sábado, 30 de maio de 2020

Especialistas apontam semelhanças entre os 300 de Sara Winter e grupos fascistas europeus



Especialistas apontam semelhanças entre os 300 de Sara Winter e grupos fascistas europeus

https://apublica.org/2020/05/especialistas-apontam-semelhancas-entre-os-300-de-sara-winter-e-grupos-fascistas-europeus/

Fonte: Agência Pública

Resumo:

Filme “300”, que inspira acampamento bolsonarista também é referência para grupos racistas e neonazistas; como os europeus, o grupo brasileiro apela à desobediência civil e à violência

Por Andrea DiP, Niklas Franzen

“Olá, nós somos os 300 do Brasil, o maior acampamento contra a corrupção e a esquerda do mundo” diz, de maneira nada modesta, Sara Fernanda Giromini, mais conhecida como Sara Winter. No vídeo, ela convoca “pessoas que tenham a coragem de doar ao Brasil sangue, suor e sono” a fazer parte de seu movimento de extrema direita bolsonarista que, desde o começo de maio, está acampado nos arredores da Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Ontem, Sara também teve o celular e o computador apreendidos pela operação da Polícia Federal relacionada ao inquérito das Fake News que é conduzido pelo STF. Em resposta, fez vários vídeos e posts no Twitter desafiando e xingando o ministro Alexandre de Moraes, que conduz o inquérito, e ainda fez ameaças: “A gente vai infernizar a tua vida. A gente vai descobrir os lugares que você frequenta. A gente vai descobrir as empregadas domésticas que trabalham pro senhor. A gente vai descobrir tudo da sua vida. Até o senhor pedir pra sair. Hoje, o senhor tomou a pior decisão da vida do senhor”. Nas redes sociais, o comentário era de que ela fez isso com a intenção de ser presa para se tornar um mártir ou candidata – ou os dois.

O “maior acampamento do mundo”, também tem recebido atenção nos últimos dias; menos por seu tamanho – não passa de algumas barraquinhas espalhadas pelo gramado – e mais pelas declarações e ações de sua fundadora. Ainda no começo de maio, Sara admitiu em entrevista à BBC News a presença de armas no acampamento “para a proteção dos próprios membros”. O Ministério Público do Distrito Federal chegou a mover uma ação civil pública pedindo que o acampamento fosse desmontado, que houvesse uma revista para busca e apreensão de armas e que o grupo fosse proibido de atuar. O pedido, porém, foi negado pelo juiz Paulo Afonso Carmona da 7ª Vara da Fazenda Pública do DF. O acampamento também é alvo de uma investigação pela PGR: Deputados do Psol pediram a abertura de um inquérito para investigar a atuação de Sara Winter em uma “formação de milícia” e o Supremo Tribunal Federal autorizou a abertura do procedimento para apurar quem seriam os financiadores do movimento. A existência de um suposto quartel-general do grupo em uma chácara, com estrutura militar, também está sob investigação.

Apoiadores do movimento de extrema-direita estão acampados na Esplanada dos Ministérios

O nome do grupo de Sara Winter, “300 do Brasil” assim como algumas imagens e o uso do grito “Ahu” durante manifestações, são inspirados pelo filme “300”, do diretor Zack Synder, de 2006, que por sua vez se baseia nos quadrinhos de Frank Miller e Lynn Varley de 1998. O filme mostra a luta heróica de um exército de 300 espartanos, liderado pelo Rei Leónidas, contra um exército de 30 mil soldados persas liderado pelo “deus-rei” Xerxes I da Pérsia querendo invadir Esparta.

O grupo liderado por Sara Winter se inspirou no filme 300

Apesar de ter se tornado um grande sucesso, o filme americano também foi fortemente criticado pela violência explícita e por ter uma estética fascista. Os soldados espartanos são musculosos, hiper masculinizados, fortes e apresentados como bons e honrosos. Enquanto isso, Xerxes é afeminado e andrógino e seus soldados são mostrados como ferozes invasores. Na Alemanha, chegou a ser comparado aos filmes da diretora nazista Leni Riefenstahl.

Em entrevista à reportagem, a co-fundadora dos “300 do Brasil” Desire Queiroz, explica o que motivou a referência ao filme: “A gente teve a ideia justamente pela luta. Isso mostra que nós somos poucas pessoas que podem vencer muitas pessoas”. Ela conta que o grupo começou com 10 pessoas mas que apesar disso é forte e pode “lutar e vencer”. E nega que movimentos da extrema direita europeia tenham sido uma influência para a criação do grupo. Procurada, Sara Winter não respondeu os pedidos de entrevista.

Sara Winter lidera o movimento “300 do Brasil”

“Europeus verdadeiros” contra “Invasores”

Na Europa, movimentos de extrema direita fazem frequentemente referência ao filme 300 e à Batalha das Termópilas. Mas para a direita europeia, o filme e o combate heróico dos espartanos contra persas representa a atual luta dos “europeus verdadeiros” contra os “invasores” refugiados.

