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Redação Pragmatismo Editor(a)
Educação 09/Jan/2019 às 12:44 COMENTÁRIOS
Escolas de elite surpreendem em carta contra ministro da Educação
Escolas de elite que trabalham a educação com viés construtivista divulgam carta crítica ao ministro Ricardo Vélez Rodriguez. Texto de Vélez é citado na carta. Leia a íntegra
Bolsonaro e o ministro Ricardo Vélez Rodrigues (Reprodução/Redes Sociais)
Divulgado na última quarta-feira (2), o documento é
assinado pelas instituições Escola Barão Vermelho (BH), Colégio
Mangabeiras Parque (BH), Escola Parque (RJ), Escola da Vila (SP) e
Escola Viva (SP), que integram o grupo de educação construtivista
Critique.
Todas trabalham a educação com viés construtivista e
são consideradas colégio de elite, com mensalidades que giram em torno
de 4 mil reais.
Na carta, o grupo critica as afirmações do chefe do
MEC de que as escolas e os professores estão infiltrados ensinando
“ideologia de gênero” e “doutrinação marxista”. “Isso soa como um
discurso anacrônico que remete aos anos da guerra fria no século 20. E
é, mais uma vez, um deslocamento da questão realmente grave que é a da
dificuldade de tornar as crianças e jovens brasileiros aprendizes
eficientes e preparados para os desafios do mundo atual”, diz o texto.
Para os educadores, o problema das escolas não são
“ideologias de esquerda em sala de aula, mas a incapacidade do sistema
de conseguir que os alunos aprendam”.
O grupo cita a desvalorização da figura do
professor como uma das justificativas para o descrédito do sistema.
“Antes podemos nos lembrar da ausência de apreço que se tem, no Brasil,
pela escola e a pouca valorização que se dá ao professor, à sua ação e
formação”, escreve.
A carta cita um dos artigos de Vélez Rodriguez,
intitulado “Um roteiro para o MEC” (que não está mais disponível online)
em que ele afirma que se preocupa com “uma estrutura armada para
desmontar valores tradicionais da nossa sociedade, (…) da família, da
religião, da cidadania, em suma, do patriotismo”.
“Asseguramos que o que existe, de fato, é a
dificuldade de aprender dos alunos. Para tanto, os professores não
necessitam de vigilância, mas de formação e de valorização”, reforça o
texto das escolas.
Sobre as críticas ao Enem, feitas tanto pelo
ministro da Educação quanto pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, o
grupo afirma que “a prova não é elaborada por pessoas mal intencionadas
que desejam prejudicar jovens”.
“A prova é construída por professores que tentam
ligar o conhecimento a diversos contextos, que é o que se busca hoje na
educação escolar. Quando Vossa Excelência diz que a ‘prova tem que
avaliar realmente os conhecimentos. O aluno não pode ter medo de levar
pau’ não é claro como Vossa Excelência significa o conhecimento. Para
nós, conhecer é conseguir aplicar o conhecimento em diversas situações, é
estabelecer relações entre os saberes, é saber usar na vida o que se
aprendeu”, afirma.
Pelo extenso currículo e biografia do ministro, as
escolas afirmam que “com tanto lastro intelectual, é difícil acreditar
que V. Excia considere a Escola sem Partido “providência fundamental”.
Para eles, quem defende o projeto é “um grupo de amadores, que carece de
saberes básicos sobre educação, e que divulga fantasias sobre
influência de partidos políticos sobre estudantes”.
Leia a carta na íntegra:
“Senhor Ministro da Educação,
Nossa longa e ampla experiência na escola nos
impele ao dever de contribuir para a atual discussão sobre a educação
escolar brasileira. Precisamos começar por esclarecer que o problema de
nossas escolas não são ideologias de esquerda em sala de aula, mas a
incapacidade do sistema de conseguir que os alunos aprendam. São muitas e
complexas as razões que trouxeram a Educação Básica aos péssimos
resultados que se repetem há alguns anos. Mas, certamente, entre as
muitas principais delas, não estão ideologias de esquerda. Antes podemos
nos lembrar da ausência de apreço que se tem, no Brasil, pela escola e a
pouca valorização que se dá ao professor, à sua ação e formação. Para
citar apenas duas bastante relevantes.
