os direitos dos/as trabalhadores/as.
(2) O argumento
de que a proposta de reforma apresentada pelo governo vai definitivamente
promover a justiça social não passa de armadilha retórica ou mera ficção. Isso
porque, nivelar os já historicamente prejudicados e alijados dos direitos
constitucionais, do acesso
aos
serviços públicos básicos com aqueles que sempre gozaram de benefícios ou
privilégios no sistema previdenciário não tem o menor senso de justiça social.
Isto é, na contramão deste discurso, num rápido olhar sobre a proposta
apresentada pelo governo, é possível detectar que ela é muito dura e injusta
com os mais pobres, sobretudo em razão da diminuição dos ganhos, do aumento da
idade e do tempo de contribuição e as mudanças no Benefício de Prestação Continuada
(BPC), por exemplo. A previsão de que a população que tem direito ao BPC
somente passará a receber o salário mínimo integral a partir dos 70 anos
significa, para o economista e professor da Unicamp, Eduardo Fagnani, que “esta
população terá uma sobrevida muito curta, uma vez que é difícil que cheguem aos
70 anos de idade” 3.
A proposta previdenciária também atinge de forma negativa as mulheres, elevando
e equiparando a idade e o tempo de contribuição com os homens, num universo
adverso do mundo do trabalho, onde as mulheres além de exercerem a maternidade,
na sua grande maioria cumprem com carga horária de trabalho dobrada e com
ganhos inferiores aos dos homens. A classe trabalhadora que, em média vive de
salário mínimo ou pouco mais, e que, em geral, ocupa os trabalhos mais onerosos
à saúde, terá a idade mínima para garantia de aposentadoria aos 65 anos de
idade para os homens e 62 para as mulheres, além da exigência de 40 anos de
contribuição para a recepção do valor integral, gerando potencial altíssimo de
ganho menor do que o salário mínimo ao se aposentar. Na contramão destas
injustiças e sacrifício dos mais pobres e frágeis no sistema, o governo
continua fazendo a opção em não discutir o gasto público no que se refere aos
custos com pagamento de juros da dívida pública e com renúncias tributárias e
fiscais dos mais ricos, além da inadimplência e das dívidas não cobradas, que
transferem polpudos valores ou então deixam de arrecadar sobre lucros e
dividendos, sustentando assim o avanço da concentração de renda e da
desigualdade social no país.
(3) No que se
refere ao terceiro argumento, defender a previdência para as gerações futuras
não significa penalizar quem entrou recentemente ou está entrando agora no
mercado de trabalho. Há análises que dizem que a proposta de reforma da
previdência apresentada pelo governo vai incentivar a contratação de
aposentados, uma vez que propõe desoneração com relação ao Fundo de Garantia
por Tempo de Serviço (FGTS) e multa rescisória. Logo, além de promover a perda
de direitos para os/as trabalhadores/as mais velhos e/ou aposentados, estimula
o mercado a não contratação de trabalhadores e profissionais mais jovens. Isto
é defender as gerações futuras? Ainda, ao manter na ativa por mais tempo
profissionais mais velhos, promove incentivo para que os mais jovens,
especialmente os menos qualificados, se disponham a trabalhar com menos
direitos, aderindo a já anunciada “carteira de trabalho verde e amarela”, que
flexibilizará ainda mais os direitos trabalhistas.4 Por outro lado, fazer a
reforma de previdência de costas para a realidade do mundo do trabalho e do
trabalhador no Brasil, é um erro. No Brasil, mais ou menos 50% do trabalho se
dá na informalidade, sem contribuição à previdência. Nesta perspectiva, segundo
Eduardo Fagnani, “com essas regras propostas, que são duríssimas, mais uns 20%
não irão conseguir contribuir e serão lançados à assistência ganhando 400 ou 500
reais.” Logo, ao invés de proteger as gerações futuras, o que teremos daqui a
20 ou 30 anos , no dizer de Fagnani, é “um país indigente” ou “um capitalismo
sem consumidor”.
Enfim,
centralmente o principal retrocesso na proposta do governo é que ela destrói um
dos conceitos mais bem construídos e de amplo alcance na garantia de direitos
sociais, formulado na Constituição Federal de 1988, a seguridade social. Na
previsão atual, articula previdência, saúde e assistência social. A proposta de
reforma do governo inaugura uma nova forma de previdência que não é de
seguridade, mas de seguro social, numa perspectiva de capitalização e não de
direitos. Esta proposta ataca profundamente os mais pobres pois se soma à
reforma trabalhista já aprovada que flexibiliza e precariza de modo profundo as
relações de trabalho. Ao promover esta mudança profunda, o País deixa de
oferecer a garantia de
realização dos direitos previstos no Pacto Internacional dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais (arts. 9º e 11, especialmente), promovendo um
retrocesso imensurável e que viola este tratado internacional ratificado pelo
Brasil (§ 1º do art. 2º e §§ 1º e 2º do art. 5º) e também o artigo 29 da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), à
qual o Brasil aderiu em 1992.
Fazer correções no sistema
previdenciário é coisa que todos os países sérios fazem, mas não é justo fazer
isto às custas da destruição do sistema de proteção social e que os maiores
prejudicados sejam os/as cidadãos/ãs e trabalhadores/as que historicamente já
pagam esta conta no país.
Brasília, 11 de março de 2019.
Articulação para o
Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil
Assinam:
Articulação Estadual MNDH RS
Centro de Direitos Humanos de Cristalândia - Dom Heriberto Hermes
Centro de Direitos Humanos de Sapopemba - CDHS
Centro de Educação e Assessoramento Popular – CEAP
Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos
Coletivo Jovem de Minas Gerais
Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo – CDHPF
Comissão Pastoral da Terra
Comissão Regional de Justiça e Paz de Mato Grosso do Sul – CRJPMS
Conselho Nacional do Laicato do Brasil - CNLB
FIAN Brasil
Fórum de Direitos Humanos e da Terra
Fórum Ecumênico ACT Brasil
Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte - GPEA-UFMT
Instituto Caracol - ICA
Instituto de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e
Ambientais – IDHESCA
Koinonia Presença Ecumênica e Serviço
Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB
Movimento Nacional de Direitos Humanos - MNDH
Movimento REBELIÃO
Observatório da Educação Ambiental - OBSERVARE
Parceiros de Misereor no Brasil
Processo de Articulação e Diálogo Internacional
- PAD
Rede Internacional de
Pesquisadores em Educação Ambiental e Justiça Climática - REAJA Rede
Mato-grossense de Educação Ambiental – REMTEA