O caso mais famoso é o do chamado “Movimento Identitário”, que começou na França, mas existe hoje em vários países do continente europeu. Com uma crítica pesada a uma suposta “islamização da Europa” e uma comunicação ofensiva, o grupo usa o “etno pluralismo” -, principal conceito da nova direita, para dizer que sociedades devem ser “culturalmente puras” e que cada povo tem seu habitat. O número de membros do Movimento Identitário é bastante baixo e eles também tentam compensar isso com ações espetaculares que geram grande atenção na mídia, como ocupações, acampamentos e performances em lugares públicos.

O Movimento Identitário é um movimento da extrema direita francesa

Segundo a pesquisadora e jornalista alemã Carina Book, o filme “300” virou referência para movimentos de extrema direita por vários motivos. A Batalha das Termópilas representa a luta do Ocidente contra o Oriente e o rei Leônidas ordena que seu exército enfrente a morte para salvar a população de uma invasão do Oriente Médio. “Esse discurso de fazer um sacrifício pela nação e resistência violenta contra ‘invasores’ frequentemente acha-se no discurso do Movimento Identitário” explica Carina, que estuda o movimento há muitos anos e publicou alguns livros sobre a nova direita europeia. O uso do discurso do sacrifício, e do “sangue e suor” pela pátria também é muito frequente por parte dos integrantes do “300 do Brasil”. No vídeo de convocação diz: “buscamos pessoas que tenham a coragem de doar ao Brasil sangue, suor e sono, que estejam dispostas a abrir mão de sua comodidade e dedicar-se integralmente às ações coordenadas, inclusive tendo em mente a possibilidade de ser detido (…) Se você está disposto a passar frio, ficar no sol, tomar chuva, e a fazer parte dessa página na história do Brasil, VENHA!”. No Twitter, mensagens como “O soldado que vai a guerra e tem medo de morrer é um covarde” também são fartamente encontradas.

O grito de guerra “Ahu” dos soldados espartanos, usado pelos “300 do Brasil” também é usado nas manifestações do Movimento Identitário. Se, em maio deste ano, Sara tuitou “ATENÇÃO BRASÍLIA! DESÇAM AGORA PRA PRAÇA DOS 3 PODERES! A ESQUERDA QUER OCUPAR A PRAÇA. OS 300 DO BRASIL VÃO TOMAR CAFÉ DA MANHÃ VERMELHO HOJE! AHU AHU AHU”, em 2016 durante um ato em Berlim, capital da Alemanha, Martin Sellner, um dos líderes do Movimento Identitário, falou: “Hoje estamos aqui com 300 pessoas. 300 é um número que nós identitários gostamos”. E puxou o Ahu entre os integrantes do grupo, como mostra esse vídeo.

Sara Winter convocando apoiadores em uma rede social

Mas não é só o Movimento Identitário que gosta de se comparar aos espartanos. Em vários protestos e shows, neonazistas fazem referência ao filme e aos espartanos como mostra a revista antifascista e investigativa alemã Das Versteckspiel. No site da marca de moda neonazista Asgar Aryan, segundo a reportagem, há inclusive um moletom com a imagem de um soldado espartano.

As referências à Grécia usadas pela extrema direita são antigas. No dia 30 de janeiro de 1943, quando a derrota dos nazistas na batalha de Stalingrado já era certa, o Ministro da Aviação da Alemanha Hermann Göring fez um discurso comparando a situação dos soldados nazistas com a Batalha das Termópilas, legitimando ideologicamente a batalha. E uma unidade especial da Luftwaffe, força aérea nazista, ficou famosa por voar em missões suicidas contra os Soviéticos e foi chamada de Esquadrão Leónidas.

Convidada a assistir os vídeos do “300 do Brasil”, Carina Book diz que encontra semelhanças com os movimentos de extrema direita europeus. “A estética do vídeo inicial dos “300 do Brasil” lembra muito a dos vídeos do Movimento Identitário. As semelhanças podem ser vistas no vídeo ‘Declaração de guerra’ publicado em 2012 na França, que alerta sobre os supostos danos da migração para a Europa”. Semelhanças também podem ser vistas neste vídeo do Movimento Identitário da Alemanha.

Protesto do Movimento Identitário da Alemanha

O apelo à “desobediência civil”, o uso de palavras como “revolução” ou performances com uma caixão em frente do Congresso também lembram o discurso e as ações “metapolíticas” da extrema direita europeia, diz a pesquisadora. O caráter paramilitar do movimento chama a atenção. Os militantes chamam-se de “soldados” e falam de uma “guerra”. Frequentemente os integrantes fazem saudações militares, prometem treinamentos e reivindicam uma disciplina rígida.

Neonazista usando camiseta com referência ao filme 300

“Ucranizar” o Brasil

Em algumas ocasiões Sara Winter declarou que recebeu treinamento na Ucrânia e que queria “ucranizar” o Brasil, uma afirmativa difícil de compreender. O chamado “Euromaidan” foi uma série de protestos que aconteceram na Ucrânia em 2014 quando o governo, por pressão do governo russo, anunciou que não iria assinar um acordo de associação com a União Europeia. Mas, logo depois, as manifestações passaram a incluir bandeiras contra a corrupção e o abuso de poder, também com o apoio de grupos neonazistas. Os protestos foram violentamente reprimidos, mas o presidente Víktor Yanukóvytch acabou sendo deposto e fugiu do país.