A insistência em enfatizar problemas
ideológicos serve apenas para desviar o foco do problema real e
prejudica o aprimoramento da educação escolar, tão essencial para que o
país se torne viável. A Educação Básica é um problema nacional
importante e grave demais para que se reduza a acusações a pretensas
maquinações de esquerda.
Considerar que a escola ensina e a família e a
igreja promovem a educação moral é uma opinião desatualizada, pois o
desenvolvimento moral é inseparável do desenvolvimento intelectual, e a
educação das crianças não se limita a memorizar informações e fatos. O
conhecimento existe em um contexto, numa abordagem que, necessariamente,
envolve o desenvolvimento emocional, social, intelectual, moral e
físico do aluno.
Confundir educação moral – que temos como
objetivo construir a autonomia do sujeito – com moral religiosa
obscurece o conhecimento e relega a aprendizagem a uma pedagogia
transmissiva obsoleta.
Aguardamos de Vossa Excelência um projeto
coerente, fundamentado, lógico e sensato para enfrentar as dificuldades
da nossa educação escolar que precisa cumprir sua função de garantir que
as novas gerações compreendam e contribuam para o aperfeiçoamento da
sociedade.
Não concordamos que – num país em que muitos
alunos não chegam a aprender a ler – se tenha como meta principal vigiar
professores e criar Conselhos de Ética, nas escolas, para “zelarem pela
“reta” educação moral dos alunos”. Excelência, escola é lugar de falar
de alfabetização, comunicação, pensamento lógico, científico,
humanidades, moral, tudo o que fundamenta o acervo cultural da
humanidade. O pensamento moral implica transformação interna do sujeito,
que se constrói discutindo ações e conhecimentos, e não com punição e
obediência.
No texto “Um roteiro para o MEC”, Vossa
Excelência se preocupa com “uma estrutura armada para desmontar valores
tradicionais da nossa sociedade, (…) da família, da religião, da
cidadania, em suma, do patriotismo”. Asseguramos que o que existe, de
fato, é a dificuldade de aprender dos alunos. Para tanto, os professores
não necessitam de vigilância, mas de formação e de valorização.
Alertamos que a Escola sem Partido, que Vossa
Excelência considera “uma providência fundamental”, não está atualizada
com as pedagogias contemporâneas, discutidas e estudadas em todos os
países do mundo que se preocupam com formar gerações que consigam
interpretar a realidade, em sua complexidade, para lidar com as
transformações radicais decorrentes do mundo digital.
A acusação de que supostas ‘educação de gênero’
e ‘ideologia marxista’ estão infiltradas na escola soa como um discurso
anacrônico que remete aos anos da guerra fria no século 20. E é, mais
uma vez, um deslocamento da questão realmente grave que é a da
dificuldade de tornar as crianças e jovens brasileiros aprendizes
eficientes e preparados para os desafios do mundo atual.
O Brasil precisa se educar para o novo mundo,
criado pelas novas tecnologias, com questões demasiadamente desafiadoras
para a humanidade. Não há tempo a perder com convicções vetustas que
parecem ignorar que a humanidade foi capaz de levar o homem à Lua, que é
capaz de manipular genes, descobrir curas para doenças, inventar
máquinas que facilitam a vida, tudo isso porque a espécie humana é
dotada de mentes curiosas, criadoras e inventivas. Essa capacidade de
pensar, discutir, refletir e trocar conhecimento trouxe a humanidade até
aqui. Cercear essa capacidade é preocupante e, mais ainda, se nossa
educação básica é sabidamente ruim, com menos discussão, troca e
reflexão certamente não vai melhorar.