Postagem de Sara Winter nas redes sociais

“Em 2013 e 2014 aconteceu um levantamento contra uma elite corrupta. É possível que ela se refira a isso com sua fala de ‘ucranizar”, diz Andreas Umland, cientista político que vive na Ucrânia em Kiev. Mas também é possível, devido ao discurso bélico dos “300 do Brasil”, que Sara Winter se refira à guerra quando diz “ucranizar”. Após a expulsão do presidente, as forças armadas russas apoiadas por militantes pró-russos invadiram a península da Crimeia e começaram uma guerra no leste da Ucrânia, nas regiões Donesk e Luhansk, que dura até hoje. Além dos exércitos dos dois países, lutaram milícias pró-russas e, do outro lado, grupos paramilitares voluntários da Ucrânia. O caso mais famoso é o do Batalhão Azov, que, apesar de ser acusado de ser um grupo neonazista, foi incorporado na reserva das Forças Armadas ucranianas e hoje está subordinado ao Ministério do Interior daquele país. Segundo o pesquisador Umland, vários voluntários estrangeiros estavam nos batalhões. “Algumas pessoas vieram pra cá por motivos ideológicos, principalmente neonazistas. Outros viram na busca de uma aventura”.

O Batalhão de Azov é uma organização paramilitar ucraniana

Nos treinamentos promovidos por Sara, são proibidos fotos e vídeos e é exigido roupa adequada para um treinamento físico de combate. Em um vídeo ela diz: “Muita gente achando que aqui é colônia de férias, achando que vai chegar aqui ficar de perna pra cima fazendo live, fazendo selfie. Se você quiser vir pra isso, não venha, não coloque teu nome na lista, não faça caravana. Aqui é treinamento. A gente exige treinamento, disciplina, ordem, patriotismo”. Ela diz que, além dos treinamentos “com especialistas em revolução não violenta, táticas de guerra de informação”, há “palestras sobre a atual situação política, econômica e social do Brasil”. Através de uma vaquinha virtual, o grupo arrecadou mais de 60 mil reais para financiar os encontros que estão acontecendo em meio a pandemia de coronavirus, que já matou mais de 25 mil pessoas no Brasil. O grupo obviamente se opõe às medidas de isolamento, seguindo as determinações de seu líder maior Bolsonaro.

Sara Winter afirma que recebeu treinamento na Ucrânia

Em entrevista à reportagem, a socióloga Sabrina Fernandes diz: “O que preocupa em relação aos 300 é seu possível caráter paramilitar, especialmente se consideramos a relação do bolsonarismo com milícias e as próprias Forças Armadas. O risco é de que esse grupo consiga inflamar com mais intensidade essa base leal bolsonarista, o que pode levar a um acirramento do conflito e a uma aplicação prática do ideário fascista que já compõe a estrutura ideológica do bolsonarismo.”

No grupo oficial dos “300 do Brasil” no Telegram está descrito: “Junte-se a nós. Seja parte do exército que vai exterminar a esquerda e a corrupção.” Desire Queiroz defende o uso dessas palavras. “Isso faz parte do discurso, temos o direito de nos expressar. Queremos exterminar a esquerda com argumentos.” Ela argumenta também que todas as ações dos “300 do Brasil” são não-violentas, que o grupo defende a democracia e nega que se trata de um movimento fascista. Porém Sabrina Fernandes lembra: “Ao contrário dos comunistas que se afirmam comunistas, é estratégico para fascistas negarem serem fascistas dependendo do contexto. Uma vez que eles se declaram abertamente fascistas, isso legitima ações, organizações e frentes antifascistas. O conceito de democracia é esvaziado há tempos e para eles constitui uma noção bastante particular do que é o povo brasileiro, representada pela ideia do ‘cidadão de bem’. Nessa concepção, a democracia é um espaço de poder para este tipo de cidadão, o que evoca um ideário nacionalista específico também que pode ser associado a um programa fascista.”

Na esteira das semelhanças estéticas, a pesquisadora Carina Book chama a atenção para uma foto do “300 do Brasil” em que Sara Winter aparece com outros militantes, usando uma máscara de caveira. A máscara, que também é vendida no Brasil, é muito popular na Europa e nos Estados Unidos entre neonazistas. “A máscara de caveira virou uma estética universal fascista”, escreve o jornalista Jake Hanrahan no Twitter. A rede terrorista neonazista Atomwaffen Division usa exatamente a mesma máscara em seus vídeos de propaganda.

  • Organização neonazista Atomwaffen Division
  • Pesquisadores apontam semelhanças no movimento brasileiro

Uma trajetória de muitas coincidências

Sara Fernanda Giromini sempre negou publicamente qualquer relação com grupos neonazistas e fascistas mas sua trajetória, assim como a de seu novo grupo, é cheia de coincidências com esses movimentos. Natural de São Carlos, cidade do interior de São Paulo, Sara aderiu ao codinome Winter quando fundou célula do movimento ucraniano Femen no Brasil em 2012. O nome, Sara Winter, é homônimo ao de uma socialite britânica que foi espiã de Hitler e membro da União Britânica de Fascistas, mas a Sara brasileira nega a relação e diz que o nome foi inspirado em uma cantora. O Femen em si é um movimento polêmico, adepto do “sextremismo” que visa chamar a atenção da mídia e da sociedade para alguns temas com mulheres protestando seminuas. Sara ganhou muita atenção da mídia na época porém sua atuação sempre foi vista com desconfiança por algumas vertentes do movimento feminista. Alegava-se, entre outras coisas, que era um movimento muito vertical, sem referência, com processo de seleção, além de ser difícil adaptar as pautas da Ucrânia no Brasil, já que são países com realidades tão diferentes e complexas.

Sara Winter fundou o movimento Femen no Brasil

Em entrevista ao site Opera Mundi em 2012, Bruna Themis, ex-integrante do Femen Brasil e parceira de Sara, contou porque decidiu deixar a organização em poucos meses. Entre os motivos ela destacou a falta de propostas e embasamento teórico: “O Femen não tem proposta, isso eu posso afirmar. Elas não gostam nem de ler as críticas nos jornais ao movimento. Eu sempre lia e queria saber o porquê de falarem isso ou aquilo. Quando fui detida, uma das meninas me empurrou porque queria aparecer na câmera. É engraçado e triste. (…) O Femen não é um movimento feminista. Ninguém lá sabe o que é feminismo. Eu sugeri que a gente buscasse vínculos com outros coletivos ou outros grupos feministas, mas a Sara recusou”.

Bruna também contou que as diretrizes vindas da matriz ucraniana era a de que apenas mulheres dentro do padrão de beleza estabelecido por elas pudessem participar e que a célula brasileira teria sido criticada por colocar “meninas gordinhas nos protestos”. Por fim, disse que saiu porque Sara Winter era autoritária e simpática ao nazismo: “A Sara disse que admira Hitler como pessoa, que ele foi um bom marido, que amava os animais, mas que não admira o Hitler público”, afirmou.

Na entrevista ao Opera Mundi, outra informação chama a atenção. Bruna comenta que o Femen da Ucrânia pouco sabia sobre a célula brasileira e vice-versa e que Sara havia ido a Kiev por sua própria conta. Mas no filme “A Vida de Sara”, um documentário biográfico produzido pela plataforma Lumine, apelidada de “Netflix conservadora”, Sara Winter diz que a organização mandou dinheiro para que ela fosse para a Ucrânia passar por um treinamento. Financiada ou não pela organização, Sara conta que passou por um treinamento “muito hardcore”, quase “um exército”. Recentemente ela voltou a dizer nas redes sociais que passou por treinamento na Ucrânia e que iria replicá-lo no Brasil. Procurado, o Femen Ucrania disse que responderia a entrevista porém até o fechamento da reportagem não houve resposta. Vale lembrar que a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), que hoje processa Sara Winter por calúnia e difamação, também participou de um protesto do Femen em 2012, como mostra este vídeo.

A deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP, à direita), em manifestação do grupo Femen, em São Paulo, no dia 29 de dezembro de 2012

O filme foi produzido Matheus Bazzo, que exerceu a mesma função no documentário sobre a vida e a obra de Olavo de Carvalho, “O Jardim das Aflições”. Matheus também é um dos fundadores da plataforma conservadora, que se propõe a trazer séries e programas “para quem entende a importância da verdade, da beleza e da bondade nas produções artísticas” segundo o site Estudos Nacionais. No filme de Sara não há qualquer menção a patrocinadores. No entanto, logo nas primeiras cenas, a militante aparece passeando com seu filho em uma loja da Havan e em certo momento, ele toca o sino da loja, evidenciando o logotipo ao fundo.

  • No documentário, Sara e seu filho aparecem na loja da Havan
  • O dono da empresa, Luciano Hang, é alvo da PF no inquérito das fake news

Em 2013, a organização ucraniana desligou Sara e declarou publicamente que não tinha mais representantes no Brasil. “Gostaria de dizer algo que imagino seja novo para vocês. Não temos mais Femen Brasil. A pessoa que nos representava, Sara Winter, e que tem sua própria conta no Facebook, o Femen Brasil, não faz parte do nosso grupo. Tivemos muitos problemas com ela. Ela não está pronta para ser líder. É uma pena, mas essa decisão faz parte do nosso crescimento como movimento honesto. O Femen Brasil não nos representa”, disse na época ao jornal Zero Hora uma das fundadoras do movimento original, a ucraniana Alexandra Shevchenko.

Diretor documentário “A Vida de Sara” também produziu documentário sobre Olavo de Carvalho

No filme, Sara conta que que já se prostituiu e dá detalhes de um terrível estupro que teria sofrido. Também aparece atirando e manipulando armas de fogo, cuidando do filho, fala sobre um aborto que teria realizado e sobre como tudo isso a levou a se tornar uma “anti-feminista” católica. Mas ela já tinha uma trajetória controversa antes disso. Em sua página no Facebook, na mesma época em que fazia protestos pelo Femen, ela dizia que admirava Plínio Salgado, o movimento skinhead e algumas personalidades conservadoras, como Ronald Reagan. Antes ainda, entrevistava bandas neonazistas e aparecia em fotos de shows dessas bandas. Além disso, tinha uma tatuagem no ombro de uma cruz de ferro, símbolo germânico que se tornou popular durante o regime nazista e era a principal condecoração de guerra. Sara diz que a tatuagem é uma homenagem aos “cavaleiros templários da idade média”, mas a pesquisadora alemã Carina Book confirma que é a cruz de ferro.