Quanto ao exame do Enem, Senhor Ministro, a
prova não é elaborada por pessoas mal intencionadas que desejam
prejudicar jovens. Não, pelo contrário, a prova é construída por
professores que tentam ligar o conhecimento a diversos contextos, que é o
que se busca hoje na educação escolar. Quando Vossa Excelência diz que a
“prova tem que avaliar realmente os conhecimentos. O aluno não pode ter
medo de levar pau” não é claro como Vossa Excelência significa o
conhecimento. Para nós, conhecer é conseguir aplicar o conhecimento em
diversas situações, é estabelecer relações entre os saberes, é saber
usar na vida o que se aprendeu. Não consideramos que conhecimento são
conteúdos memorizados e descontextualizados. Quanto ao receio de o aluno
de ser reprovado deve-se à má qualidade da educação escolar e não a
intenções perversas de quem corrige as provas.
Senhor Ministro, sua biografia informa que é
autor de mais de 30 obras e professor emérito da Escola de Comando do
Estado Maior do Exército. Também é mestre em pensamento brasileiro pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ); doutor em
pensamento luso-brasileiro pela Universidade Gama Filho; e pós-doutor
pelo Centro De Pesquisas Políticas Raymond Aron. Com tanto lastro
intelectual, é difícil acreditar que V. Excia considere a Escola sem
Partido “providência fundamental”. Afinal, é um grupo de amadores, que
carece de saberes básicos sobre educação, e que divulga fantasias sobre
influência de partidos políticos sobre estudantes dentro de escolas de
Ensino Fundamental e Médio. Com tanto embasamento cultural, esperamos
que Vossa Excelência não aceite esses ataques ao conhecimento.
Concordamos com sua opinião de que “doutrinação
não é boa para o aluno, nos primeiros anos, no ensino básico,
fundamental”, mas vamos mais longe: doutrinação não é boa nunca. O que
forma a consciência cidadã é a discussão e a dúvida, o que é muito
diferente de reprimir a expressão e incentivar a denúncia, ação
altamente deseducativa do ponto de vista moral.
Falar sobre gênero, senhor ministro, é falar de
um conceito moral muito mais amplo, que abrange ideais de respeito e
aceitação do outro, essenciais para o convívio. Todos têm a liberdade de
ser como são, sem moldes determinados. Isso é respeitar o indivíduo,
sem regulamentação do que ele é por decreto, numa interpretação oposta a
que Vossa Excelência manifestou numa entrevista.
Saber que planeja melhorar as condições do
ensino, nas escolas municipais, para “resgatar a qualidade do nosso
ensino” é alvissareiro, porém ficou faltando esclarecer como isso será
proposto e realizado.
Como educadores que dedicaram sua vida
profissional à escola, pedimos que Vossa Excelência não permita que o
país entre numa rota de retrocesso, a partir da instituição escolar.
Para assegurar a laicidade da educação, como prevista na constituição
brasileira, pedimos que não deixe que a exploração da credulidade dos
despossuídos, por meio da religião, se imiscua no processo da educação
escolar. O conhecimento e a cultura são patrimônio de um país. A arte
atravessa a História da Humanidade e é expressão de civilização, que não
pode ser demonizada.
E, com sua formação, Vossa Excelência sabe que
criacionismo e darwinismo não são histórias equivalentes para serem
objeto de opção. Crença e conhecimento são coisas muito diferentes. Uma é
fé, e outra é ciência.
Até aqui, senhor ministro, suas declarações
deixaram a desejar. Ainda aguardamos um plano criterioso que assegure a
aprendizagem que vai preparar nossas crianças e jovens para enfrentarem,
entre outros muitos desafios, o aquecimento global, as mudanças
climáticas, as questões éticas da manipulação genética, da inteligência
artificial, e os muitos problemas ainda desconhecidos, mas que sabemos
que virão com a transformação cada vez mais rápida da realidade.
Grupo Critique”
Revista Exame
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