Catálogo de filmes da Lumine

A partir de 2015, Sara passa a se declarar publicamente uma militante conservadora de direita, anti-feminista, anti-aborto, pró-vida e religiosa. Em 2016, aparece em um vídeo ao lado de Bolsonaro se dizendo “curada” do feminismo. No mesmo ano, se acorrentou no Largo da Carioca no Rio de Janeiro, dizendo que faria greve de fome contra a decisão da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) de considerar legal um caso de aborto até os três meses de gravidez. O ato virou piada nas redes sociais por ter durado poucas horas.

E se hoje ela diz que quer derrubar o presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM/RJ), em 2018 foi candidata a deputada federal por seu partido mas não conseguiu votos suficientes.

Sara Winter é apoiadora do governo Bolsonaro

Como militante conservadora de extrema direita, Sara coleciona no currículo um “Congresso Anti-Feminista”, fotos com fetos de borracha e palestras dadas em igrejas pelo Brasil. O grupo dos “300 do Brasil”, segundo ela, foi uma ideia de Olavo de Carvalho a quem tem como guru. Entre os entusiastas do “300 do Brasil”, estão a deputada Bia Kicis (sem partido), o jornalista do Terça Livre Allan dos Santos – ambos investigados no inquérito das Fake News – e seu (autodeclarado) ex-psiquiatra, Ítalo Marsilli, que também é discípulo de Olavo de Carvalho e já declarou em um de seus vídeos que mulheres não deveriam votar pois são fáceis de seduzir: “Na democracia grega, a única do mundo que funcionou, não estava previsto o voto feminino. Quando o voto passa ser pleno, ou seja, mulheres e todo mundo pode votar, a gente vê que tem uma crise na regência do Estado. É muito fácil você convencer mulher de votar, é só você seduzi-la”.

Ítalo Marsilli e Sara Winter durante protesto

A vida de Sara Winter, 27 anos, é cheia de mudanças radicais, que acontecem repentinamente e com muitas coincidências. Como ocorreu nesta manhã quando, antecipando que poderia ser presa por ter ameaçado o ministro Alexandre de Moraes, Sara Winter publicou uma hashtag pedindo sua libertação: #SaraLivre.

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A reportagem é uma parceria da Agência Pública com o neues neutschland.

Colaborou Pedro Kranz.

Reportagem originalmente publicada na Agência Pública

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terça-feira, 26 de maio de 2020

Milicianos invadem área ambiental e formam máfia da areia no Rio de Janeiro


AGÊNCIA PÚBLICA

Milicianos invadem área ambiental e formam máfia da areia no Rio de Janeiro

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Fonte: Agência Pública

Resumo:

Moradores vivem sob regime de medo dentro de uma APA na Baixada Fluminense que tinha oito areais clandestinos funcionando; empresa flagrada tem 11 notificações de órgãos ambientais

Por Mariana Simões

Rio de Janeiro. Tucanos sobrevoam densas camadas de Mata Atlântica que cercam duas construções brancas, de um andar. Uma frase em azul-marinho escrita à mão sinaliza que ali funciona a Escola Municipal Sargento João Délio dos Santos. Os mais de 200 alunos do ensino médio e primário estudam dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) do Alto Iguaçu, um oásis verde de 22 mil hectares em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Foi ali que, em dezembro do ano passado, o Ministério Público Federal (MPF) flagrou um crime ambiental altamente lucrativo: o carregamento de areia da APA.

A empresa Areal da Divisa Ltda. aproveitou as férias escolares e passou a extrair areia por dragagem, uma técnica que utiliza bombas de sucção submersas. Como resultado, desmatou a área e criou uma cratera do tamanho de quatro campos de futebol, repleta de uma água de cor verde claro, a apenas 8 metros da escola – que agora corre o risco de desabar. “Passaram muitos caminhões de areia aqui. Eu não estranhei porque isso acontece o tempo todo. É só mais um areal. Isso já é comum para essa comunidade”, disse um morador que não quis se identificar por medo de sofrer represálias. Mais de 65 mil pessoas moram na APA.

A extração de areia acontece ao lado da Escola Municipal Sargento João Délio dos Santos

Há mais de uma década, o MPF investiga a atuação de areais ilegais na área da APA. Em 2012, os procuradores impetraram uma ação civil contra uma empresa Areal da Divisa e orgãos de fiscalização estadual e federal pela extração indevida de areia em um local arqueológico dentro da APA, pedindo multas no valor de R$ 250 mil. O processo menciona que as autuações ambientais datam de 2002. O caso ainda está em andamento na 2ª Vara Federal de Duque de Caxias, mas uma decisão limitar em 2013 ordenou à empresa “interromper a execução de atividades de extração mineral nas áreas objeto da presente demanda, bem como em qualquer outra área, contígua ou não, na região do Amapá-Piranema, abstendo-se de praticar qualquer novo ato de degradação ambiental nas áreas objeto desta ação ”. O descumprimento levaria a uma multa de R $ 50 mil. No mesmo ano, o decreto que criou a APA estabelece que a “extração mineral de qualquer natureza” é proibida na região.

  • Lagoa da Areal da Divisa
  • ao lado da escola

Milícias

Durante a apuração da reportagem, moradores da APA do Alto Iguaçu disseram que empresas irregulares ligadas à milícia fazem a extração ilegal graças a um regime de medo. “A gente tem todo tipo de ameaça aqui, inclusive algumas mais diretas onde dizem que a milícia vem matar todo mundo, não anda sozinho se não vão pegar vocês”, contou uma moradora à Agência Pública. A Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) recebeu denúncias de moradores que alegam ter sofrido ameaças verbais por se posicionarem contra a abertura de areais na região. Segundo um representante da comissão, os deputados continuam acompanhando os casos, mas não divulgam detalhes por segurança.

Apesar da ilegalidade, muitos moradores da APA acabam trabalhando na extração de areia por falta de oportunidades de emprego. “A gente mora em uma região onde todas as famílias têm um parente que trabalha no areal”, diz um morador. A areia dá lucro porque é um dos componentes principais da produção do cimento, abastecendo o mercado de construção civil. Por isso, a extração ilegal de areia é a terceira atividade criminosa mais lucrativa do mundo – atrás apenas de pirataria e do tráfico de drogas. No Brasil, a atividade pode chegar até R$ 8 bilhões por ano, de acordo com um estudo do pesquisador Luís Fernando Ramadon, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). “Você não precisa de muita coisa para você transformar a areia em faturamento. A areia está bem ali na beira do rio, você pega, puxa ali ninguém viu e vai embora”, diz Ramadon, ex-chefe do Núcleo de Operações da Delegacia de Combate a Crimes Ambientais e Patrimônio Histórico do Rio. O pesquisador afirma que o roubo de areia no Brasil dá mais lucro do que o tráfico de maconha, por exemplo. “O tráfico de drogas tem um custo muito alto, porque, além da briga por território, tem as propinas que são pagas para a droga poder passar. Já com a extração de areia você não precisa de nada disso. Se lucra muito e muito mais rápido”, explica Ramadon.

“Porque que a milícia vai lá [na APA] e faz a extração da areia? Porque está dando dinheiro a extração da areia ali”, diz Ramadon. Ele acrescenta que a área de preservação ambiental é uma “presa fácil” para o roubo de areia. “Quantos funcionários trabalham em um local desse? São poucos. Um, dois, três, e às vezes não dão conta [de fiscalizar]. E existe também o medo. Se você pega e denuncia uma extração ilegal, tem gente que morre por causa disso.”

“Quando eu andava com as crianças aqui antes, era só mata, mas quando as aulas voltaram eu notei que já estava imenso o areal. Já tinha uma megaestrutura com maquinário pesado [para extrair a areia]. Eu levei um susto”, conta um morador da região, também sob anonimato. Depois da extração, o susto foi ainda maior com o aparecimento da cratera cheia de água de coloração azul. “Pensávamos que podia ter risco de a escola desabar por conta da lagoa que surgiu aqui do lado.”

No dia 4 de abril de 2019, a prefeitura de Duque de Caxias fez uma vistoria no local para verificar se a cratera ameaçava o dia a dia dos alunos. O laudo da visita, assinado por uma engenheira civil da Subsecretaria de Saúde e Defesa Civil de Caxias, diz que foi constatado “a cerca de 8 metros de distância dos fundos da escola, uma obra já paralisada de escavações de um areal, sem causar danos a estrutura da escola”. O documento ainda frisa que, “considerando as alterações descritas acima, não existe o risco iminente de colapso da estrutura”. A cratera permanece até hoje e os alunos seguem na escola à beira da “lagoa”, formada por água do lençol freático.

“Quando você faz aquela buraqueira lá, você está sujeitando a água à poluição e facilitando mais intensamente a evaporação. Em alguns lugares você tem perda dos níveis de água etc. Então esse é um problema que não tem solução”, diz o geólogo Décio Tubbs, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).

Especialistas alertam que a composição química das lagoas não é própria para contato humano. “Não é para consumo e muito menos para banho. A água tem um pH muito baixo e você começa a ter reações na pele, como coceiras”, diz o geólogo Eduardo Marques, coordenador nacional de geoquímica no Serviço Geológico do Brasil (CPRM). Mesmo assim, quem mora no entorno acaba usando as cavas como fonte de diversão. “As crianças falam com a gente que foram para a lagoa azul. Até os pais contam que vão nadar lá e que está sempre lotado. Falam que tem gente que vem de jet ski. Vão para se refrescar na água”, conta outro morador.

A reportagem da Pública foi abordada quando tirava fotos do areal e da lagoa. Um carro parou um pouco à frente, baixou o vidro e questionou uma moradora sobre por que estávamos tirando fotos do local. O motorista se identificou como “dono” de um areal da região.

“Pensávamos que podia ter risco de a escola desabar por conta da lagoa que surgiu aqui do lado”, relata o morador da região

A Areal da Divisa

Cansado de ver a inação dos órgãos fiscalizadores, o procurador Júlio Araújo acionou a PF e o Inea para realizar uma operação policial conjunta que tivesse como objetivo estancar a extração ilegal de areia na APA do Alto Iguaçu.

A operação liderada pelo MPF foi feita no dia 9 de dezembro de 2019 e levou à destruição de oito silos, uma espécie de funil utilizado para separar a areia da água no processo minerário. Os oito areais que funcionavam dentro da APA foram alvos da operação – entre eles, a cratera aberta que deixou a escola municipal à beira de um precipício. A reportagem da Pública apurou no site da Agência Nacional de Mineração que a empresa Areal da Divisa havia pedido em 2003 uma licença para realizar mineração exatamente naquele local, mas a licença nunca foi concedida. Dentre os 8 silos destruídos pela operação, um pertencia à Areal da Divisa.

“Existe uma omissão na fiscalização ali na região”, diz o procurador Julio Araujo, do MPF em São João de Meriti. “É uma atividade que prosperou. Virou um negócio muito lucrativo e vem sendo operado por grupos criminosos”.

Pública tentou entrar em contato com quatro telefones vinculados à Areal da Divisa, mas não conseguiu contato com nenhum responsável.


Para Júlio Araújo, a operação foi bem sucedida porque conseguiu destruir o equipamento usado pelos grupos criminosos. “A questão da destruição [do maquinário usado na extração] é superimportante porque ela inviabiliza a atividade”, diz o procurador. “Até hoje o que era feito era: a polícia ia lá com o fiscal do Instituto Estadual do Ambiente e prendia as pessoas que estavam fazendo a extração ilegal da areia. Aí isso gerava processos penais que acabavam esfriando porque geralmente essas pessoas eram apenas trabalhadores e efetivamente não dominavam o negócio. Então isso não era eficaz.”

Logo depois da operação foi concluída, o MPF enviou ofícios ao prefeito de Duque de Caxias e à Secretaria Municipal do Meio Ambiente cobrando uma resposta para prevenir a extração irregular de areia. O prefeito não respondeu, mas a secretaria afirmou, no início de janeiro, que dali por diante o procedimento seria relatar “o ocorrido ao Instituto Estadual do Ambiente, sendo o mesmo competente para as demais medidas cabíveis”. No dia 12 de fevereiro deste ano, o MPF fez uma reunião com o Inea questionando o representante da APA.

“O MPF vai continuar cobrando tanto o Inea quanto o próprio governo do estado”, diz Araujo.

Uma moradora, que conversou com a reportagem sob anonimato, disse que as os grupos criminosos começaram a retomar as suas atividades de extração ilegal de areia em fevereiro deste ano e atualmente estão para abrir um novo areal dentro da APA do Alto Iguaçu. “Esse novo areal é mais escondidinho, não é tão na cara como aquele que ficava do lado da escola”, conta. “Botaram uma caixa [de areia] nova e cavaram um buraco para ver se tem areia, e tem. Estão esperando só a poeira baixar. Mais cedo ou mais tarde vai voltar.”

Brechas no sistema e ‘modus operandi ilegal’

O pesquisador Luís Fernando Ramadon alerta que, como no caso da APA, é comum que órgãos fiscalizadores municipais permitam a extração de areia mesmo sem aprovação da ANM. “Tem aqueles que estão dentro do processo de legalização e atuam ilegalmente”, explica Ramadon. E dá um exemplo: “Se eu tenho um poligonal, ou seja, uma área minerária que eu pedi para a Agência Nacional de Mineração poder explorar, e eu não consegui o licenciamento dado pela ANM, eu não posso explorar. Se eu explorar, é um modus operandi ilegal”.

De fato. Em janeiro de 2003, a Areal da Divisa entrou com um pedido de autorização de pesquisa junto à Agência Nacional de Mineração. A área englobava 769 hectares, incluindo o terreno da escola municipal Sargento João Délio dos Santos.

Gilvoneick de Souza, presidente da ONG Defensoria Social Ambiental, que estudou o caso, diz que a empresa não conseguiu autorização para pesquisa. “As pessoas dão entrada no órgão e se aproveitam de um protocolo que, por exemplo, dá direito apenas a pesquisa e, em vez de pesquisar, passam a extrair e a vender aquele material, mas é só um primeiro passo, de um longo processo burocrático, para se obter uma concessão de lavra.”

Há mais de uma década ele denuncia areais clandestinos na Baixada Fluminense e chegou a participar, em 2016, da CPI dos Areais na Alerj. Segundo ele, é comum as milícias serem “beneficiadas pela ineficiência do sistema”. “Você tem empresas que entram no órgão para pedir essa concessão de extração que já foram flagradas usurpando esse material e mesmo assim a empresa continua indo para o órgão e pedindo novas solicitações. Ou seja, essa empresa deveria ter a sua autorização de extração cassada e ser incluída em um cadastro para que ela nunca mais opere nessa área. Mas não é isso que acontece”, diz.

Desde 2001, dezenas de vistorias foram feitas pelas autoridades competentes em areais comandados pela Areal da Divisa. Como resultado a empresa recebeu pelo menos 11 notificações por “condutas lesivas” ao meio ambiente apenas em áreas próximas à Escola Municipal Sargento João Délio dos Santos. As notificações foram emitidas pela ANM, pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Duque de Caxias e pelo Inea.

Um relatório de janeiro de 2002 informa que um areal da empresa na mesma região foi objeto de vistoria pelo deputado Carlos Minc em dezembro de 2001 e que “já foi solicitada a emissão de intimação para paralisar a extração […] por causar degradação ambiental já que a empresa não possui licença de operação”. Quatro anos depois, outro relatório de uma vistoria feita pela Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (Feema), órgão de fiscalização ambiental depois absorvido pelo Inea, mostra que em março de 2006 a empresa continuava extraindo areia “de forma irregular”. Segundo o documento, o proprietário “iniciou a extração neste local alegando demora do órgão na emissão da Licença requerida”.

Destruição de sítio arqueológico

Antes de abrir a cratera atrás da escola em 2019, a Areal da Divisa já estava entre as sete empresas que viraram alvo do MPF, em 2012, pela destruição quase total dos sítios arqueológicos Terra Prometida e Aldeia das Escravas II, também dentro da APA do Alto Iguaçu. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) avaliou que o local continha vestígios da pré-história do Brasil, como cacos de cerâmica e artefatos de pedras de índios tupis-guaranis. Na ação civil o MPF acusa a ANM e o Inea de emitir autorizações irregulares e não fiscalizar as empresas. “Por tratar-se de uma área com alto potencial arqueológico, eventual licença para atividade de extração de areia em cava deveria ter sido precedida de pesquisas arqueológicas”, escreve o MPF.

Documentos do Inea obtidos pela Pública revelam que a Areal da Divisa obteve pelo menos 12 licenças para minerar areais nessa área com potencial arqueológico. O órgão que mais emitiu essas licenças foi a Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Duque de Caxias.

A Areal da Divisa já estava entre as sete empresas que viraram alvo do MPF, em 2012, pela destruição quase total dos sítios arqueológicos Terra Prometida e Aldeia das Escravas II

Procurada pela reportagem, a prefeitura de Duque de Caxias disse que desconhece a ação civil pública movida pelo MPF. Segundo a administração, “a responsabilidade em fiscalizar qualquer empreendimento de exploração mineral é do Estado através do INEA”.

Por e-mail, o Inea diz que a APA do Alto Iguaçu foi criada em janeiro de 2013 e que “quando a unidade de conservação foi instituída, essa atividade já havia sido interrompida”. Sobre o sítio arqueológico, o Inea afirma que desde agosto de 2013 tem realizado vistorias e “não evidenciou atividade de extração mineral”.

Questionada sobre as licenças concedidas à Areal da Divisa, a ANM respondeu por e-mail: “As licenças emitidas para a empresa Areal da Divisa foram todas em acordo com a legislação vigente na época, tendo a última sido cancelada em 20/06/2008. Esclarecemos que a APA do Alto Iguaçu foi criada em 2013, posteriormente, portanto às licenças emitidas”. O órgão acrescenta que a “ANM vem tomando todas as medidas cabíveis no âmbito desta gerência no intuito de coibir a extração ilegal de recursos minerais na região”.

O mercado que facilita o crime

“Normalmente o miliciano ou o empreendedor criminoso extrai esse material e até estoca esse material, que é comprado pelas casas de materiais de construção da própria Baixada”, conta Gilvoneick de Souza, da ONG Defensoria Social Ambiental. Segundo ele, além de contar com pequenas casas de construção, os milicianos têm clientes de empresas maiores que utilizam a areia para erguer grandes obras. “O empresário acaba adquirindo esse material bem baratinho do miliciano. Então aquela empresa que ganhou uma licitação [para uma obra], em vez de adquirir de uma empresa legalizada, compra esse material que foi usurpado e dá um jeito de falsificar a documentação. Porque a empresa tem que dizer em documento de onde é extraído aquele material”, explica.

Luís Fernando Ramadon, que desde 2009 dá um curso sobre repressão a crimes ambientais e minerários na Academia Nacional de Polícia (ANP), explica como é feita a fraude. “Às vezes eles fazem a lavagem da areia através da nota fiscal de uma empresa que é legalizada”, diz. O que acontece geralmente, segundo o pesquisador, é que o minerador já possui uma empresa legal de mineração e passa a usar a nota fiscal dessa empresa em transações envolvendo a extração ilegal de areia. Usando a tal nota da empresa legalizada, “vende a areia ilegal que o comprador pensa que é legal”.

Mas na APA do Alto Iguaçu responsabilizar as empresas que compram o material ilegal tem sido mais difícil. Segundo o procurador Julio Araujo, que desde 2018 investiga impactos socioambientais na região pelo MPF em São João de Meriti, o mapeamento das empresas compradoras é uma linha de investigação que se provou ineficaz na APA. “Eu penso que em relação aos areais há um cenário de normalização”, diz o procurador. “Os órgãos municipais e federais se contentaram durante um bom tempo em enxugar gelo na situação fiscalizatória, o que indiretamente permitiu que a atividade continuasse e ao mesmo tempo não houvesse a responsabilidade das pessoas que comandam a atividade.”

Créditos de imagens

 Mariana Simões/Agência Pública
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 Inea RJ
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Reportagem originalmente publicada na Agência Pública

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